DAS VANTAGENS DE NÃO SER PRECIOSO:
ASPECTOS DA EXPLORAÇÃO E USO DO COBRE EM PORTUGAL (1789-1889)


«Se fossem acreditáveis as contas dos mineiros do norte da Europa do século XV, que o interior da Terra continha espíritos malignos, que guardavam os metais contra o roubo dos homens, então decerto as minas em Portugal estão dominadas por tais espíritos malignos, com a diferença que eles aqui não só se limitam, como nos países do norte, a assustar o pobre mineiro, aparecendo-lhe nas solitárias galerias subterrâneas em figura de anão horrendo, que lhe apaga a luz, o cega, e o faz cair finalmente num abismo, etc., etc.: aqui têm sido ainda mais poderosos, e a sua influência não se limitou aos subterrâneos; ela chegou até à superfície da Terra, e entrou até aos gabinetes dos Ministros, não deixando progredir as luzes, e espalhando confusão por toda a parte, nutrindo intrigas, fazendo e desfazendo, e finalmente cegando aqueles, que deviam ter os olhos abertos, de sorte que todas as diligências que se tem feito para fazer florescer as minas, eles as souberam malograr »

Guilherme, Barão de Eschwege

Memória sobre a história moderna da Administração das Minas em Portugal
1838 

Cobre na mineração em Portugal
O tempo das pirites
 

Com a extinção, a 13 de Agosto de 1836, da Intendência Geral de Minas e Metais do Reino, terminava o período iniciado em 1801 de exploração mineira por conta do Estado, onde tinham pontificado não só as personalidades de José Bonifácio de Andrade e Silva e do Barão de Eschwege, como também as de Alexandre António Vandelli, Fragoso de  Sequeira e Vicente Pinto de Miranda (Mendes, 1978, pp.11 -12).

Entregue à sua sorte, a mineração em Portugal arrasta-se durante a década seguinte, e no início dos anos cinquenta o panorama era desolador : em 1853 somente se exploravam duas minas em todo o país, a de antracite de S. Pedro da Cova (Porto) e a  de chumbo do Braçal (Aveiro). A partir desta altura, contudo,  procurou-se reactivar a exploração das minas, e a legislação elaborada, decalcada da lei francesa de 1810, conferiu à actividade mineira uma maior liberdade, ao mesmo tempo que diligenciava no sentido do seu controle e fiscalização (Catalogue..., 1867, p.84).

 Afirma Paulo Guimarães que «O Alentejo participou activamente no processo de desenvolvimento mineiro desencadeado durante a Regeneração». Uma «autêntica febre mineira no sul» durante as décadas de 60 e 70 suscitada pela chegada do caminho de ferro, e um enorme interesse pela actividade no período que decorre entre 1866 e 1875, são ainda expressões do mesmo autor [1] (Guimarães, 1996, pp.115-116).

De entre as explorações desenvolvidas nessa altura, muitas recaíram sobre minas localizadas na grande formação pirítica que a geologia caracterizou como Faixa Piritosa Ibérica, [2] e que com origem no país vizinho, se estende pelo sul português. Em relação às pirites ibéricas, afirma J. M. Leal da Silva que «contendo essencialmente enxofre e ferro, dispõem ainda de quantidades consideráveis de mesoconstituintes do maior interesse – como sejam o cobre (responsável este com a prata, pelas explorações mais remotas), o zinco e o chumbo – e de componentes menores (como o arsénio, o cobalto, o cádmio, o mercúrio, o antimónio, a prata, o ouro, o selénio, etc.)» e adianta também  que, «se alguns apresentam interesse industrial de assinalar, outros são por vezes verdadeiramente “indesejáveis” sob o ponto de vista do aproveitamento industrial das pirites e até condicionantes dramáticos de alguns dos processos com tal aproveitamento relacionados. Acresce que as pirites ibéricas apresentam uma composição mineralógica muito diversificada e complexa e caracterizada por uma extrema finura dos seus componentes» (cf. Silva, 1981, pp.3-4).[3]

Mas apesar desta diversidade, as pirites constituíram na fase inicial da sua exploração, centros de interesse derivados em primeiro lugar pelo seu conteúdo em cobre, e depois também pelo enxofre. Alguns dados apresentados no relatório anual da inspecção geral de minas para o período de 1860 a 1861 complementam não só o conhecimento sobre a produção destas minas, como de uma forma geral informam sobre a situação do cobre em Portugal no princípio da década de sessenta: considerado «depois do ferro o metal mais útil na obra da civilização», o cobre assumia neste documento o papel de o mais prometedor para o futuro, sob o ponto de vista da produção nacional, «bastante para fazer de Portugal um país mineiro ainda que estivesse-mos privados de todos os outros metais».

Os jazigos eram numerosos, e considerados notáveis, tanto pela riqueza em cobre, em certos casos, como pela abundância em minério (ainda que pobre) noutros. Era nesta última categoria que se inscreviam os de S. Domingos (Mértola), Aljustrel, Grândola, Odemira e  Portel, para os quais a abundância do minério, com teores somente entre 3 a 5 % em cobre, era tal que compensava a sua pobreza, assegurando uma lavra indefinida. Outros depósitos de cobre conhecidos (filões), localizavam-se em Aveiro, na zona oriental do Alentejo, e no Algarve (jazigos de contacto). Nos primeiros o predomínio era de pirite ordinária com 32 a 34 %  em cobre, enquanto que no Algarve abundava principalmente o sulfureto simples com 68 a 76 % de metal, associado a cobre nativo. O interesse nas pirites da faixa ibérica em território nacional incidia também noutro elemento seu constituinte, o enxofre, presente em média em cerca de 47 %, «dos quais se aproveitam com a maior economia 40 pelo menos, empregando-o directamente nas fábricas de ácido sulfúrico».

De tudo isto nos dá conta o supra citado relatório, onde também é referido que depois de S. Domingos, era a mina do Palhal (Aveiro) a única que exportava minério para Inglaterra - 1.098 toneladas com lei média de 15 %, equivalentes a 165 toneladas de cobre, para o ano económico de 1860-1861. Bem longe de S. Domingos, que por sua vez exportara 51.572 toneladas de minério equivalentes a 2.062 toneladas de cobre, à razão de 4 % desse metal. Para além destas, o relatório referia como principais minas em exploração activa Grândola e Almodovar, e ainda Cherez e Barcas, no concelho de Reguengos; nas «demais minas» os trabalhos ou estavam parados ou se desenvolviam lentamente (Leitão,1861, pp.473 - 474).

Importa nesta altura referir, que a procura do enxofre das pirites que se verificou a partir da 2.ª metade de oitocentos, com reflexos também em Portugal e em Espanha, foi decorrente de uma conjugação de diversos factores. Os progressos obtidos desde o início do século com Hill e Haddock, que em 1818 comprovaram a substituição do enxofre pela pirite, e depois com Perret, que empreendeu activamente a sua ustulação, criando para isso um primeiro tipo de forno em 1837, e a conquista, pela França, do monopólio do enxofre siciliano em 1838, transformaram este minério numa matéria prima apetecível na Grã-Bretanha para a produção do ácido sulfúrico (Daumas,1968, p.624). A partir do meio do século o aproveitamento metalúrgico conseguido para os resíduos da ustulação das pirites e o grande desenvolvimento da indústria dos alcális, expandiu por sua vez o mercado, e viabilizou o acesso a  fontes de matéria-prima mais longínquas. Entramos  assim  na  era  da  exploração  britânica  das pirites ibéricas : 1859, S. Domingos – Mason & Barry /London; 1862, Tharsis – Tharsis Sulphur and Copper Company /Edimbourg; 1873,  Rio Tinto - Rio Tinto Company /London,  são  exemplos dessa intervenção, interessada como já vimos, tanto na parte sulfuretada, como em alguns componentes metálicos (o cobre em especial, mas também ouro e prata) das pirites.[4]

As consequências desta intensa exploração foram particularmente visíveis no empório industrial de Sir Charles Tennant (Glasgow,1823 – West Byfleet, Surrey,1906) que se desenvolveu extraordinariamente a partir de uma matriz de produção química pesada,  posteriormente estendida à metalurgia e aos explosivos,  com as pirites de Tharsis como elo de ligação de tudo isto. Para chegar a este ponto, Tennant convenceu os seus associados na produção de alcális a formar a já referida Tharsis Sulphur and Copper Company para se ocupar da exploração dessas minas. A companhia depressa se tornou uma das maiores no mercado mundial de enxofre, e também uma importante no do cobre. À volta de 1872 a Tharsis Company tinha adquirido na Grã-Bretanha sete empresas metalúrgicas para extracção de metais. Estas empresas e a mina de Tharsis envolveram Tennant profundamente nas questões da tecnologia de tratamento das pirites, com vistas à recuperação, não só de cobre, como do ouro: para isso o industrial escocês terá criado em 1884, a Cassel Gold Extraction Company, que comprou a McArthur e aos irmãos Forrests a patente de 1887 do cyanide process, uma verdadeira revolução no aproveitamento do ouro, com uma passagem de teores de recuperação de 55 para 95 %.

