CUNHA DE LEIRADELLA:
Brazilian way of life (comédia)

INDEX

Ficha técnica
Personagens
Cenário único

AÇÃO

Haroldo, por meio de gestos mudos...

Haroldo, por meio de gestos mudos, diz a Firula que Olga não escuta bem

Firula (A Haroldo, acenando com a cabeça) - Xacomigo! (Grita no ouvido de Olga.) Boa noite, dona!

Olga - Sai, porco-sujo!

Firula - Xinga, não! Xinga, não, (Aponta Haroldo.) que foi o home ali que falou.

Olga (A Haroldo, tentando levantar-se) - Eu não permito...

Picuinha (Obrigando Olga a sentar-se) - Ô, dona! Ô, dona, pô!

Olga (Continuando) - ... que o senhor diga que sou surda, viu? (A Picuinha.) Eu não sou surda, não!

Elza - Mamãe!

Haroldo - A senhora e os seus telegramas da tia Zezé.

Picuinha - Ô, doutor...

Olga (A Haroldo) - O senhor não presta mesmo, hem? Tudo lhe serve pra me achincalhar!

Firula (A Picuinha) - Achin o quê, hem?

Picuinha - Nessa eu dancei. (A Olga.) Pra quê, mesmo, hem, dona?

Olga - Achincalhar. Ou o senhor não sabe nem português, hem?

Picuinha - Quê que é isso, dona? Meu avô era portuga, lá de Portugal mesmo, viu?

Olga- E daí? E o meu era de Lisboa.

Picuinha (Continuando) - E eu sei português e muito, viu?

Firula (A Olga) - Óqui, ó...

Haroldo (A Picuinha) - Achincalhar, quer dizer, ridicularizar, aviltar, chacotear, rebai...

Firula (A Haroldo) - Cala essa boca aí, ô! Ou pensa que a gente veio aqui pra escutar xingação, hem?

Haroldo - Mas eu só queria...

Elza - Haroldo!

Haroldo - Mas eu só queria ajudar, Elza!

Firula - Ajuda assim, não! Ajuda assim, não, que tava era avacalhando.

Picuinha (A Haroldo) - Doutor, o senhor é home de bem, a gente também é home de bem, avacalhação, não, tá?

Haroldo - Mas eu só tava...

Olga (A Haroldo) - Bem feito!

Elza - Mamãe!

Olga (A Elza) - Bem feito, sim! Toda vida cagando regra, Deus que me perdoe... Bem feito! Pena que eu não posso falar agora.

Elza - Mamãe, por favor!

Picuinha (A Elza) - Pô, dona, quê que há? (A Olga.) Se é só falar, fala, dona. Fala, mas fala rapidinho. Fala rapidinho, que a gente ainda tem muito que trabalhar, entendeu?

Olga - Ah, pode falar?

Firula - Dona, a gente é home de educação, quê que há?

Olga - Ah, é? Então, deixa comigo!

Elza - Mamãe!

Picuinha (A Elza) - Ô, dona!

Vaneide (A Haroldo) - Pô, papai... (A Elza.) Mamãe, olha só como papai tá ficando roxo, roxo!

Elza - Haroldo!

Haroldo - É a burrice da sua mãe que me enlouquece.

Olga (A Elza) - Ah, é assim, é? (A Haroldo.) Pois então, agora é que eu vou falar mesmo, viu?

Firula - Fala logo, dona! Fala logo, que a gente ainda tem muito que trabalhar.

Picuinha - Vai, dona, vai! Mas vai rapidinho, viu?

Haroldo (A Picuinha) - Ela não tem nada pra falar.

Olga (A Haroldo) - Ah, não tenho, não? Não tenho, não?

Vaneide - Pô, vó, deixa de frescura!

Haroldo (A Picuinha) - Eu não falei? (A Elza.) O que ela precisava eu sei. (A Olga.) Agora, quem vai falar sou eu. Ou a senhora pensa que eu não sei dos seus podres? Hem?

Elza - Haroldo!

Picuinha (A Elza) - Pô, dona, qual é?

Haroldo (A Picuinha) - Eu sei, e sei muito bem! (A Elza.) Enquanto você fica aí dando uma de boa filha, ah, coitada da mamãe, tão sozinha, tão calada... (A Picuinha) O faxineiro, o Severino, ó...

Olga - O senhor não pode...

Haroldo - Ah, não posso, não? (A Elza.) Viu? Quem é que tem podres aqui dentro, hem?

Olga - Mas, graças a Deus, eu não falo pelas costas, não!

Haroldo - Ah, não fala, não? Elza, diz pra ela, diz!

Elza - Mamãe! Haroldo! Por favor!

Haroldo - Diz aí, Elza, diz aí!

Elza - Haroldo, pelo amor de Deus!

Haroldo (A Olga) - Viu? Falou ou não falou? Hem?

Vaneide - Taí, vó, agora, eu quero ver!

Olga - Falei mesmo! Falei mesmo e repito! O senhor não presta! Não presta, nunca prestou e nunca vai prestar, tá bom?

Firula - Aí, dona!

Haroldo - Não presta, não! Eu presto e muito! A senhora tá na minha casa porque eu deixo, viu?

Olga - Ah, tou, é?

Firula - Vai, dona, vai! Chega junto!

Olga - E o que eu pago aqui dentro? Não vale nada, não?

Haroldo - E a senhora paga o quê? A senhora paga é nada! A senhora não paga nada, nem nunca pagou!

Olga - Ah, não pago, não? Cretino!

Haroldo - Cretino, não! Cretino, não, viu?

Elza - Mamãe! Haroldo!

Olga - Cretino, sim, e muito do cretino, viu? Quem é que paga a luz, paga o telefone, paga a...

Haroldo - Cretino, não! E, além do mais, isso foi um trato que a gente fez.

Elza - Haroldo, pelo amor de Deus!

Picuinha (A Elza) - Qual que é, dona? Deixa ele. (A Haroldo.) Vai, doutor.

Vaneide (A Picuinha) - Taí, gostei. (A Haroldo.) Dá-lhe, velho! (A Olga.) Taí, vó, agora, eu quero ver!

Haroldo (A Picuinha) - E trato é trato, não é, não? (A Olga.) Trato é trato, viu, sua... Ou só porque, agora, que tem gente de fora, tá querendo dar uma de gostosa, hem?

Picuinha - Peraí, doutor! Peraí, que a gente não tem nada com isso, não.

Haroldo - Tá certo, o negócio é particular e os senhores não têm nada a ver. (A Olga.) Se eu fosse a senhora, sabe o que eu fazia?

Olga - E fazia o quê?

 
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