A QUÍMICA NA ACADEMIA POLITÉCNICA DO PORTO (1837 a 1868) (fim)
5.2. O novo Laboratório de Química
6. A década de 60 na Academia Politécnica - outra instituição e outra cadeira de Química?
6.1. A reforma dos estudos de 1861 e suas consequências sobre a 9.ª cadeira
6.2. O projecto do Paço dos Estudos do Porto
7. A Joint-venture entre Academia Politécnica e Escola Industrial do Porto
NOTAS
5.2. O novo Laboratório de Química

Como já vimos, a instalação da Escola Industrial no edifício do Colégio da Graça implicou, para a Química, uma partilha de espaços didácticos, entre este estabelecimento e a Academia. Uma das primeiras medidas tomadas nesse sentido, em Julho de 1853, pelo director da Academia, colocou à disposição do lente de Química da nova Escola a própria sala de aula de Química e o seu laboratório, para que neles o dito professor fizesse as suas prelecções a horas não concorrentes com as da Academia. No ofício que enviou ao ministro, o director da Academia abria ainda a hipótese de se poderem realizar algumas obras de forma a estabelecer-se um laboratório e aula unicamente para serem utilizados pela Escola Industrial, mas a determinação que algum tempo depois, em Maio de 1854, chegou da parte da tutela, para que o Laboratório de Química (assim como o Gabinete de Física) fosse o mesmo para as duas instituições (BASTO, 1937, pp.274-275), veio definitivamente consolidar a solução de «Laboratório-único», que funcionou para as instituições em causa entre uma a duas décadas ainda.

Conforme relata Ferreira da Silva, «Depois de algumas obras que se fizeram no edifício para o estabelecimento daquela Escola, o laboratório passou para uma sala contígua à aula de física e química (...) era mais amplo o local, mas ainda defeituoso para o fim, e a penúria de material subsistia na mesma». Ainda assim, a Academia tirava algum partido desta situação, com vantagens evidentes em relação ao estado anterior, conforme relata o mesmo autor: «o preparador da Academia socorria-se, com prévia autorização, ao material do Instituto Industrial, então rico em relação ao da Academia, para realizar as operações mais triviais e algumas manipulações para o curso» (cf. SILVA, 1893, p.9).

Não obstante a precariedade da situação, este novo espaço laboratorial para a Química - situado no andar nobre, e contíguo a uma sala para ensino da Física e da Química (BASTO, 1937, p.275) - era ainda o que existia aquando da inspecção extraordinária de 1864, realizada à Academia Politécnica por José Maria de Abreu, e que na altura lhe observou uma evidente insuficiência, não só para as grandes preparações da Química Industrial, como até para os variados processos práticos «correntes» para apoio à Química teórica, ou para os delicados ensaios e análises químicas, de que davam sobeja prova «o limitado número e pouca importância das operações químicas que durante o ano lectivo ali se fazem, consistindo pela maior parte na repetida extracção de alguns gases e outras substâncias das mais vulgares, e na preparação de algumas ligas» (cf. ABREU, 1865, p.43).

Entretanto, provavelmente na sequência da perda de José António Aguiar, fora pedido pelo Conselho Académico, em meados de 1853, um lente substituto privativo para a aula de Química e um guarda preparador para o laboratório, mas a primeira pretensão não foi atendida, e a segunda apenas em 1858 teve concretização, com a nomeação de Manuel Nepomuceno18. Por outro lado, continuava-se a insistir, sem resultado, na instalação do Laboratório de Química na igreja e claustro do extinto Convento das Religiosas Carmelitas (BASTO, 1937, p. 273 e p. 283).