O ferro, o outro componente maioritário das pirites, também foi alvo de investimento por parte de Charles Tennant e das suas empresas. O interesse no aproveitamento do blue billy (ou purple ore, como conhecemos em Portugal) conduziu à formação da Steel Company of Sctoland em 1872, no entanto o processamento siderúrgico deste material revelou-se demasiado rebelde para ser viabilizado. A Steel Company prosseguiu, mas noutra direcção, abandonando a ideia de recuperar o resíduo de óxido de ferro das pirites após tentativas infrutíferas de eliminação dos elementos que o tornavam nocivo nos altos fornos (o cobre e o chumbo são disso exemplos).

 
Minas da Caveira e Aljustrel – 
alguma história para além de S. Domingos
 

Helena Alves em Rotas do Minério, afirma que a primeira atenção dada à área actualmente conhecida por Faixa Piritosa Ibérica  em território nacional  parece dever-se a João Maria Leitão, e aos seus artigos publicados na «Revista Minera», entre 1850 e 1851 (Alves,1996, p.148). João Maria Leitão nasceu no Gavião em 1819, e morreu em Lisboa, em 1870. Segundo o que é noticiado no Obituário da “Revista de Obras Públicas e Minas” do ano de 1870, estudou no colégio de Sernache e foi em Lisboa, onde frequentava o curso da Marinha, que conheceu o homem que parece ser o responsável pela surpreendente inflexão no seu destino profissional. Referimo-nos a  Silvestre Pinheiro Ferreira (Lisboa, 1769 – Lisboa, 1846), «cosmopolita de espírito liberal (...) hoje considerado um dos mais eminentes pensadores luso-brasileiros (...) Filósofo de raiz moderadamente sensualista », nutria uma especial admiração por Werner, de quem foi aliás discípulo, no curso de 1804/1805 (Andrade, 1998, p.26). Contemporâneo dos homens que bem podíamos denominar «os três intendentes», que realizaram a formação europeia de 1790 a 1800, visitou a Inglaterra, Holanda, França, Rússia e Alemanha, alguns dos mesmos locais de formação desse grupo.

João Maria Leitão foi, a seu conselho, estudar para a Escola de Minas de Paris. Depois, ainda segundo a nota biográfica, seguiu-se o tirocínio prático da mineração, na Saxónia, Boémia, e outros pontos da Alemanha. Que o intuito seria uma nova tentativa de preparar um quadro para o desenvolvimento da mineração e metalurgia em Portugal é sugestão mais do que óbvia. O que já não parece tão claro, foi o modo como face ao regresso, em 1842 ou 1843, as instituições  (não) fizeram a integração desse elemento: «...obteve em resposta que só lhe poderia ser dado o lugar de amanuense da secretaria, e temporariamente, sem vencimento». Conforme nos relata ainda a pequena notícia biográfica, «desenganado» daquela forma em Portugal, Leitão tomou o caminho de Espanha, onde pode finalmente exprimir e aplicar os conhecimentos adquiridos: foi consultor de vários empresários de minas, dirigiu por algum tempo as minas de Moncaio no Aragão, escreveu para a “Revista Minera” artigos que foram depois reproduzidos nos Annales des Mines.

Afirma-se que por altura do seu regresso a Portugal, visitou as minas de Grândola e de S. Domingos (Mértola), e (conjectura-se) dessa excursão terá resultado o primeiro conhecimento de que aquelas minas se achavam situadas na mesma zona das célebres de Riotinto. Terá sido a importância dos trabalhos nas minas de Riotinto, em laboração desde o início do século anterior, e de uma forma geral a riqueza minero-metalífera do distrito de Huelva, que o incitou a referir as imensas semelhanças geológicas e evidências de trabalhos antigos manifestadas no prolongamento dessa região em território português (Alves,1996, p.148).[5]

Os artigos de Leitão estimularam por sua vez o interesse de industriais franceses, em particular o de Simon Víctor Ernest Deligny. Baseando-se nas informações constantes nesses  artigos, Deligny enviou homens de sua confiança para pesquisar os locais da mina, Nicolas Biava e Juan Melbourrien. Em 1854 o primeiro declarava o achamento da mina de S. Domingos, entregando a 16 de Junho um manifesto na Câmara de Mértola, a requerer o direito de descobridor legal das minas de cobre situadas no Serro de Ouro (Volta-Falsa), Serro das Minas, Serro de São Domingos, e assinalava a existência, em todas, de vestígios de explorações muito antigas (Alves,1996, p.150).

Diversas outras requisições de direitos de descobridor para minas de cobre – e também muitas de manganês e de chumbo - foram feitas nos anos seguintes, e particularmente intensificadas na década de sessenta e até meados da de setenta. O número de concessões definitivas, contudo, não correspondia à profusão dos registos das descobertas e, tal como afirma Paulo Guimarães, «em muitos casos, a “descoberta” não era posteriormente comprovada pelos serviços mineiros oficiais, noutros o seu valor económico era nulo ou, simplesmente, o indivíduo não conseguia formar uma sociedade para avançar com a exploração» (cf. Guimarães, 1996, pp.115 –116).

A Ernest Deligny – director das minas de Tharsis e Calañas entre 1853 e 1859 - se atribuiu não só a iniciativa do registo da descoberta da mina de S. Domingos (Mértola), mas também a do Cabeço do Moinho (Aljustrel) e a da Serra da Caveira (Grândola). Em nossa opinião, o interesse nas minas de cobre portuguesas parece ser, todavia, ainda anterior ao «período Deligny» de intervenção, e tudo o leva a supor originário do país vizinho, pois já anteriormente um espanhol de nome Sebastião Gargamala tinha obtido, em 1847, alvarás para exploração de S. João do Deserto (Aljustrel) e do Palhal, no distrito de Aveiro (Guimarães, 1996, p.119). No entanto, o conjunto destas três descobertas, feitas num período muito próximo – Junho e Julho de 1854 – assume um significado muito particular, não só porque se cumpria « a primeira grande rota através da Faixa Piritosa em solo português, ligando os dois pontos que durante um século marcaram os seus limites: S. Domingos e Caveira » (cf. Alves,1996, p.151), como também porque se tratou de minas cuja exploração foi efectivamente posta em marcha de uma forma mais ou menos continuada no tempo.

A mina da Caveira começou a ser explorada de forma definitiva em 1863 por conta do concessionário Deligny, mas os trabalhos de pesquisa e preparação do jazigo já se tinham iniciado quase uma década antes, em 1855.  Num relatório com data de Dezembro de 1961, João Ferreira Braga - na altura o inspector de minas do 4.º distrito e interino do 3.º, e encarregue de proceder ao reconhecimento das massas de cobre da mina em questão -  referia que para além de se localizar num sítio « ermo, inculto, afastado das povoações, e portanto azado para se estabelecerem as teleras e se queimar o mineral ao ar livre », a mina oferecia ainda outras vantagens, como a proximidade de uma ribeira abundante de águas em todas as estações, o Sado e os portos de Lisboa e de Setúbal.

Conforme o que consta do referido documento, as condições eram tais, que viabilizavam não só unidades de tratamento de minério e de redução de cobre, como até a instalação de uma grande indústria de importantes produtos químicos de base (para a qual era determinante a existência das salinas do Sado) como o ácido sulfúrico, os sulfatos de sódio e de ferro, o carbonato de sódio, entre outros ( Braga, 1861, p.57 ). Em 1881 a propriedade da concessão foi transferida para a Companhia da mina da Caveira, que a explorou até 1884, ano em que suspendeu as actividades alegando más condições de transporte e de preço do cobre.

A indústria química de base na bacia do Sado (pensada ao tempo de Deligny) não aconteceu. Mas entretanto, em 7 de Fevereiro de 1859 tinha-se constituído, pelo Crédito Móvel Português, a Sociedade Geral de Produtos Químicos, com a finalidade de fabricar toda a qualidade de produtos químicos, « considerando as muitas vantagens resultantes de uma companhia de semelhante natureza, destinada a fornecer os mercados com produtos químicos mais perfeitos e por menor preço », conforme texto do decreto com o qual baixavam os estatutos da mesma, e uma unidade de produção de químicos de base, como por exemplo, o ácido sulfúrico, o carbonato e o sulfato de sódio, acabou por «ancorar» na Póvoa de Santa Iria; para  esta instalação previa-se um fabrico anual acima de 700 toneladas de ácido sulfúrico e 500 de soda (Matos, 1998 a, p.63).

Para avaliar da sua dimensão, podemos tomar como termo de comparação o valor fornecido por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel em 1855/57, da produção de Charles Tennant – considerado por muitos, na altura, o maior de entre todos os industriais do ramo - de oito mil toneladas/ano de ácido sulfúrico (Pimentel In Cruz e Lico, 1998, p.124). No entanto, esta era considerada uma « fábrica magnífica, levantada segundo as mais perfeitas indicações da ciência » e que começou a laborar logo em Março desse mesmo ano de 1859 (Matos, 1998 a, p.63).

Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (Moncorvo, 1809 – Coimbra, 1884), o primeiro lente catedrático de Química da Escola Politécnica, tivera oportunidade, aquando da Exposição Universal de Paris de 1855, de contactar com grandes industriais da área da química (F. Kuhlmann, entre outros) e conhecer, in loco, algumas das mais progressivas indústrias do género - facto aliás a que alude no tomo I, sobre as Artes Químicas, do seu Relatório sobre a Exposição Universal de Paris (Cruz e Lico, 1998, p.122). Foi nomeado gerente da referida sociedade e encarregue dos aspectos técnicos da produção da fábrica. O relatório apresentado pelo Conselho de Administração a 5 de Julho de 1860, relativo ao ano de 1859, revelou que havia dificuldades de ordem vária no andamento da fábrica: atrasos nas instalações, problemas na mise-en-route das que já funcionavam e até uma situação de contencioso com Hipólito Dubeux, encarregue das vendas e dos fornecimentos de matérias-primas. A Sociedade Geral de Produtos Químicos foi dissolvida em 1862.[6]

Conforme depoimentos de Mr. Antoine e Mr. Dijoud à delegação distrital de Lisboa que em visita às fábricas procedia a uma indagação directa, para o Inquérito Industrial de 1881, Fernando Oscar Deligny, representante dos concessionários da mina de S. Domingos perante o governo (Sequeira, 1883, p.190), comprou a fábrica da Póvoa de S. Iria em 1867. Os mesmos informavam que os mercados eram exclusivamente nacionais (Lisboa, Porto, Coimbra e Covilhã), e as produções anuais eram, em ácidos ( 1.200 toneladas de sulfúrico a 66 e 60º Bé; 24 ton. de clorídrico a 22º e 90 a 100 de nítrico a 49º ) e em sais ( carbonato de soda, 120 toneladas; sulfato de ferro, 320 e cloreto de cálcio, 250 Kg ). Quanto às matérias primas, as principais de procedência estrangeira, eram o carvão (de pedra), os tijolos refractários para altas temperaturas, de origem inglesa, o nitrato de sódio do Chile e o chumbo proveniente da França (necessário para a construção e manutenção das câmaras de chumbo no fabrico do ácido sulfúrico). As de origem nacional eram a hulha, a cal de Alcântara, o dióxido de manganês do Alentejo, o sal  marinho da Póvoa, cré do Rio Seco, chumbo, ferro de obra e claro – pirites de ferro de S. Domingos, com um consumo anual de 900 a 1.000 toneladas.

Não sabemos precisar a partir de que altura a fábrica da Póvoa começou a ser abastecida da sua matéria prima matricial  (porque a partir dela tanto se poderia obter o ácido sulfúrico, como a maior parte das restantes produções) através da mina de S. Domingos. Inicialmente, em 1859, as instalações estavam feitas para a combustão do enxofre, e não para pirites, como se poderá facilmente verificar através da descrição do equipamento para o fabrico do ácido sulfúrico existente no inventário anexo aos estatutos da Sociedade Geral de Produtos Químicos; em 1876, contudo, a fábrica em questão afirmava que se abastecia de pirites nacionais. Pela nossa parte, e mediante o confronto dos dados disponíveis, supomos que a mudança de enxofre para pirite se deverá ter realizado pelo fim da década de sessenta/início da de setenta; pensamos igualmente que o abastecimento seria fundamentalmente assegurado por S. Domingos.

Mas a lógica das produções declaradas aquando do inquérito industrial de 1881 e a denominação de pirite de ferro, e não pirite cuprífera, indicia-nos por um lado que o cobre não deveria constituir centro de interesse para a fábrica da Póvoa; procurava-se fundamentalmente o enxofre da pirite – o grande objectivo para a utilização das pirites como matéria-prima era a produção de  ácido sulfúrico. No entanto, a hipótese de procura de cobre para a produção do sulfato correspondente, assim como da recuperação (na própria fábrica) do cobre dos resíduos das pirites não deve ser hipótese a descartar para essa altura sem um estudo mais aprofundado, uma vez que o sulfato de cobre estava: na lista de produtos previstos, mas sem se ter iniciado ainda a sua produção, conforme o indica o Relatório do Conselho de Administração da Sociedade Geral de Produtos Químicos para o ano de 1859; apresentados na Exposição Nacional das Indústrias Fabris em 1888; e quase duas décadas depois, referido explicitamente « os resíduos das pirites são aproveitados para a cementação, produzindo-se também algum sulfato de cobre » (cf. Mastbaum, 1904, p.17) .

As datas de aquisição da fábrica por um Deligny vão também ao encontro desta dualidade metal/nãometal da pirite. Como veremos mais adiante, 1867 corresponde à altura em que a mina de S. Domingos procura sistematicamente a concretização de um processo economicamente viável de aproveitamento de minério pobre. Alguns anos depois, a mina de S. Domingos pode abastecer mercados com cobre de cementação; por outro lado, os resíduos deste tratamento exauridos de cobre eram, ainda, uma boa matéria prima para o fabrico do ácido sulfúrico, o que permite levantar a hipótese de que possa ter sido esta a pirite de ferro para abastecimento da fábrica da Póvoa de S. Iria.

Pensamos igualmente que uma certa «efervescência regeneradora» na mineração em Portugal suscitou, durante a década de cinquenta outras iniciativas do género, isto é, de estabelecimento e/ou desenvolvimento de unidades produtores de indústria química inorgânica de base, copiadas do modelo estrangeiro europeu, que emergiria com grande visibilidade, precisamente a meio dessa década, na já referida Exposição Universal em Paris.

A contenda entre Júlio Máximo de Oliveira Pimentel  e Sebastião Betâmio de Almeida (?1817 – ?1864) criada em torno da produção da soda em Portugal no início da década de cinquenta, e felizmente tornada pública pela imprensa, através de uma troca de artigos no “Jornal da Associação Industrial Portuense” e na “Revista Universal Lisbonense”,  permitiu-nos identificar um outro grupo de industriais e científicos com interesses afins (eventualmente até mais precoces) daqueles que criaram a Sociedade Geral e estabeleceram a fábrica da Póvoa: Sebastião Betâmio de Almeida, José Ferreira Pinto Basto, J. M. do Casal Ribeiro e Joaquim Ferreira Sampaio. Estes estavam, conforme o primeiro afirmava num dos seus artigos da polémica, ocupados num negócio em Aveiro; mais à frente, refere também uma Assembleia Geral dos Produtos Químicos de Aveiro, e a eleição do seu director tecnológico (Almeida, 1853, p. 216 e p. 218).

A leitura deste artigo na sua íntegra não deixará dúvidas sobre os planos de estabelecimento de uma indústria química em Aveiro - não nos esqueçamos da existência de uma mina nessa região, a do Palhal, em actividade (retomada desde 1852), onde já se conhecia a existência de pirite cuprífera e esporadicamente, de óxido negro e vermelho de cobre, da proximidade da mina de carvão de pedra do Cabo Mondego, e a possibilidade de parte da distância entre a cidade e os centros mineiros ser percorrida por via navegável (Neves Cabral,1860, p.514, p.517 e p.519) - mas com a finalidade da exportação.

O conflito entre estes dois químicos portugueses, que incidiu fundamentalmente na soda, acabou também  por abordar a qualidade do ácido sulfúrico que era produzido pela já velhinha fábrica da Verdelha. Isto suscitou uma viva reacção por parte de Oliveira Pimentel, por sua vez inteiramente correspondida por Betâmio de Almeida. Não cabe no entanto, no âmbito do nosso trabalho explorar os aspectos da forte discordância que assolou dois dos homens que mais sabiam de química e respectiva indústria no nosso país.[7] Na realidade, este confronto auxiliou-nos a reconhecer para já o que propomos ser o efeito indutivo da reactivação da indústria mineira extractiva sobre a indústria química de base, e assumir a importância deste facto, mesmo que nem todas as iniciativas se tenham conseguido concretizar.

A mina da Caveira acabou por ser o mote para a introdução deste aspecto; não queremos contudo abandonar o tema deste jazigo sem referir que ao desempenho exploratório da Companhia da Caveira, mantido somente enquanto o mercado permitiu a exportação dos minérios, ficou sempre associada a imagem pouco abonatória de uma prática de lavra de rapina.

Quanto a Aljustrel, a sua história inicial é algo diferente, se bem que com desfecho idêntico: a exploração das massas de Algares e de S. João do Deserto (re)começou  em 1867 e teve um andamento regular até 1873, altura em que sofreu uma quebra significativa. A reestruturação da companhia que as explorava, a Companhia de mineração Transtagana, trouxe um novo alento; não obstante, os trabalhos foram suspensos em 1881 (Monteiro e Barata,1889, p.96). Devido às suas características – apenas uma vigésima parte do total com um teor  passível de o tornar exportável, isto é, com 10 % em cobre - o minério de Aljustrel tinha necessariamente de ser beneficiado (Leitão et al, 1865, p.386). As pirites eram por isso ustuladas e depois as cinzas lixiviadas. Na fase final do tratamento, parte do cobre presente na solução aquosa de sulfato era recuperado por cementação, através do contacto desta com o ferro. Como complemento da lixiviação fazia-se ainda o tratamento pelos terreiros. O processamento metalúrgico do minério de Aljustrel terminava com a produção de cáscara e de cemento. A cáscara era ainda calcinada para se enriquecer mais, e o cemento levado à secagem e embarricado, sendo depois exportados para Inglaterra (Monteiro e Barata, 1889, p.99 e pp.102-103).

