O.CADERNOS DO ISTA, 5

O Elogio das Virtudes (2)
Isabel Renaud


1. Os pressupostos naturalistas da bioética

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Todas as ciências encontram a questão da natureza, como se ela fosse o ponto de partida incontornável, assim como o ponto de chegada de toda a actividade pensante. A filosofia não falta ao encontro, nem sequer a matemática, a qual não pode escapar à questão da sua relação com a própria natureza. Mas é preciso acrescentar que cada ciência compreende a natureza à sua maneira, quer pelo corte que opera no campo dos objectos da natureza submetidos à sua análise, quer pela diversificação dos objectos naturais, por exemplo a matéria inanimada ou a vida. Se a vida faz parte da natureza, não é no mesmo sentido que os elementos do cosmos natural.

Por sua vez, a filosofia procura compreender ela também os fenómenos naturais, assim como a essência da natureza; mas sabemos que o conceito de natureza apresenta uma multiplicidade de sentidos diferentes, que se costumam lembrar no princípio de toda a investigação filosófica sobre a natureza; a natureza é cosmos, cosmos como universo natural intersideral; a natureza é «geos», é o conjunto dos seres terrestres que compõem o nosso ambiente próximo e longínquo; a natureza é «sôma», corpo biológico do ser humano; enfim a natureza é «eidos», como mostrou a filosofia grega; isso quer dizer que a natureza visível das coisas, dos seres vivos e de todas as realidades de que podemos ter conhecimento não se esgota na sua aparência externa, mas somente é o que ela é visivelmente graças a uma natureza profunda, que se caracteriza como a sua essência. A natureza essencial das coisas é assim a essência da sua natureza aparente . Neste enunciado apresentado como quiasma, verifica-se o deslize fundamental para a filosofia : da natureza real, objectiva de tudo o que existe, passa-se para a essência desta natureza, como se o próprio conceito de natureza se reduplicasse na pergunta : «qual é a natureza da natureza ?».

Interrogar os pressupostos naturais da ética obriga-nos a analisar a natureza como bios humano à qual a ética se deve submeter, mas também a discernir o momento que a mesma vida, por sua vez, se deve submeter à intenção ética. A nossa tarefa consiste em perseguir esta circularidade nos meandros da sua complexidade. Noutros termos, trata-se de clarificar a difícil e clássica questão das relações entre ética e natureza : será a natureza fundamento da ética, será a razão ética plenamente livre relativamente à natureza biológica do ser humano ? Subjacente a esta problemática encontra-se a forma de respeito que cada um respectivamente deve manifestar para com o outro, isto é, o bios humano face ao ethos, e o ethos relativamente ao bios; se a bioética está no cruzamento da vida e da ética, ainda é necessário articular filosoficamente tais relações.

Procederemos em três fases; consciência e natureza, natureza e ética, ética e liberdade.

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