O.CADERNOS DO ISTA, 5

O Elogio das Virtudes (fim)
Isabel Renaud


4. Ética e liberdade

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A relação da ética com a liberdade é o lugar no meio do qual se desenvolvem as virtudes. Esta relação foi analisada por assim dizer verticalmente, como se na sua espessura implicasse uma relação directa com os fundamentos biológicos. Verificou-se a inviabilidade da tese que queria encontrar nesta espessura o fundamento conjuntamente da bioética e da ética.

Qual é a dimensão que temos de integrar para explicitar este fundamento ? A resposta é-nos sugerida pela estrutura temporal da liberdade. O ser humano, enquanto corpo, está em permanente modificação. Entre o rosto infantil, o rosto jovem, o rosto adulto e o rosto velho, uma identidade pessoal atravessa o tempo, mas, em sentido contrário, o tempo torna difícil o reconhecimento desta identidade. Esta constatação evidente faz-nos pensar que não é somente o rosto que é afectado pelo tempo; o benefício da análise anterior consistiu em sublinhar que o corpo entendido como substrato é condição de possibilidade da identidade pessoal, mas não como fundamento dela. Quanto à liberdade, diremos que o tempo ou a vivência temporal é a sua condição de possibilidade.

Se a virtude é uma disposição estável, isso significa que ela atravessa o tempo, permanecendo à maneira de uma identidade pessoal. Mas se a virtude opera tal como uma segunda natureza, descobrimos a armadilha que se esconde por detrás desta expressão. Esta segunda natureza é, com efeito, em sentido contrário à natureza primeira, o substrato da nossa verdadeira identidade ética. Substrato ou expressão ? O substrato é uma condição de possibilidade, ao passo que a expressão emana do acto pessoal, isto é, da vivência efectiva da nossa liberdade.

Queríamos propor uma tese conclusiva : as virtudes são as expressões da nossa identidade ética. Se são disposições, substratos, é somente na medida em que se referem a actos concretos. Mas estes actos brotam da nossa interioridade ética mais profunda. Somos reenviados para o ethos grego na sua significação originária. A aretê, definição da virtude, pode ser caracterizada em termos contemporâneos como a «identidade ética» através do tempo. É uma excelência, segundo os Gregos; é uma mediatez, um intermediário entre extremos. Mas do ponto de vista da temporalidade que nos afecta intimamente ela é o centro permanente e activo da «visée ética» na qual, ultimamente, Jean Ladrière distinguia o ponto inicial e terminal da étia .

Será então que temos de fazer o elogio da virtude ? Mas concluiremos, é a virtude que faz o nosso elogio, porque é ela que dá vida à liberdade, se esta não se limita a ser compreendida como pura capacidade de acção, mas como exercício do nosso próprio poder criador. O elogio da virtude transforma-se deste modo no elogio que a virtude nos rende quando damos vida ética à nossa liberdade.

Isabel Renaud

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