A realidade de uma constante depreciação no preço do cobre não se compadecia contudo das características do minério de Aljustrel (95 % com  lei média de 2,5 % em cobre segundo Leitão et al em 1865; minério com teor médio de 2 %, segundo Monteiro e Barata em 1889). A conjugação do baixo teor com a cada vez maior baixa no preço do cobre acabaram finalmente por impossibilitar a exportação até em cru (Monteiro e Barata, 1889, p.104).

Tendo centrado toda a economia da sua exploração no cobre, pelas vantajosas condições de combustível, «sem caminho de ferro, mas com 3.000 hectares de combustíveis e madeiras, não inveja outra mina em tudo igual a ela excepto no combustível, ainda que estivesse situada num porto de mar, mas obrigada a vender o seu minério em bruto», afirmava-se, e eliminada a possibilidade de incluir o enxofre, devido a uma má localização em relação aos portos, «a concorrência do enxofre é verdadeiramente a mais temível; aqui a questão dos transportes é essencial, a dos combustíveis nula» (cf. Leitão et al,1865, p.387) a mina tornara-se particularmente vulnerável às baixas do preço deste metal.

No final da década de setenta a Companhia Transtagana estava a braços com um sério problema em Aljustrel: o minério (tanto tratado como em cru) já não tinha condições para ser exportado de todo. Era necessário estabelecer um processo que à boca da mina originasse um produto suficientemente rico em cobre, para viabilizar economicamente a sua exploração. Apresentou-se então como decisivo o investimento numa série de experiências e ensaios, mas estas resultaram verdadeiramente nefastas para uma companhia descapitalizada. Ao tentarem «acertar» com o processo de cementação, que tomavam como solução para a crise, pondo-o em prática com uma «proficiência técnica digna de todo o elogio», a situação económica agravou-se de tal forma, que a companhia teve de abandonar as experiências antes mesmo de se chegar a resultados definitivos, e assim:  «apesar de se fazerem todos os trabalhos e de se executarem todos os processos aconselhados para a exploração das massas piríticas, segundo todas as regras estabelecidas pela economia mineira, o que é certo é que ao fim de catorze anos de enérgica luta, a companhia abandonou o campo depois de feita uma despesa não remunerada de mais de 750.000$000 réis» (Monteiro e Barata, 1889, p.104).

S. Domingos e o aproveitamento de minério pobre  

Ao contrário do sucedido em Aljustrel e na Caveira, a terceira mina desta rota soube enfrentar dificuldades várias, superando-as no momento mais adequado. S. Domingos aparece assim – e em contraste com os dois casos anteriores - como o caso bem sucedido de uma actividade industrial que se caracterizou por «um posicionamento periférico, uma lógica de investimento e de exploração voltada para o mercado externo», e que atravessando conjunturas de crise acentuada (em 1866, e depois em 1874, à qual sucede uma longa depressão), se debate com as reduzidas possibilidades de sucesso em explorações centradas na valorização de minérios pobres, não só por exigirem grandes investimentos financeiros, como também capital considerável em conhecimento científico e tecnológico (Guimarães, 1996, p.128). Entendemos por isso mesmo que a exploração de minério visando a sua valorização em cobre, e consequente produção deste metal nela praticado deve merecer um lugar de destaque.

Se bem que S. Domingos já estivesse em trabalhos de pesquisa e exploração desde 1854 (Alves, 1996, p.151), foi a empresa inglesa Mason & Barry, arrendatária da mina a partir de 1858, que conferiu a este estabelecimento, em seis anos de exploração, um lugar proeminente entre as minas europeias [8] (Custódio, 1996, p.175).

De facto, a partir de dados referentes a 1866, retirados do Catalogue Spécial de la Section Portugaise a l’Exposition Universelle de Paris en 1867 determinamos o quanto a mina de S. Domingos já representava em termos nacionais. Das 170.900 toneladas de minério metálico produzidas em Portugal nesse ano (abrangendo os de cobre com teores superiores a 15 %, os de chumbo, manganês, antimónio e pirites de ferro cupríferas), 167.000 eram provenientes da mina de S. Domingos – isto correspondia a perto de 98 % do valor total da produção. Para esse mesmo ano avaliava-se em 5.000 toneladas o cobre correspondente à quantidade de minérios exportado – cerca de metade do  produzido por todas as minas da Grã-Bretanha.[9] Sabemos igualmente pelo mesmo documento que nessa altura S. Domingos ultrapassara todas as da província de Huelva, exportara em 1866, as 167.000 toneladas de minério produzidas, e propunha-se fornecer o mercado inglês em 200.000 toneladas de pirite por ano, o que representava uma cobertura de cerca de dois terços das necessidades da indústria química inglesa (Catalogue..., 1867, p.86 e pp.104 -105).

A 17 de Janeiro de 1861 a empresa Mason & Barry obteve  a aprovação do seu plano de trabalhos de lavra a executar na denominada «mina de cobre» de S. Domingos. A apoiar esta decisão estivera, entre outros factores, o parecer dado, a 4 de Dezembro de 1860, (Boletim do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria - BMOP, N.º12, 1861, pp.437-438), pelo Conselho de Minas, constituído por João Crisóstomo de Abreu e Sousa, Isidoro Emílio Baptista, João Maria Leitão, Francisco António Pereira da Costa, José Victorino Damásio, João Ferreira Braga e Carlos Ribeiro (Sousa et al., 1860, p.521).

Para elaborar o parecer, e porque achou que não dispunha de informação suficiente para emitir uma opinião abalizada sobre o dito projecto de lavra, este orgão tinha solicitado a presença in loco de um engenheiro inspector, a fim de avaliar da situação da mina e recolher os elementos necessários para o conselho se pronunciar. A pessoa designada foi João Maria Leitão, o inspector geral das minas, que elaborou um detalhado relatório, datado de 22 de Setembro de 1860, onde discutia três questões: a importância do jazigo, os métodos da lavra e os processos de tratamento dos minérios com vistas à obtenção de substâncias úteis (Sousa et al, 1860, p.518).

Devido ao estado incipiente dos trabalhos na mina, Leitão informava que não era possível determinar com exactidão, «nem mesmo aproximadamente, o valor do jazigo de S. Domingos», que a rigor só estaria completamente definido quando se conhecessem os seus limites em todos os sentidos e a lei média do minério. «Esses algarismos, obra de alguns segundos com a palavra, resumem o trabalho de muitos séculos», é ainda uma afirmação do autor do relatório, mas «se não nos é dado por agora atingir, nem mesmo aproximadamente, a um rigor absoluto (...) seja-nos lícito ao menos apresentar algumas observações, que nos dêem uma certa ideia, senão uma ideia certa do valor desta mina» (Leitão,1860, p.522).

Uma «certa ideia» deste jazigo foi então a aproximação possível ao reconhecimento do seu valor. Sem a utilização sistemática de ensaios docismáticos, não existiam elementos suficientes para apreciação da composição do minério, particularmente dos teores em cobre. A falta de bases para estabelecer uma classificação, e a necessidade absoluta da existência de uma para o estudo comparativo dos diferentes métodos, obrigou a que Leitão adoptasse uma «hipotética» para o minério, considerando-o análogo a outros jazigos conhecidos (não diz quais) em termos de variações de riqueza da sua massa. Esta classificação consistia assim em minério de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes com 6 %, 3 % e 1,5 % em cobre, respectivamente, o que correspondia igualmente a existirem 1.200 toneladas deste metal em 20.000 toneladas de minério, para minério de 1.ª classe, 1.200 toneladas em 40.000 de minério, para o de 2.ª, e 600 em 40.000 para o de 3.ª  (Leitão, 1860, p.526).

Das várias hipóteses consideradas para o destino a dar ao minério extraído, o autor deste relatório afirmou ter examinado em minúcia as seguintes: A - venda de todo o minério em Inglaterra; B – Fundição de todo o minério em Portugal segundo o processo de Galles até obter cobre refinado; C – Fundição de todo o minério em fornos latos segundo o sistema de Agordo (parcialmente) até obter cobre refinado; D – Fundição do minério de 1.ª classe e dos núcleos de ustulação do minério de 2.ª e 3.ª classe submetido à ustulação. Cementação das terras; E – Venda do minério de 1.ª classe em Inglaterra e cementação em Portugal de 2.ª e 3.ª classe; F – cementação de todo o minério em Portugal (empregando ferro fundido ordinário, ou ferro cuprífero obtido do mesmo minério em Portugal).

