HELENA FIGUEIREDO:
Arco-íris de papel

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Páris e Helena

Páris fora claro:

“Sonho raptar-te numa qualquer madrugada e no dorso do meu cavalo levar-te comigo para sempre. Serás rainha de uma terra longínqua, onde não existem portas nem janelas e onde o leite e o mel nos correrão por entre os dedos. Ficarás eternamente em meus braços e o mundo a nossos pés.”

Helena sabia-o capaz de tudo e nos seus sonhos esperava por ele.

Naquela noite algo de estranho perturbava o ar. Junto ao muro da casa uma aragem ondeante e fria e a cadela irrequieta, pêlo eriçado, correndo de cá para lá farejando as ervas rentes à porta.

A aldeia adormecia e no céu uma lua cheia pintando a escuridão dos telhados, num quadro manchado aqui e ali por grandes sombras, um pouco assustadoras.

Helena verificou a fechadura do portão, passou a mão na cadela e dirigiu-se ao quarto.

Nunca contara carneiros para adormecer. Pensava antes num prado enorme, de fresca erva, junto de um rio e aí travava a avalanche de pensamentos que lhe assolavam a mente. Aquela lonjura, o verde intenso, o tilintar da água nos seixos, numa mistura balsâmica quase hipnótica, que rapidamente lhe traziam o sono.

Mas aqueles latidos lá foram e o campo verde encheu-se de papoilas, pétalas esvoaçantes de um vermelho escarlate e a cor subiu pelo corpo, aquecendo a pele, uns rubores cíclicos tomaram conta do rosto, da boca, das entranhas… Coisas de mulher madura, que chegariam a qualquer momento. Mas, seria assim, de madrugada, uma lua imensa no céu, a cadela irrequieta no pátio?

Pareceu-lhe ouvir passos na calçada, trotes de cavalo, sei lá…

Pensou em Páris, naquela enorme atracção que dissera sentir por ela, em todas as loucuras que poderia fazer.

Saiu da cama bem cedo. Em volta tudo sereno, como se a manhã restituísse ao mundo o equilíbrio perdido. Afinal tudo não passara de mais uma daquelas crises próprias das mulheres que já viveram quase meio século.

Mas ao ligar o computador, gritos de sirene ecoaram pela sala e logo enchendo o ecrã, uma mensagem em letras gordas e cintilantes anunciava:

ALERTA! FOI ENCONTRADO UM CAVALO DE TRÓIA!

Helena Figueiredo nasceu em 9 de Março de 1959, numa pequena aldeia do concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu. É licenciada em Educação de Infância, e desde os 21 anos que trabalha com crianças entre os 3 e os 6 anos. Entre 2003 e 2006 prestou assessoria ao Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal.

helena_lopes_m@hotmail.com

Entrada no TriploV: Abril de 2008