Cadernos do ISTA . número 17
A verdade em processo

Do ser ao dever ser
Teresa Martinho Toldy

 

Do ser ao dever ser

1. Acerca de relações de dominação, preconceitos, estereótipos e representações sociais

2. Acerca de formas “delicadas” de exprimir preconceitos

3. As estratégias de van Dijk e a Carta Apostólica Mulieris dignitatem

4. “Que grupo na sociedade irá beneficiar das opiniões que o texto da Mulieris dignitatem exprime?”

Indicações bibliográficas

2. Acerca de formas “delicadas” de exprimir preconceitos

Não terá passado despercebido o facto de algumas das formas de exprimir os preconceitos (nomeadamente, a hostilidade) serem, hoje, consideradas “politicamente incorrectas”, visto que, no Ocidente, vivemos em sociedades de uma “tolerância oficial”, para utilizar a expressão de Riggins (p. 7). Sendo assim, o discurso mitigou-se e disfarçou-se, podendo, até, suportar uma referência à tolerância e à igualdade acompanhada de formas mais subtis de expressão da discriminação. É este tipo de discurso de um “racismo delicado” que Teun A. van Dijk (1997) analisa tomando como exemplo os debates parlamentares em alguns países europeus, bem como na Câmara dos Representantes, nos EUA. Interessam-nos aqui as estratégias comuns observadas por van Dijk nos debates que analisou (p. 36-37):

1. Apresentação positiva dos próprios: os parlamentares tendem a um discurso de auto-glorificação, em comparação com outras nações, referindo, concretamente, tradições próprias de tolerância, igualdade e democracia no que diz respeito à relação com minorias étnicas. Van Dijk considera que se pode estabelecer um paralelo entre esta estratégia e a de “não perder a face”, tão conhecida nas áreas da gestão, bem como das relações interpessoais.

2. Apresentação negativa do Outro: esta estratégia é utilizada sobretudo pelos partidos conservadores quando se trata de discutir questões relacionadas com a imigração, apelando-se à “lógica dos números”, isto é, a estatísticas, e recorrendo a uma estratégia de apresentação dos outros (outsiders) como uma ameaça, como alguém que vem tirar empregos ou contribuir para a insegurança, etc.

3. Negação do racismo: é, contudo, necessário que este discurso seja acompanhado da estratégia já mencionada de mitigação e disfarce de afirmações de racismo e discriminação intoleráveis em sociedades democráticas. Van Dijk refere-se, inclusivamente, a um exemplo deste tipo de discurso que é bastante comum mesmo na linguagem corrente: “eu não sou racista, mas…”. (A este exemplo poderíamos acrescentar outros relacionados com as mulheres ou, mais concretamente, com as mulheres feministas: “eu não tenho nada contra elas… mas…”.)

4. Simpatia ou solidariedade aparente: decisões negativas para os outros podem ser apresentadas como medidas de aparente protecção dos mesmos: por exemplo, uma política de imigração restritiva pode ser apresentada como uma forma de protecção dos próprios imigrantes.

5. Lógica do “firm but fair” (firmeza justa ou adequada): apesar de se procurar fundamentar as medidas a tomar nos princípios da tolerância, do humanismo e da igualdade, invoca-se a “realidade” social, por exemplo, como algo que “força” os políticos a tomarem medidas impopulares. Nesse caso, afirma-se que o pragmatismo das tomadas de decisão exige firmeza, ainda que se procure manter a justiça.

6. Transferência do topo para a base: a negação do racismo do discurso próprio é acompanhada de uma forma de transferência do mesmo que consiste em culpar os grupos parlamentares rivais ou a opinião pública, em geral, de possuir perspectivas racistas. Este mecanismo de transferência pode, até, passar pela culpabilização das próprias minorias, acerca das quais se pode chegar a afirmar que “geram” sentimentos e comportamentos de discriminação em virtude do seu próprio comportamento.

7. Justificação – a força dos factos: as decisões negativas são atribuídas à conjuntura, à situação internacional, a acordos internacionais, a dificuldades financeiras, ao número de imigrantes, isto é, a “boas razões” que as justificam.

 

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