Feitas as contas em cada cenário possível, considerando os preços de mercado das pirites, do enxofre e do cobre, e os custos de produção, incluindo gastos com transporte, para além das características do local da exploração e dos aspectos próprios dos processos em avaliação, o engenheiro Leitão assinalava o lucro elevado que oferecia o sistema misto E, e concluía sobre a grande vantagem da cementação sobre os demais processos metalúrgicos, para minérios pobres da qualidade dos de S. Domingos. (Leitão,1860, pp.531 - 545)

As considerações tecidas em torno da aplicabilidade do processo de cementação (tomado aqui em termos alargados como o conjunto ustulação – lixiviação – obtenção do cemento por precipitação com ferro) revelam que em Portugal já se conhecia para que classes de minério o processo era rentável, tal como podemos constatar pela seguinte passagem do relatório: «Considerados os sistemas em si mesmos relativamente ao teor, nota-se que a cementação é vantajosa na razão inversa da riqueza metálica, enquanto que as vantagens da fundição aumentam pelo contrário na razão directa; de tal modo, que passado certo limite (variável com as circunstâncias) a fundição seria preferível à cementação. Porém as condições de localidade e teor em S. Domingos não se acham neste caso, e a cementação com ferro cuprífero principalmente, conserva sempre a sua preeminência». Uma alusão directa ao passado recente de Rio - Tinto, e ao processo de cementação  aí «praticado de um modo deplorável» (Leitão,1860, p. 545), sugere por sua vez um contacto estreito com os trabalhos do engenheiro Ramón Rúa Figueroa y Fraga (Santiago de Compostela, 1825 – Viena, 1874), nessa altura assumindo o lugar de director da mina espanhola, e o principal reformador das suas actividades em meados do século dezanove (da importância desses trabalhos e do seu papel fundamental no desenvolvimento das tecnologias de aproveitamento das pirites ibéricas daremos algum pormenor mais adiante neste trabalho).

O agreement oficial concedido ao projecto do engenheiro James Mason para a exploração da mina de S. Domingos permitiu-nos inferir que algo semelhante, pelo menos em parte, às indicações de Leitão deveriam constituir esse plano de trabalhos; a constatação de mais factos em outras fontes documentais, a apoiar esta hipótese, levou-nos a confirmar isso mesmo, ou seja, que em S. Domingos, o minério rico seguia cru, e sem problemas,  maioritariamente para a Inglaterra – já em 1859, de 23 de Março (data de partida do primeiro navio) a 31 de Dezembro tinham partido do Pomarão 36 navios para Liverpool, 2 para Glasgow, 2 para Swansea e 1 para Newcastle (Braga,1860, p.402).

O enxofre assegurava os custos do transporte (Monteiro e Barata, 1889, p.73), que se tinha facilitado ao máximo, com o caminho de ferro e a navegabilidade de parte do Guadiana por navios de grande porte, mas da hipótese E de tratamento de minério que João Maria Leitão referira, faltava a parte não menos importante da cementação do minério de 2.ª e 3.ª classes, da qual dependia uma grande parte da rentabilidade do sistema apontado como a solução mais lucrativa (Leitão,1860, p.545).

Daí que em 1867, e em resposta aos desafios colocados pela concorrência, ao mesmo tempo que se adoptavam outros métodos de exploração da mina, com a aprovação do plano de James Mason [10] de ataque da parte superior da serra mediante lavra a  céu aberto, tal como já se praticava nas minas de Huelva, particularmente em Tharsis, (Custódio, 1996, p.179), se procurasse resolver a questão do aproveitamento do minério que pelos seus baixos teores em cobre não tinha colocação directa no mercado inglês.[11]

O já referido Catalogue Spécial levado à exposição universal de 1867 dá conta de um estabelecimento para o tratamento metalúrgico de minério em construção muito avançada á direita de Achada do Gamo, no qual se instalara uma bateria de 200 fornos para ustulação das pirites. Os núcleos ricos obtidos no processo destinavam-se à produção directa de cobre, e o resto à produção de cobre de cementação (Catalogue..., 1867, p.105).

A ustulação das pirites em fornos foi, no entanto, experiência mal sucedida em S. Domingos. O processo – provavelmente aquele que esteve na base do pedido de patente de invenção por quinze anos por parte de James Mason, como um novo método de beneficiar o cobre mineral, chamado pirite de ferro cuprífera e concedido a 3 de Agosto de 1864 (BMOP, N.º 9, 1864, p.313) - descrito alguns anos depois noutro catálogo, era constituído pelas etapas « Calcinação do mineral pobre e miúdo em fornos; Redução do mineral ustulado a pequenos volumes com aparelhos apropriados a vapor; Classificação e separação, por volumes, dos minérios ustulados e partidos; Lixiviação em tanques de pedra do mineral assim calcinado e classificado; Separação mecânica, em crivos, dos nódulos ricos; Precipitação do cobre nas águas de lixívia no estado de cemento; Fundição, para obter regulus e Afinação do regulus » e consistia numa solução tecnológica mais aperfeiçoada do que a praticada em Espanha, onde o processamento metalúrgico terminava na produção de cemento (Monteiro e Barata, 1889, p.76).

Aspectos deste processo foram inclusivamente referidos no já citado relatório sobre a mina de Aljustrel, de 27 de Julho de 1865: a introdução de uma máquina para separar núcleos da crosta pobre para cementação, e o uso de fornos para a queima das pirites com vistas à redução dos efeitos poluentes da combustão ao ar livre (Leitão et al, 1865, p.389), onde as incontroláveis e arrasadoras nuvens de gases sulfurosos sempre originavam um sem número de questões entre as empresas encarregues das explorações mineiras, e os proprietários das terras a elas contíguas.

A inclusão de fornos para ustular as pirites fora então a opção encontrada, mas a prática cedo provou a sua inviabilidade por esta se ter revelado altamente anti-económica. Ainda na tentativa de viabilizar o aproveitamento de minério pobre, a empresa ensaiou em 1871 a ustulação ao ar livre, mas o resultado foi tal, que «levou [a empresa] a por absolutamente de parte qualquer processo dependente desta operação prévia». Em 1875, contudo, já em S. Domingos se tinha assentado definitivamente o processo de tratamento dos minérios cuja colocação no mercado não fosse considerada remuneradora (Monteiro e Barata, 1889, pp.76-77) – em vez da artificial, a empresa optara finalmente pela cementação natural, particularmente adequada a minérios com teores em cobre entre 1 e 1,6 % [12] (Pinedo Vara, 1963, p.604).

Esta solução acabara por chegar inspirada em Ramón Rúa Figueroa, engenheiro pela Escola de Minas de Espanha em 1850, membro do corpo respectivo em 1851 e nomeado director das minas de Riotinto em 1859. Acérrimo opositor do intervencionismo estatal, ao qual atribuiu a responsabilidade pelo estado de prostração das indústrias extractivas em Espanha, Figueroa bateu-se nessas minas, durante quatro anos, por uma reforma completa, contra os métodos inadequadamente utilizados, e o obscurantismo técnico que aí reinava, sem que no entanto os seus esforços fossem recompensados – Rúa Figueroa foi afastado, os estudos  interrompidos, e Riotinto acabou por ser vendida em 1873 à firma Matheson & C.ª de Londres.[13]

Deste lado da linha divisória, Ramón Rúa Figueroa não só era conhecido através do seu estudo de 1859, Ensayo sobre la historia de las minas de Rio Tinto como o posterior Minas de Rio-Tinto - Estudios sobre la explotación y benefício de sus minerales de 1868 se considerou «o trabalho mais importante que se tem feito sobre o assunto (...) clássico na exploração e aproveitamento das massas piritosas da península».[14]

Procurando activar economicamente as minas de Riotinto aplicando nelas o processo de fundição, Rúa Figueroa questionara precisamente a adequabilidade do método de cementação artificial aos minérios ricos em cobre. Entre outros resultados dos seus estudos, comprovara não só a inadequação do método a esse tipo de minérios, como demonstrara que pela cementação natural do minério pobre «se poderia obter o cobre contido nas pirites na mesma proporção em que pode ser extraído pelo tratamento com calcinação prévia (...) e que ao fim de dez anos de tratamento se consegue extrair dos minérios 78,5 por cento do cobre contido, percentagem superior à que se obtém dos minérios previamente ustulados» (Monteiro e Barata, 1889, p.77).

A cementação natural consistia em regar montões de pirites com água durante vários anos, de forma a transformar o cobre de sulfureto insolúvel a sulfato solúvel, para depois ser precipitado com ferro. Este tratamento foi assim aplicado «em grande», pela primeira vez, na mina de S. Domingos, no local da Achada do Gamo, de acordo com o que é apresentado no já bastas vezes citado Catálogo descritivo da secção de minas, de 1889, fonte que nos permitiu ainda descrever os aspectos que se seguem sobre o aproveitamento de minério pobre nesta mina.

