CUNHA DE LEIRADELLA

A SOLIDÃO DA VERDADE

ROMANCE

II PARTE - A SOLIDÃO

Nove

Estou na Casa dos Contos. Já passa da meia noite e há muito deixei Andréa em casa. A maior parte das mesas está vaga, mas nem sinto o vazio à minha volta. Antes pelo contrário, o vazio faz-me bem. Hoje faz-me bem. Estou feliz. Já tomei quatro conhaques e a cabeça não dói, nem tenho medo. Estou tão bem e tão calmo que não estou nem preocupado. Quero é pensar naquele beijo. As rosas estão em cima da mesa e sei que todos olham para elas. Não preciso nem abrir os olhos para ver que todos olham para elas. Nunca ninguém viu presentes na minha mesa. E, muito menos, duas rosas. Já faz tempo que fechei os olhos e, agora, tenho vontade de fumar. Mas não vou fumar. Não posso mexer-me. E, muito menos, abrir os olhos. Andréa está comigo.

- E então? Como foi a sua aula?

A voz do homem perturba-me, mas não posso abrir os olhos. Se Andréa escutar vai embora, e procuro não escutar, e uma voz de mulher diz, a mesma merda, ainda tamos naquela porra da transferência, e o homem ri e diz, então, transfere logo, e a mulher ri também e diz, se eu pudesse até que transferia, mas o paciente sempre pensa que ama ou ou odeia o analista e, aí, já viu, e o homem ri e diz, isso é porra-louquice, e a mulher diz, mas quê que eu posso fazer, não fui eu que inventei que a porra deve ir ao encontro do verdadeiro pelo caminho do errado, e o homem ri e diz, troço doido, parece até jogo de pinel, e a mulher diz, quê que você quer que eu faça, faculdade é assim mesmo, mas tem um consolo nessas aulas, o professor fuma cachimbo e é um pão e todas as meninas dão em cima, e o homem diz, e você não, e a mulher diz, eu não, e o homem diz, a melhor coisa que tem é a gente tar apaixonado, e a mulher diz, eu sei, e o homem ri e diz, você é demais, e a mulher diz, você também, te gosto paca, e o homem grita, Zé, traz um Long John e um Campari, e Andréa não escuta e continua comigo, e eu estou bem e estou calmo, e sou o homem que quero ser.

Não era minha aluna, mas gostei que assistisse ä minha aula. Sentou na última fila, junto da janela, e, depois de todos saírem, disse quem era.

- Sou Ana Carolina.

Recosta-se na cadeira e os seios estofam o tecido da blusa, por baixo da jaqueta, e o meu coração parece que bate em falso e a minha boca fica seca. Em vinte anos de faculdade nunca tinha visto uma mulher como aquela. Tão bonita e tão exuberante. Não usa batom ou qualquer outra maquiagem e não parece ter mais de vinte anos, e o cabelo é liso, muito comprido e cor de cobre, e cai-lhe sobre os ombros como um véu. Aperta os braços contra o corpo e os seios unem-se e parecem saltar na minha frente. Um calor repentino sobe pelas virilhas e as minhas mãos ficam indóceis. Ela ri.

- Quê que há, professor? Passando mal?

Levanta-se e tira um maço de Marlboro do bolso da jaqueta, e acende um cigarro.

- Me diga uma coisa, professor. É verdade mesmo que o cachimbo do professor Eduardo da Cunha Júnior é o sonho sublimado dessa meninada mal-amada? Pelo que me consta, tem sido causa de transferências inomináveis, não tem, não?

Roda a cabeça e o cabelo esvoaça e espalha-se pelas costas e pelos ombros e eu sinto um desejo irrefreável de afagá-lo. Num gesto maquinal estendo as mãos e ela ri.

- Professor, professor...

Roda o corpo e o cabelo esvoaça outra vez, e os seios balançam, acompanhando o movimento.

- Obra e graça do Majirel. Majirel 7.46. Tinta especial para vampes.

- Você estuda o quê?

- Sociologia. Não sou muito chegada a desvios, não, sabe? Esse negócio do devia ser mas talvez não seja, muito embora possa ser dependendo do processo, não é comigo, não. Sou mais chegada a um bom papo, um bom vinho, um bom cigarro e um bom depois. Adoro vinho, professor. Adoro mesmo.