Sem a dedicação de Aguiar, e sem os préstimos de um preparador, Joaquim de Santa Clara Sousa Pinto enfrentou, até 1857, a dura realidade de uma cadeira sem meios. Ao nível da prática, as dificuldades maiores prendiam-se com as análises (fundamentalmente toxicológicas) que amiudadamente eram solicitadas ao responsável da 9.ª cadeira por entidades oficiais. Já antes do falecimento de Aguiar, em 1848, era afirmado que sem preparador para o laboratório se tornava muito difícil para o lente assegurar a realização das análises, principalmente aquelas que eram requisitadas pela autoridade judicial. Alguns anos mais tarde, em 1853, era o próprio Santa Clara a observar: «não sei, nem posso compreender a razão por que sobre o Laboratório da nossa Academia, para o qual o Governo não tem dado um ceitil, hão-de carregar tantas e tão repetidas análises toxicológicas, enquanto que os Laboratórios de Coimbra e Lisboa, que tão bem sortidos se acham, e tem tantos meios à sua disposição, estão sempre às moscas, como é costume dizer-se» e rematava com ironia: «Se sua S.ª entende que tais análises se podem fazer só com um fogão, um abano, carvão, carqueja, lumes prontos, panelas de folha e tubos de vidro, tudo isso a Academia lhe pode fornecer, mas eu entendo (talvez mal) que isto não basta, e que são necessários outros aparelhos e utensílios de mais subido valor; e esses, repito, nem a Academia os tem, nem tem dinheiro para os comprar, porque o Governo de Sua Magestade lhos não tem dado, apesar das reiteradas instâncias dela» (cf. PINTO apud BASTO, 1937, p.295).

Em 1857 discutia-se na Câmara dos Deputados um projecto lei da Comissão da Fazenda (assinavam o projecto Manuel da Silva Passos, José da Silva Passos, Barão de Almeirim, Luis Augusto Rebelo da Silva, Faustino da Gama, António Cabral de Sá Nogueira, Augusto Xavier da Silva, Joaquim Honorato Ferreira) relativo à inclusão no Orçamento de uma pequena verba destinada a urgentíssimas obras na Academia19. O projecto defendia a concentração da maioria dos estabelecimentos científicos, literários e artísticos no mesmo local onde estava instalada a Academia, e propunha a soma de 4.000$000 de reis, relativa ao ano económico de 1857-1858, para a continuação das obras do edifício em questão. A quantia foi aprovada, e até passou a figurar nos orçamentos posteriores, mas passaram-se ainda alguns anos, até que a Academia começasse a receber as verbas para dar início aos trabalhos - mediante um plano de reconstrução de Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa - que foram autorizados pelo governo em Setembro de 1863. Concluída a reconstrução, mediante esse plano, haveria condições para acomodar no denominado Paço dos Estudos do Porto, as Academias (Politécnica e de Belas Artes), a Escola Industrial e a Biblioteca Pública (BASTO, 1937, pp. 296-306). No ano de 1857 foi ainda concedida a quantia de 1.100$000, numa iniciativa de Manuel e José da Silva Passos, sendo Fontes Pereira de Melo o ministro do Reino, para conservação e aperfeiçoamento dos estabelecimentos dependentes da Academia. Consultado o Conselho Académico, este decidiu que o dinheiro seria repartido pelo Laboratório Químico, Gabinete de Física, Museu Histórico Natural, Jardim Botânico, Aula de Desenho, Gabinete de Instrumentos Astronómicos, Náuticos e Topográficos, e foi por intermédio desta maquia que se pode apetrechar estes estabelecimentos em instrumentos e máquinas, por encomenda feita a uma firma francesa, no valor de 870$000 (BASTO, 1937, p.308). Foi praticamente também no ano de 1857 que se concluíram as obras para melhoramento e ampliação do Laboratório de Química, devido à já referida acomodação da Escola Industrial. De toda a forma, isto não impediu que o lente da cadeira de Química disponibilizasse parte dos seus ordenados para a compra de certos objectos científicos, para os quais não bastavam os meios oferecidos pelo governo.

