As máquinas de uniformizar:
o prestígio da doxa (5)
José Augusto Mourão

(UNL-DCC)

 

Teses
Doxa
Conceitos, preconceitos
O sentido comum
Tradicionalidade
O torpor dogmático
Amarras
Entropia

Coda - Notas

CICLO "A VERDADE EM PROCESSO" - 2004

Tradicionalidade

.

Memória, atenção e expectativa, são três modos segundo os quais um objecto se apresenta à consciência. "O tempo mede-se pela afecção, pelo modo singular como a coisa nos toca no seu eclipse". O Presente vivo é um Presente sentido na carne. Passado, presente e futuro são os modos de presença em que se projecta a falta de presença. Na evanescência do tempo que mergulha o sujeito na angústia há algo que se mantém, imutável: o desejo, insubmisso ao tempo, a vida que resiste ao sopro da morte. A presença é sempre alimentada pela ausência. A tradicionalidade designa o pólo da continuidade histórica, sendo por isso uma categoria meta-histórica, como a do espaço de experiência e a de horizonte de expectativa. Remete para a dialéctica interna ao espaço de experiência através da qual somos afectados pelo passado. Esta categoria permite recusar tanto a ideia de um passado ultrapassado e inacessível como a possibilidade ilusória duma contemporaneidade integral (historicismo).

A tradição é uma das palavras-conceito que, como “texto” ou “cultura”, é tanto utilizada no discurso comum como no comentário crítico. Em The Invention of Tradition (27) diz-se que as tradições são conservadoras por natureza e não têm base na realidade cultural. São mantidas artificialmente, servem propósitos políticos duvidosos e suprimem tradições alternativas. As tradições são invenções, ficções da continuidade, necessárias para uma concepção da história como desenvolvimento. Bem sabemos que não há passagem entre a memória e o presente. Entre a memória e o vivo não há pé. Só o testemunho liga a memória e o presente. As tradições designam o facto de que não estamos nunca em posição absoluta de inovadores. A estrutura da linguagem e da comunicação situa-nos sempre relativamente em posição de herdeiros em relação àquilo que foi já dito. Passar das tradições à tradição introduz uma noção de legitimidade, de autoridade. A tradição é essa "recepção confiante através da qual respondemos, num primeiro movimento que precede qualquer crítica, a toda a proposição de sentido, a toda a pretensão de verdade, pela razão que nós não estamos nunca no começo do processo de verdade e que pertencemos, antes de qualquer gesto crítico, a um reino da verdade presumida" (28).

As novas formas constituem-se relativamente ao horizonte de expectativa. Ora, a passagem das formas antigas às novas formas faz-se por intermédio da recepção. Como avaliar então o novo? Na teoria da recepção de Jauss o novo vem associado à distância estética. O novo é o carácter do que provoca distância estética e porque esta se constitui relativamente ao horizonte de expectativa, o novo além de uma categoria estética, é uma categoria histórica. O conceito de distância deriva do de horizonte de expectativa: "distância entre o horizonte de expectativa preexistente e o aparecimento de uma nova obra (Jauss, 1993: p. 71) (29). A distância estética permite situar o valor estético da obra, medindo a sua adequação ao horizonte de expectativa - quanto maior for a distância, mais provável é que venha a provocar uma mudança de horizonte, refigurando-o, integrando-o como obra clássica. O exercício da memória-lembrança ajuda, de algum modo, ao distanciamento? Jauss define a noção de clássico pela mudança de horizonte promovida por uma determinada obra que ganha assim uma "significação eterna", em oposição à noção de arte "culinária" ou kitsh. Aplica-se este termo a obras que, por coincidirem quase com o horizonte de expectativa, vivem de uma distância curta: "quando a distância se encurta e a consciência reflectora já não é forçada a reorientar-se em direcção ao horizonte de uma experiência ainda desconhecida, a obra aproxima-se do domínio da arte culinária ou de uma simples diversão" ( op. cit . p. 72).

 

INFORMAÇÕES
Local:
Convento de S. Domingos
Rua João de Freitas branco n.º 12
(antiga Rua dos Soeiros)
1500-359 Lisboa

Horário das Conferências:
(CCD - Conv. de S. Domingos)
5ª feira – 18:30h – 20:00h
(Entrada livre)