CUNHA DE LEIRADELLA

AI PODES, PODES!

Especial para o Jornal Terras de Lanhoso 10.12.2009

Estamos no Natal. Oficialmente uma quadra de alegria. De festas, de lembranças, de cumprimentos. Mas o que é, de facto, o Natal? Quantos de nós vão à Missa do Galo, se vestem de Pai Natal, enfeitam uma Árvore de Natal,  mandam Cartões de Natal, armam um Presépio, compram Presentes e sabem por que o fazem? Quando tudo isto começou? Pegando o começo, em que data terá, realmente, nascido Jesus Cristo, que tudo isto começou?

O monge citio Dionísio, o Exíguo (470 - 544), astrónomo e matemático, celebrizou-se não só pela criação de tabelas com que tentou calcular a data da Páscoa e o nascimento de Jesus Cristo, mas também por ter introduzido o conceito de anno Domini, o ano do Senhor e uma nova cronologia de datação: a.C. e d.C. Antes e depois de Cristo. Só que errou ao datar o nascimento de Jesus Cristo no ano 753 da fundação de Roma. As pesquisas não lhe permitiram calcular a data certa, pois provou-se posteriormente que, de acordo com a sua datação, Herodes teria morrido no ano 4 a.C. O que levou os estudiosos das narrativas bíblicas a aceitar que Jesus Cristo tenha nascido no ano 6 ou 7 antes do ano 1 proposto por ele. Tudo continua, portanto, em aberto.

E o Natal? De onde provém o Natal? Sabe-se que a noção de festejar o aniversário era coisa que os cristãos primitivos desconheciam.  Na Bíblia (Antigo e Novo Testamento) apenas se fazem duas referências à comemoração de dois aniversários. O do Faraó (Gênesis 40:20) e o de Herodes (Marcos 6:21). Onde e como nasceu, então, a comemoração do nascimento de Jesus Cristo no dia 25 de Dezembro?

Atribui-se ao papa Silvestre I (314-335) o estímulo à comemoração do Natal. De facto, os primeiros registos vêm de Roma, datados do ano 336. E com dois factores determinantes. Primeiro, na Roma Imperial, a Saturnália, festa em honra do deus Saturno, com danças e troca de presentes, comemorava-se entre 17 e 22 de Dezembro, e no dia 25 comemorava-se o nascimento do deus Mitra, vindo da Pérsia, chamado Sol da Virtude ou Sol Invencível. Dadas as alusões  simbólicas de Jesus Cristo como Sol da Justiça (Malaquias 4:2) e Luz do Mundo (João 8:12), os líderes religiosos primitivos, em vez de proibir essas festividades e com a intenção de converter o maior número possível de pagãos, deram-lhes um novo significado e uma nova linguagem. Segundo, a promulgação, em março de 313, do Édito de Milão ou Édito da Tolerância, por Constantino, tetrarca ocidental, e Licinio, tetrarca oriental, que deu liberdade de culto aos cristãos e a todas as outras religiões do Império Romano.

Como festa oficial cristã, o Natal foi instituído pelo papa Libério (352 - 366) em 354. Deve-se ao papa Sisto III (432-440) a introdução da Missa do Galo. A título de curiosidade, os livros hagiográficos e litúrgicos da Igreja de Roma consideram como mártires todos os papas anteriores a Silvestre I e como santos todos os que figuram entre Silvestre I e Félix IV (526-530), excepto Libério e Anastácio II (496-498).

Mas o Natal instituído pelo papa Libério em nada se parecia com a festa que hoje se nos apresenta. Na verdade, o nosso Natal é um somatório de arranjos, encorpado através dos séculos com hábitos e costumes de vários povos e culturas. A Árvore de Natal veio da Alemanha, criada por Martinho Lutero. O Presépio com figuras de barro veio da Itália, criado por São Francisco de Assis. O Pai Natal veio da Turquia, inspirado em São Nicolau de Mira. Amigo dos pobres, São Nicolau sempre deixava nas chaminés dos mais necessitados um saco de moedas. Daí, o actual saco dos presentes. Mas a roupa vermelha só lhe foi vestida em 1886 pelo cartunista americano Thomas Nast. Antes, diz-se, a roupa era verde. O primeiro Cartão de Natal veio da Inglaterra, criado pelo pintor John Callcott Horsley em 1843. O Bolo-Rei apareceu em Portugal em 1869, pelas mãos do pasteleiro lisboeta Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior, que trouxe a receita de Paris. Durante o Estado Novo, a Árvore de Natal desapareceu e entrou o Presépio. E era proibido falar em prendas. Falava-se no Menino Jesus, na bondade, no perdão, e dizia-se que ser humilde é a maior das virtudes. Isto enquanto nos porões de Peniche, de Caxias e do Tarrafal, milhares de portugueses morriam presos e torturados. Tudo a bem da Nação.

Mas, e hoje? O que significa hoje para nós, em sã consciência, a festa religiosa do Natal? A resposta, na sua essência, talvez possa ser dada por aquele miúdo que pediu à mãe um iPod topo de gama e, ao ouvi-la dizer que não o podia comprar, pois não tinha 350 euros (70 contos na moeda antiga) para gastar, respondeu-lhe, batendo o pé: ai podes, podes!