Os anos 60 introduzem-se com a exigência governamental de uma reforma no plano geral dos estudos para a Academia Politécnica. A reacção imediata da instituição traduziu-se numa representação ao rei, falando não só na urgente restituição da 6.ª cadeira, como também na necessidade de se criarem outras: uma cadeira de Mecânica e suas Aplicações com especialidade às Máquinas de Vapor; uma de Geologia, Mineralogia e Arte de Minas; uma de Agricultura, e finalmente, uma de Química Orgânica e Análise Química (BASTO, 1937, pp.327-328). Estas reivindicações só bastante mais tarde serão (parcialmente) atendidas, pela Reforma Geral de Instrução Pública, decreto de 31 de Dezembro de 1868, que pelo Artigo 35.º, estabeleceu na Academia as cadeiras de Mecânica e de Química Orgânica, e autorizou, junto com a supressão de alguns dos seus cursos, a frequência dos Preparatórios para a Escola do Exército e para a Escola Naval, (finalmente validando-os face à Escola Politécnica) no culminar do agitado e prolongado processo de reorganização da Academia, de que nos vamos ocupar no item seguinte.

6. A década de 60 na Academia Politécnica - outra instituição e outra cadeira de Química?
6.1. A reforma dos estudos de 1861 e suas consequências sobre a 9.ª cadeira

Em 8 de Julho de 1860, uma portaria do ministro do Reino, o Marquês de Loulé, instava ao director da Academia, João Baptista Ribeiro, a propor ao Conselho Académico, a reforma do anterior programa, de 1838, «caducado» face ao número de anos em que vigorara, e aos desenvolvimentos e progresso que entretanto se verificara nas Ciências.

A Comissão de Lentes que o Conselho designou especialmente para este fim, apresentou um projecto de reforma que se aprovou em 18 de Maio de 1861, e foi entregue ao governo em Junho/Julho desse mesmo ano. Face à prolongada demora verificada na resposta, a Academia Politécnica considerou o novo programa oficialmente em vigor em 15 de Abril de 1863. A partir daqui, e apesar da ausência de aprovação do governo, passou efectivamente a funcionar, na Academia, o Programa de 1861 proposto pela Comissão de Lentes.

Segundo esta proposta, os cursos da Academia passavam a ser: I – Engenheiros Civis (1.º De Minas; 2.º De Construtores de Navios; 3.º Geógrafos; 4.º De Pontes e Estradas); II – Directores de Fábricas; III – Pilotos; IV – Comerciantes; V – Agricultores; VI – Artistas; VII – Preparatórios para Oficiais do Exército e da Marinha (compreendendo o 1.º, De Oficiais de Estado Maior e Engenharia; 2.º, De Oficiais e Artilharia e 3.º, De Oficiais de Marinha); VIII – De Aspirantes a Oficiais e IX – Preparatório da Escola Médico-Cirúrgica. Tinha sido suprimido o curso de Oficiais da Marinha, alargado o Preparatório para Oficiais do Exército também à Marinha (desaparecera entretanto o curso preparatório de Oficiais da Infantaria e Cavalaria que constava do Programa de Ensino para 1838-1839), e oficialmente acrescentados os de Aspirantes a Oficiais e o Preparatório para a Escola Médico-Cirúrgica.

De acordo com a fonte consultada, a distribuição das matérias por cada cadeira terá sofrido profundas alterações, em relação à situação apresentada no programa de 1838 (BASTO, 1937, pp.341-342). No entanto, apesar de estas poderem ser perceptíveis, no documento em questão, para muitas das cadeiras, o facto é que para a Química, nos quedamos unicamente com a indicação do livro de texto adoptado, que é realmente outro - Girardin, “Leçons de Chimie Élémentaire appliquée aux Arts”, 4.ª edição, de 1860 - e que, como já aqui o afirmámos, deverá representar um outro paradigma para a Química, se bem que ainda básica, mas agora para a Indústria, quando antes, com o Lassaigne, se destinava à Medicina, à Farmácia e à História Natural.