Com um investimento superior a 600.000$000 réis, o estabelecimento em questão começou a funcionar regularmente em 1870.[15] Entre esta data e 1889, movimentou 3.334.575 toneladas de minério para lixiviação, produziu anualmente, em média, 10.000 toneladas de cemento de cobre e exportou 378.320 toneladas de minério lixiviado. A importância que assume no contexto das actividades da mina (para além do já indicado, a Achada do Gamo envolvia uma média anual de 550 homens nos trabalhos mecânicos e metalúrgicos deste estabelecimento, para um total médio de 1.400 trabalhadores), a valorização de produtos que de outra forma não teriam viabilidade económica, o facto de presumivelmente se ter tratado de uma «premiére» tecnológica nacional à escala industrial, aliados ao conhecimento dos constrangimentos e condicionalismos impostos ao processamento metalúrgico das pirites portuguesas à boca das minas, torna esta concretização especialmente significativa no contexto das indústrias extractiva e metalúrgica no  nosso país. Justifica-se assim uma passagem mais demorada pelo tratamento de minério pobre em S. Domingos, do qual se indicará em primeiro lugar as operações principais que o compunham, e depois algum detalhe do procedimento; as pirites pobres seguiam assim as seguintes etapas: 

   1.ª Escolha e separação do estéril;

   2.ª Trituração do  minério graúdo até às dimensões de um punho;

   3.ª Transporte e empilhamento (ou depósito do mineral em medas);

   4.ª Lixiviação (ou rega das medas);

   5.ª Cementação (precipitação do cobre dos sulfatos das águas mães pelo ferro nelas emergido);

   6.ª Enxugo, moagem e embarricamento. 

As pilhas de minério, cuja altura chegava a atingir os vinte metros, eram atravessadas no interior e na base por canais feitos com fragmentos maiores de pirite, para permitir a circulação de ar.

A necessidade de controle de temperatura obrigava a uma constante vigilância da operação de rega. Pelas chaminés das pilhas (tubos de grés) introduziam-se termómetros, para verificar que no interior das massas piríticas a temperatura não ultrapassava os 80ºF (aproximadamente 27ºC).

A água para regar as pirites provinha de tubos de ferro distribuídos em várias direcções nas plataformas das medas; às torneiras que a espaços existiam nos tubos, ligavam-se mangueiras de lona com agulhetas. Desta forma, a água chegava a todos os pontos dos montões – através do preceito e experiência de operários exclusivamente encarregues desse serviço – assegurando uma interacção eficaz e permitindo actuar nas zonas sobreaquecidas. Ao fim de três (a sete) anos, a operação de rega para uma determinada parte dos minérios (a que detinha apenas entre 0,4 a 0,7 % de cobre, e por isso se considerava exausta, seguindo para exportação) estava terminada.

As águas mães obtidas das lixiviações continham em média 14 % em cobre e seguiam o seu caminho direitas aos repousadores, sendo daí decantadas para tanques de cementação, onde permaneciam por períodos de nove, dez horas. Para a precipitação do cobre utilizava-se sucatas de ferro de qualquer tipo, carris velhos e principalmente lingotes de ferro bruto importados da Inglaterra que se empilhavam entrecruzados por cima de uma camada prévia de tacos de madeira.

A extracção ou apanha do cemento era feita com frequência variável, ditada pelas necessidades do comércio e pelo tempo de deposição do cobre. A camada exterior do depósito, denominada cáscara porque descolava como casca de árvore, mais pura e rica que as outras, era exportada tal qual se extraía (continha regra geral entre 68 a 80 por cento de cobre) sendo apenas sujeita à operação de secagem. Os cementos mais impuros (onde o teor em cobre podia baixar a 50%) eram também triturados. No final, cáscaras e cementos eram acondicionados em barricas ou em sacos para seguirem o seu destino.

Resolvida ficou assim a questão do aproveitamento do minério pobre. As pirites da mina de S. Domingos por serem muito permeáveis à água, tornaram-se efectivamente adequadas ao método. Os cementos e as pirites lixiviadas eram exportadas para Inglaterra, sendo os primeiros destinados aos fundidores de cobre e as segundas aos fabricantes de ácido sulfúrico (Monteiro e Barata, 1889, pp.77-82).

No presente, tal como no passado, a mina de S. Domingos é tratada como emblema de um certo tipo de exploração praticada no sul do nosso país a partir de meados do século dezanove. Os anos iniciais da mais produtiva das minas da nossa parte da faixa piritosa reflectem por sua vez a história dos processos de (re)conhecimento científico e técnico de jazigos de minério desencadeados por essa altura na região. Importa não esquecer que estes se realizaram enquadrados por um suporte administrativo criado pelo  Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria em 1852 – a Repartição de Minas e os Serviços Geológicos – e depois pela organização da Comissão Geológica em 1857.

Joaquim Filipe Nery Delgado (Elvas,1835 – ?,1908) afirmava que os serviços geológicos, criados por decreto de 31 de Agosto de 1852, só tinham sido definitivamente organizados no decreto de 8 de Agosto de 1857, com a criação da Comissão Geológica composta por três vogais, dois directores e um adjunto, e ainda durante algum tempo, por um outro adjunto para os estudos químicos (Delgado, 1883, p.161). Os elementos eram: Francisco António Pereira da Costa (1809 – 1889), bacharel em Medicina pela Universidade de Coimbra, catedrático da 7.ª cadeira, Mineralogia e Geologia, da Escola Politécnica de Lisboa, e académico muito activo, e Carlos Ribeiro (Lisboa, 1813 – ?,1882), capitão de artilharia e chefe de secção do Ministério das Obras Públicas, igualmente académico, os directores; Nery Delgado era «o adjunto da maior valia» (cf. Antunes, 2000, p.54).

Nery Delgado relatava também que a comissão, dissolvida em 1868, se tinha defrontado com toda a espécie de dificuldades, desde a ausência quase completa de trabalhos anteriores actualizados cientificamente, à falta de pessoal formado sob a direcção de outros geólogos (Delgado, 1883, pp.160 -161), e atribui a Carlos Ribeiro, (mais tarde engenheiro chefe do corpo de engenharia civil afecto ao Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, aliás tal como o próprio Nery) «a glória de ter primeiro reconhecido a verdadeira sucessão dos terrenos componentes do nosso território, e de lhes ter fixado a idade em várias notícias que precedem os seus relatórios sobre minas redigidos de 1853 a 1857, isto é, antes da organização da comissão geológica » (cf. Delgado, 1883, p.161).

Miguel Telles Antunes caracterizou os dois directores: « Ribeiro (sobretudo homem de terreno) e Pereira da Costa (mais devotado à investigação em gabinete)». Segundo este autor, os dois homens mantiveram uma excelente colaboração, mas o orgão que posteriormente veio a ser criado em substituição da Comissão Geológica - a Secção Geológica criada em 1869 - incluem outros nomes para além de Ribeiro e Nery, como Paul Choffat, Jorge Cotter, Wenceslau de Sousa Pereira, «e uma plêiade de estrangeiros, autores de valiosas obras, com ilustração da mais alta qualidade», no entanto Pereira da Costa não figura (Antunes, 2000, pp.68-69). 

A informação recolhida e sistematizada e algum conhecimento produzidos em torno da exploração de minas de cobre e da produção de cobre «à boca da mina» em Portugal desde meados do século dezanove emanaram do esforço de conhecer e controlar o espaço territorial e as suas actividades realizado por um orgão tutelar do Estado. Ao desenvolvimento dessa acção não terão sido alheias iniciativas de criação e estabilização de quadros, como a admissão em 1854 dos oficiais engenheiros da arma de engenharia (BMOP, Nº.8, Agosto, 1854, pp.74-75), ou de formação e organização do corpo de engenharia civil afecto ao Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, em Outubro de 1864, com as várias secções dos seus serviços técnicos: obras públicas, minas, águas e florestas, trabalhos geográficos e estatísticos, pesos e medidas, e telégrafos, ou ainda com os seus concursos para alunos bolseiros em França, na Escola de Minas (BMOP, N.º 9, Setembro, 1864, p.288), no esforço regenerador de um país que quer conhecer e controlar para se poder modernizar. Estes engenheiros estão no terreno, na verdadeira acepção da palavra: visitam minas, efectuam indagações, emitem pareceres sobre os pedidos de concessão, fazem estudos técnico-económicos, reconhecem dificuldades e apreciam a exploração destas. Redigem relatórios e elaboram as memórias que fazem o recheio dos catálogos que nos deram a conhecer por sua vez a outros países. 

Neste entretanto, como foi abordada a questão da produção de cobre e da sua exploração, por parte dos orgãos tutelares do conhecimento científico em Portugal, e que contribuição deram para a resolução dos variados constrangimentos a que esteve sempre sujeita a sua prática?

Reorganizada em 1851, de «cara lavada» com novo programa, e assente em outras bases, a Academia Real das Ciências de Lisboa saiu a lume em 1854, com a sua nova série de Memórias, divididas de acordo com as recém-criadas Classe de Ciências Morais e Políticas e Belas Letras, e Classe de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais. Foi nesta última que detivemos a nossa atenção. Paulatinamente, tomo a tomo, procuramos as referências ao cobre. No Tomo II, Parte I, 1857, localizamos de José de Aldama, sócio correspondente estrangeiro e 1.º engenheiro do corpo de minas de Espanha, o Informe sobre la minería de la Província de Málaga en 1848 y noticias geológicas de su suelo. Neste relatório, datado de 1849, o autor faz referências ao cobre (pp.22-23) como recurso mineral da região em causa, assim como à grafite, ferro, chumbo argentífero e níquel.