Ri e os seios balançam, e o meu olhar está pregado neles. Fecho os olhos e os seios continuam balançando, e não há como fazê-los parar de balançar.

- Professor, professor..

A voz entra nos meus ouvidos, vinda de muito longe, e os seios continuam balançando.

- Não gosto do seu nome.

- Ana Carolina? Pra falar a verdade, eu também não gosto, não. Ana Carolina me lembra gente muito matrona, pesadona...

- Walkiria.

- Walkiria?

- Com W e com K.

Os seios balançam mais e os cabelos encobrem os meus olhos.

- Me lembra Wagner.

Ela ri.

- A mim me lembra outra coisa. Mas esta noite vamos fazer coisas diferentes. Eu serei Walkiria, a guerreira do Walhalá e o senhor entrará no paraíso dos heróis.

Pega os livros e dirige-se para a porta.

- Vamos?

Comprimidos pelos braços e pelos livros, os seios saltam do decote. Não consigo deixar de olhá-los e ela nota o meu olhar.

- E então, professor? Passei no exame?

- Você não é minha aluna.

Walkiria aponta a abertura do decote e ri.

- Eu não sou. Mas eles, e o senhor, bem que gostariam que eu fosse.

Inclina a cabeça sobre o ombro e olha-me, e sorri.

- Ou não?

Saímos.

- Tá de carro?

Walkiria ri e mete o braço no meu.

- Professor, o senhor acha que eu vinha convidá-lo para um bom vinho e um bom depois, e vinha de carro? Nem morta.

Fomos para a Praça do Papa. Gosto da Praça do Papa. Sempre me dá paz. Subi devagar e parei o carro na parte alta. Walkiria recostou-se no assento e olhou a cidade, espraiada lá em baixo.

- Por quê que a gente é assim, hem?

- Assim, como?

- Não sei. Assim besta.

Acende um cigarro e puxa uma tragada profunda, e deixa o fumo sair, devagar, pelo nariz e pela boca.

- A vida da gente é muito estranha. Ou a gente faz e se arrepende, ou a gente não faz e se arrepende do mesmo jeito.

Não respondo, não sei o que responder, como também não soube responder quando Andréa saiu da minha sala, e Walkiria tira a jaqueta e deixa-a cair no chão do carro. Fica imóvel algum tempo e, de repente, começa a coçar o peito, por baixo do seio direito. Coça com tanta força que as unhas arrepelam o tecido da blusa e parecem rasgar a pele. Não entendo por que faz isto e quero segurar a mão, e Walkiria pára de coçar e olha-me, como se nada tivesse acontecido. Depois, devagar, aproxima o rosto do meu e abraça-me.

- Eu adoro vinho, professor. Adoro mesmo.

Os seios estão comprimidos no meu peito e o meu sexo começa a latejar. Encosto Walkiria no assento e beijo-a e puxo a blusa, e os seios aparecem. Grandes, cheios, muito brancos e redondos. Como eu queria que eles fossem. Walkiria levanta-os com as mãos em concha e oferece-os. Passo a língua na pele suada e Walkiria empurra-os contra a minha cara. Estão mornos e úmidos, e a minha cara afunda na carne mole. Walkiria geme e mete as mãos nas minhas coxas e abre o zíper e tira o sexo, e um cheiro acre espalha-se pelo carro. Recosto-me no assento e ela inicia os movimentos. Pego os seios e abano-os, e eles parecem gelatina. E quanto mais abanam, mais o meu sexo endurece, e quanto mais o meu sexo endurece, mais Walkiria acelera os movimentos. Sinto o orgasmo aproximar-se e o corpo fica duro, e um grito sobe na garganta. Walkiria aperta o meu sexo com as duas mãos e grita, goza, goza, eu quero ver, e eu fixo os olhos nos seios abanando e deixo o orgasmo explodir. Mas ele não explode. Quando sinto a primeira convulsão os seios se cobrem de espuma e ela não tem mais rosto, nem cabelo. Está morta.

 
 
 

Cunha de Leiradella
Casa das Leiras
São Paio de Brunhais
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