A reforma preconizada pela Academia Politécnica trazia reforçada a influência da Química sobre as formações envolvidas, nitidamente comprometida com o mais alto nível. Distribuída por quase todos os planos de estudo do novo programa, a 9.ª cadeira (completa) passava a ter uma incidência total nos cursos denominados de «instrução superior»20, e fazia ainda uma incursão num «não-superior», o de Artistas. Estavam assim nesta situação sete dos cursos da Academia, a saber: de Engenheiros de Minas, de Engenheiros de Pontes e Estradas, de Directores de Fábricas, de Agricultores, de Artistas, todos os Preparatórios para o Exército e para a Marinha (de Oficiais de Estado Maior e Engenharia; de Oficiais de Artilharia, e de Oficiais de Marinha), e o curso Preparatório da Escola Médico-Cirúrgica. O curso de Engenheiros Geógrafos incluía apenas a parte da cadeira relativa à Química Mineral, e os restantes - curso de Pilotos, curso de Comerciantes, e curso de Aspirantes a Oficiais – não dispunham da 9.ª cadeira nos seus currículos.

Da forma como as matérias da 9.ª cadeira foram adequadas aos dois níveis em questão, é algo que podemos inferir a partir da constatação feita por José Maria de Abreu, membro do Conselho Geral de Instrução Pública, incumbido da inspecção extraordinária à Academia Politécnica em 1864, de que a solução por divisões estabelecida no “Regulamento para os Actos” de 1839 (v. tópico 2. deste trabalho, pp.3-4) nunca fora realmente assumida no funcionamento da instituição, facto que podemos verificar pelas suas próprias palavras, ao referir-se à: «confusão que há nas matrículas feitas sem atenção às divisões ou cursos que os alunos por interesse próprio não declaram, e que o director da academia lhes não exige, como era do seu rigoroso dever». A situação era tal que: «a matrícula nas cadeiras comuns a diversos cursos se fazia indistintamente para todos os alunos sem diferença alguma de classe ou categoria, podiam matricular-se na mesma aula tanto os que tinham todos os preparatórios para os cursos superiores, como os que apenas estavam habilitados para o curso de pilotos ou de artistas; e do mesmo modo eram admitidos aos exames no fim do ano» (cf. ABREU, 1865, p. 47; 49). Apesar de tudo, os professores tinham adoptado um esquema prático de distinção dos alunos mediante as classificações nos actos, e que se reduzia à «arrumação» destes pela primeira ou pela segunda classe conforme o resultado obtido, com consequência directa no destino (superior ou não superior) autorizado. Esse sistema era porém, considerado ilegal, e permitia que se habilitassem com exames de primeira classe (e portanto pudessem aceder a cursos superiores) alunos a quem faltavam os preparatórios exigidos para esse nível (ABREU, 1865, pp.64-65).

Podemos concluir assim, que a 9.ª cadeira é, em teoria, igual para Engenheiros ou Directores de Fábricas, e para Artistas. E falamos em teoria, porque na prática, há algumas evidências de que o curso de Artistas era muito pouco frequentado, de acordo ainda com informações fornecidas pelo mesmo relator21 (ABREU, 1865, p.46), significando isto, que afinal, era o número de frequências que acabava por regularizar a situação, e definir o nível de ensino adequado.

Em meados da década de sessenta, a população estudantil da cadeira de Química era por isso, na prática, destinada aos cursos superiores, fundamentalmente ao de Engenharia de Pontes e Estradas e ao Preparatório da Escola Médico-Cirúrgica, uma vez que eram essas as maiores afluências de estudantes na Academia Politécnica. De toda a forma, não deixa de ser especialmente pertinente esta possível transversalidade22 da 9.ª cadeira em relação aos níveis de ensino.