As memórias de Carlos Ribeiro (sócio efectivo da Academia) de 1853 a 1855, sobre as minas metálicas de Portugal aparecem por sua vez publicadas no ano de 1861 - assim como as respeitantes a terrenos antracíferos e carboníferos, e sobre as minas de ferro no distrito de Leiria, de 1857 – mas não há nada a respeito do cobre. Salientemos o facto de estarmos em presença de alguém (considerado o iniciador do conhecimento geológico em Portugal como já anteriormente referimos, com contribuições também para o desenvolvimento da paleontologia), não só detentor de um papel importante no reconhecimento das minas de S. Domingos e Caveira, como no processo de concessão das minas de Aljustrel à Companhia de Mineração Transtagana (1866/67), nas quais assumiu funções de direcção técnica a partir de 1874  (Alves,1996a, p.172). 

De 1863 a 1903 os tomos das «Memórias» desfilam num contínuo ausente de cobre. Em 1878, contudo, o sócio correspondente Joaquim Filipe Nery Delgado, em Terrenos paleozóicos de Portugal, faz referência aos «importantes relatórios do Sr. João Maria Leitão sobre o jazigo de S. Domingos, e dos Srs. Leitão, Neves Cabral e Kopke, sobre a mina de Aljustrel insertos no boletim do Ministério das Obras Públicas de 1861 a 1865, e o do Sr. Carlos Ribeiro sobre as minas de Aljustrel e do Sobral, publicado em 1873» (cf. Delgado, 1878, p.20).[16]

Outra publicação periódica da Academia das Ciências que foi alvo do nosso escrutínio, o Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, desde o Tomo I de Novembro de 1866 a Dezembro de 1867,  ao Tomo VI (2.ª Série) de Fevereiro de 1900 a Maio de 1902, revelou-nos muitos artigos no âmbito da Física e da Química, onde ressaltam especialmente António Augusto de Aguiar, Francisco da Fonseca Benevides, Miguel Ventura da Silva Pinto e Virgílio Machado (os dois últimos dedicando-se por inteiro à instrumentação e aparelhos de laboratório). José Júlio Bettencourt Rodrigues também escreve, sobre a fotografia e a fábrica de tinta de imprensa, e de Paris, Roberto Duarte Silva enviou também um artigo. Ao aproximar do fim do século, começam a surgir outros nomes: Luís Augusto Rebelo da Silva, Ferreira da Silva, Alberto Pereira Pinto de Aguiar, Aquiles Machado – é outra geração que chega. Localizamos até o artigo de Carlos Ribeiro, Breve notícia acerca da constituição física e geológica da parte de Portugal compreendida entre os vales do Tejo e Douro, de Agosto de 1869, os já referidos nas Memórias, de Nery Delgado, de 1878 e 1884, e um outro de 1879, do mesmo autor, Correspondance relative à la classification des schistes siluriens à Néreites découverts dans le sud du Portugal, mas sobre o cobre, nada.

Voltamo-nos agora para os Anais das Ciências e das Letras, igualmente publicados pela Academia. Os dois primeiros anos desta publicação, 1857 e 1858, oferecem-nos tanto estudos químicos do sebo da mafurra  como análises de águas, e desde memórias sobre porcelanas à produção de sulfato de soda no vulcão da ilha do Fogo. Curiosamente, no item «Revista estrangeira», a propósito da importância crescente da aplicação das técnicas de galvanoplastia, o cobre é finalmente assunto. Referia-se a notícia à invenção de um processo pelo qual se podiam revestir peças colossais, por esta técnica, e até «forrar mesmo um navio de cobre», assim deposto sobre um inducto aplicado a frio, que estabeleceria a separação entre os dois metais – o cobre do revestimento, e o ferro do navio (Corvo, 1856, p.48).

Mas nem mesmo o emergir industrial dos métodos eléctricos (por sua vez factor tecnológico da maior importância para o desenvolvimento da indústria do cobre do final do século dezanove) pressagia alguma mudança de atitude dos lusitanos orgãos do saber em relação às questões científicas e tecnológicas do cobre, a montante da sua produção (tanto ao nível da exploração mineira como de tratamento metalúrgico), e a juzante como  produto final,  que se começam a fazer sentir um pouco por toda a Europa. Nos anos seguintes o panorama é idêntico. O saber (com tradição) não quer saber do cobre.[17] 

Abreviaturas adoptadas:

BAHMOP: Biblioteca e Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações   

GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS  

Água-forte: ácido nítrico diluído 

Arriel : barra de ouro ou prata 

Cáscara: cemento enriquecido, contendo entre 68 a 80% de cobre 

Cementação (hidrometalurgia do cobre): parte do processo de obtenção de cobre, que consiste na sua passagem da forma de sulfato em solução para o estado metálico, mediante precipitação com ferro 

Cemento (cobre): produto obtido por cementação, constituído por uma mistura de cobre metálico, sulfato, sulfureto e óxidos de cobre e ferro, contendo em média 60% de cobre 

Cisalha: pedaço, fragmento de metal 

Copela: calote esférica revestida de material refractário 

Fieira: máquina utilizada no trabalho mecânico dos metais, que opera modificando-lhes o perfil, ou reduzindo-lhes a secção por estiramento 

Fornaça: forno de recoito, dispositivo que serve para aquecer, mas não fundir 

Forno de copela: forno de reverbero com soleira côncava 

Litargírio: óxido de chumbo 

Macuta: moeda provincial de cobre 

Pedra-de-toque: pedra siliciosa, muito dura, inerte face aos ácidos 

Plombagina: grafite 

Recoito: reaquecimento, recozer o metal 

Rilheira: molde para vazar o metal fundido 

Sacabocados: máquina de corte dos discos das moedas 

Telera (Teleira, em português): meda de minério assente sobre cama de mato, preparada para ustulação das pirites 

Terreiro: amontoado de minério queimado e terras destinado à lixiviação 

Ustulação: queima com intervenção do ar (o termo calcinação foi considerado inadequado para esta situação, se bem que muitas vezes fosse usado em seu lugar).

 


[1] Informações mais detalhadas sobre as concessões mineiras atribuídas entre 1855 e 1890 são fornecidas nas pp.115-117 da obra citada. 

[2] Esta designação foi originalmente atribuída à vasta área geográfica do Sul da Península Ibérica, com cerca de 250 Km de comprimento e 30 a 50 Km de largura, onde são conhecidas dezenas de minas, cuja mineralização principal é a pirite. A Faixa Piritosa Ibérica constitui o maior distrito mineiro europeu para metais básicos e certamente, um dos maiores do mundo. Calcula-se que se tenham gerado em toda a Faixa mais de 1300 milhões de toneladas de minério. As reservas de minério conhecidas na parte portuguesa rondam os 350 milhões de toneladas, em grande parte associadas às minas de Aljustrel e Neves-Corvo  (Oliveira e Oliveira, 1996, pp. 9  - 11). 

[3] Este autor considera a existência de conceitos processuais genéricos da história industrial das pirites. A «grosso modo» coerentes com uma sequência cronológica, é possível, com eles, tentar esquematizar uma história industrial do conjunto denominado por «pirite». Os conceitos processuais apresentados por Leal da Silva são quatro:

 1.º conceito: explorações iniciais limitadas aos «chapéus de ferro» e a filões de sulfuretos superficiais, visando a produção de metais preciosos e cobre, em pequenas unidades locais;

2.º conceito: exploração intensa dos jazigos reconhecidos, para produção de cobre e metais preciosos, com a criação de verdadeiros centros mineiros e a implementação de reais indústrias metalúrgicas;

   3.º conceito: utilização do enxofre;

   4.º conceito: aproveitamento integrado. (Silva, 1981, pp.4 -7)

Este último conceito, mais recente no tempo, visava a obtenção da capacidade útil deste minério, extraindo-se tanto a sua parte metálica (principalmente o cobre) como a não-metálica (enxofre). 

[4] Para um melhor conhecimento da influência da exploração das pirites ibéricas na indústria química e metalúrgica da Grã-Bretanha veja-se por exemplo, ( informações bibliográficas cedidas pelo Dr. Robin Mackie, Department of History of Science and Technology, Faculty of Arts, The Open University ) de S. G. Checkland – The Mines of Tharsis. London, 1967, ou  A. Slaven and S. Checkland (ed.) – Dictionary of Scottish Business Biography, 1860 – 1960. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1988, esta última, referência na qual nos baseámos para o parágrafo a seguir, no corpo central do texto. 

[5] Em 1859, o Conselheiro Serpa Pimentel, na altura ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria chamou-o finalmente para a administração, nomeando-o membro do Conselho de Minas e inspector geral de minas. Tarde de mais para S. Domingos? 

