ANTÓNIO CABRITA
O TIRÉSIAS DE MAPUTO

Espantoso como lhe ri o olho

vazado, o olho-cambado, capaz

de dissimular um escafandro.

O coalho de vidro nem o desfeia,

ao cabo de meia-hora a implorar,

 

ou menos. Dá-lhe um ar de pretor

vingativo, de comedor de bacalhau

em desvelada insónia.

Um enxerto de mocho albino.

Mas é amigo do seu amigo –

 

diz-se. De facto, com um ar

bonacheirão, repete amiúde

“eu não me vou prescrever

receita”, é a dica da sua vida,

como se, Tirésias encartado, des-

 

mamasse o futuro das tretas

do presente. Casou, apesar do olho-

abafador? Hum, pelo tempo

que passa no bar... Mas, s’o adivinho

grego até foi mulher - quem sabe.

de “Piripiri Suite”
António Cabrita nasceu no Pragal a 16 de Janeiro de 1959. Em 1979 publicou Oblíqua Visão de um Cristal num Gomo de Laranja ou Perene o Sangue que Arrebata os Anjos Vingadores. Parte considerável da sua obra poética está reunida em Arte Negra, livro de 2000 publicado pela Editora Fenda. Crítico de cinema e crítico literário no Expresso, António Cabrita é também editor das edições Íman, director da revista Construções Portuárias, autor de contos e argumentos para cinema.