[6] Consulte-se para informação relativa à constituição da Sociedade Geral de Produtos Químicos, e início de actividade da sua fábrica na Póvoa de S. Iria, o processo em BAHMOP. Arquivo Histórico. Direcção - Geral do Comércio e Indústria. Repartição do Comércio e Indústria, 1.ª Secção – Sociedade Geral de Produtos Químicos, Lisboa, 1859-1862. Para este texto em particular, utilizamos os documentos [ Estatutos da Sociedade Geral de Produtos Químicos ] de 1859,  e  Relatório do Conselho de Administração da Sociedade Geral de Produtos Químicos, de 5 de Julho de 1860 [ documento relativo ao ano de 1859 ]. 

[7] Para um maior apuro sobre a questão, sugerimos a leitura da já referenciada obra de Ana Maria Cardoso de Matos, Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Industrial no Portugal Oitocentista, especialmente pp.59 – 63 e pp.66 – 67, que aliás, fornece elementos suficientemente elucidativos da notoriedade das duas figuras. Pela nossa parte, queríamos deixar referido que foi Sebastião Betâmio de Almeida, a personalidade escolhida para substituir Júlio Máximo de Oliveira Pimentel na propriedade da 7.ª cadeira, Química aplicada às artes, no Instituto Industrial de Lisboa. Oliveira Pimentel  inaugurou-a já o dito Instituto entrara em funcionamento regular  (após 1854/1855), e pediu a  respectiva exoneração em 1858; pelo pouco tempo que permaneceu como responsável, podemos sem grande possibilidade de erro afirmar, que Betâmio de Almeida deverá ter sido o seu primeiro lente,  falando em termos práticos e não literalmente. 

[8] O mesmo autor considera igualmente que este fenómeno se deve relacionar desde logo com as características empresarias, técnicas e socio-económicas herdadas pelos ingleses da Revolução Industrial Britânica ( 1996, p.175 ). 

[9] Este facto mereceu, inclusivé, uma referência em Curso Elementar de Ciências Físicas e Naturais para uso dos liceus. Mineralogia, manual de 1868, elaborado pelos lentes de Química da Escola Politécnica, António Augusto de Aguiar ( ?, 1838  - Lisboa, 1887), catedrático da 6.ª cadeira, Química Mineral, e José Júlio Bettencourt Rodrigues ( Goa, 1843 – Lisboa, 1893), lente substituto. Naquele que consideramos, à falta de outros elementos e de uma pesquisa que - reconhecemos - deverá ser mais exaustiva, o primeiro manual elaborado especialmente para a disciplina de Princípios de Física, de Química e de Introdução à História Natural, (re)instituída em 1854, em plena Regeneração, por Rodrigo da Fonseca Magalhães, de início só nos liceus Coimbra e do Porto, mas com possibilidades de extensão aos restantes liceus do país (Carvalho, 1985, p.594), já se abordava o tópico “Riquezas minerais de Portugal; estado presente da indústria mineral portuguesa”, entre outros «consagrados», como “Definição de mineralogia em geral; Definição de minerais; Caracteres mineralógicos; Definição de tipo mineralógico e espécie mineral; Descrição de algumas espécies minerais mais notáveis ...”. Timidamente colocado em último lugar no índice, sem direito a constituir uma classe, ainda assim, é assaz interessante a introdução de um assunto desta natureza. Referem os autores no fim do seu texto: «...mas S. Domingos é a primeira, pelo seu valor actual; podem citar-se entre outras a de Aljustrel, no Alentejo, e Telhadela, no distrito de Aveiro» (cf. Aguiar e Rodrigues, 1868, p.38). 

[10] Jorge Custódio refere por seu turno: «a ele se deveu, em nome da Empresa La Sabina (...) as primeiras construções mineiras da Serra de S. Domingos registadas nas plantas de 1857, tendo como apoio uma pré-existência construída, junto à Ermida de S. Domingos» (Custódio, 1996a, p.201). 

[11] Em 1868, um terceiro projecto de lavra foi apresentado, a acrescentar aos outros dois já aprovados e em vias de execução. Na sua exposição, Mason refere-se a este como « um método suplementar para acrescentar esses produtos [os da mina de S. Domingos] ». Acrescentar esses produtos significava o assumir da produção de cemento de cobre a uma escala que justificasse tanto o pagamento de taxas  por um lado, como o acesso a contribuições por parte da Fazenda, por outro. O método proposto não era outro senão o de cementação natural, se bem que, ao contrário do que mais tarde chegaria a ser efectivamente implantado, estava concebido para ser executado num piso novo subterrâneo que se abriria para esse fim. A água  para as regas seriam sucessivamente elevadas pela bomba de esgoto e despejadas sobre o maciço de pirite, que por ter teores cupríferos demasiado baixos para admitir outros tratamentos senão os «mais grosseiros e menos dispendiosos», pouca ocasião teria para «ser valorizado durante a geração actual» (cf. Sequeira, 1883, pp. 498 – 502). 

[12] Um escalonamento de minério, baseado no método colorimétrico, em termos de teores decrescentes em cobre permitia considerar os mais ricos com valores iguais ou acima de 6 partes percentuais. Os teores médios situavam-se entre 4 e 6, e os pobres abaixo de 4 % ( Rúa Figueroa, 1968, p.11). 

[13] Elementos recolhidos em LOPEZ PIÑERO, José M.  et al. – Diccionario histórico de la Ciencia Moderna en España, Vol. II. Barcelona, ediciones península, 1983, p. 268; Pinedo Vara, 1963,  p.117;  Maffei, 1877, p. 261 

[14] Cf. Monteiro e Barata, 1888, p. 100. Rúa Figueroa tem uma vasta bibliografia, indicada por exemplo em Apêndice ao já referido livro comemorativo do Centenário da Escola de Minas em Espanha. Refere-se igualmente mais bibliografía importante, desta feita em colaboração com Eugenio Maffei (também engenheiro de minas), nas obras La mineria hispana e iberoamericana, considerada repertório fundamental para a investigação histórica na matéria e ainda em outras afins, e Apuntes para una Biblioteca Española de libros, folletos y artículos, impresos y manuscritos, relativos al conocimiento y explotación de las riquezas minerales y a las ciencias auxiliares, 2 vols., Madrid, J. M. Lafuente, 1871-1872 (López Piñero et al., 1983, p. 268). 

[15] Uma outra fonte permite avançar outra hipótese para o início do funcionamento regular da Achada do Gamo: ao apresentar dados respeitantes a quantidade de minérios, Sequeira refere que entre 1864 e 1872 se tinham gasto 6.112 toneladas para experiências metalúrgicas, e que em 1873 tinham movimentado 22.439 toneladas para tratamento definitivo (Sequeira, 1883, p.193). Consideramos assim muito admissível que o tratamento de minério pobre em regime contínuo na Achada do Gamo se tenha iniciado apenas em 1873 e não em 1870, como Monteiro e Barata indicam em Catálogo..., 1889, p. 81. 

[16] A referência completa deste relatório, conforme a fornece Jorge Custódio na bibliografia dos seus  trabalhos In  Miguel Rego (1996) – Mineração no Baixo Alentejo, de 1996, p.228, é : RIBEIRO, Carlos, ANDRADE, Eduardo Carneiro, e AGUIAR, A. A.  Relatório sobre as minas de pirite de ferro cúprico das cercanias da Vila de Aljustrel e das Minas de Sobral. Lisboa, Typ. Lallemente Frères, 1873.  

[17] Verificamos contudo  no Jornal da Associação Industrial Portuense, logo no seu  primeiro ano, 1852, o título Metalurgia do Cobre, seguindo-se a passagem que transcreve-mos na íntegra:  «Estando descobertas, em Portugal, algumas minas importantes de cobre; e aparecendo, em diferentes regiões, indícios de que este precioso metal abunda no nosso país, pareceu-nos que uma compilação judiciosamente substancial, e posta ao alcance de todas as inteligências, sobre – a metalurgia do cobre – seria obra apropositada, e interessante para os industriais, ou capitalistas, que se aplicam a esta especialidade: e cujas ocupações ordinárias dificilmente se compadecem com o trabalho de procurar esclarecimentos derramados em muitos livros» (Almeida, 1852, p.9).

A constatação da existência de um objectivo, claramente instrutivo, de escrita sobre este metal no início da «regeneração» mineira em Portugal, numa fonte periódica de carácter menos instituído ( se assim podemos denominar algo que não se forma dentro dos cânones tradicionais, como as publicações da Academia das Ciências de Lisboa ), relança, por assim dizer, o tema, agora em novas frentes.  Devemos realçar também que o Jornal em causa assumiu, logo no seu primeiro tomo, um plano muito completo de Instrução Industrial, no qual se inclui, precisamente o tema da Metalurgia do Cobre, e se constituiu uma Comissão tecnológica, nomeada pela direcção da Associação, dividida em várias secções, entre as quais figurava a VI – Geologia, mineralogia, metalurgia, que compreendia os seguintes temas: Poços artesianos, Sondagens; Pesquisa e lavra de minas; Análise de Minerais; Dosagem, extracção, ligas, preparações diversas, e conservação dos metais; Afinação dos metais preciosos.