O muito esperado parecer do Conselho Geral de Instrução Pública sobre o projecto de reforma preparado pela Comissão de Lentes da Academia, esmagadoramente representada pelas ciências físico-naturais (a Comissão era constituída pelos lentes Joaquim Torcato Álvares Ribeiro, da 5.ª cadeira – Astronomia, Geodesia, Navegação, Aparelho e Manobra Naval; José de Parada e Silva Leitão, da 8.ª - Física e suas principais aplicações; Adriano de Abreu Cardoso Machado, da 12.ª - Economia Industrial ; Arnaldo Anselmo Ferreira Braga, da 7.ª - Zoologia, Mineralogia, Metalurgia e Lavra de Minas, e António Luís Ferreira Girão, substituto da secção de Filosofia) surgiu finalmente em 21 de Julho de 1863. Sobre o conteúdo deste parecer encontram-se duas teses de interpretação diametralmente opostas, uma com sede na própria instituição académica, outra, do órgão consultivo, veiculada por um dos seus membros.

A primeira interpretava o documento concluindo que a ideia base que regia as propostas da tutela de modificação dos cursos da Academia, era reduzi-la na prática à dimensão de escola de nível elementar ou quanto muito, secundário: «A tese do Conselho Geral era, em síntese, que a Academia Politécnica tendo sido criada com o fim especial do ensino das ciências industriais, e não lhe tendo sido dados os elementos necessários para ensinar mais do que as artes e os ofícios, a isto ou a pouco mais devia limitar as suas pretensões» (cf. BASTO, 1937, p.348).

A segunda, pelo contrário: «considerara esta academia como escola superior, e entendera por isso que nos mesmos cursos e nas mesmas cadeiras não podia professar-se o alto ensino da engenharia civil nos seus mais importantes ramos, e a instrução elementar do simples artista» (cf. ABREU, 1865, p.22). Baseando-se num estudo que não se limitava ao exame sumário das matérias compreendidas no programa, e à sua distribuição pelos diferentes cursos e cadeiras (BASTO, 1937, pp. 347-348), o Conselho Geral procurava resolver esta incompatibilidade, propondo eliminar da Academia tanto alguns cursos de nível «não superior» - em seu entender muito melhor defendido por outras instituições de ensino que entretanto tinham sido criadas, como a Escola Industrial do Porto - como outros superiores como o de Engenheiros de Pontes e Estradas, Engenheiros Geógrafos, e Engenheiros Construtores de Navios. A proposta do Conselho Geral mantinha, porém, do projecto da Comissão de Lentes da Academia, os cursos de Engenheiros de Minas, de Directores de Fábricas, de Comerciantes, de Pilotos, os Preparatórios para Oficiais do Exército e da Marinha, e o Preparatório para a Escola Médico-Cirúrgica, ainda que com algumas modificações (ABREU, 1865, p.22).

Daqui podemos constatar que pelo menos numa primeira análise, ficava mais da Academia do que simplesmente a sua componente de «Artes e Ofícios». Mas efectivamente, a parte mais marcante da sua formação superior, a Engenharia Civil, ficava drasticamente reduzida a uma única especialidade, a Engenharia de Minas. Por outro lado, o curso de Directores de Fábricas continuava, mas esse era dos tais que nunca chegara a ter alunos (ABREU, 1865, p.67). Outro curso superior, o de Agricultores, era eliminado, face á existência de um ensino agrícola, com estabelecimentos apropriados, desde o início da década de 50. Em termos práticos, o que o parecer do Conselho Geral implicava era um corte substancial numa das «metades operacionais» da Academia – a da formação de Engenheiros, a outra como já vimos, era a da formação preparatória para a Escola Médico-Cirúrgica – e uma efectiva descida de nível com perda de identidade, uma vez que das duas era essa, e não a outra, a única proposta verdadeiramente original de formação da Academia Politécnica.

As duras críticas a este parecer, e a forte reacção que se estendeu rapidamente a toda a população do Porto, saltando para as páginas dos periódicos locais, e justificando até uma enérgica representação da Academia Politécnica ao poder real, em nosso entender, ilustram o choque que a ideia da «nova» Academia provocou, e os receios mais profundos de se estar em presença de uma manobra para extinguir este estabelecimento do Porto, receios que já tinham «passado histórico», com o projecto lei apresentado por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, à Câmara dos Deputados, em Fevereiro de 1854, onde eram propostas as bases para a reforma dos estabelecimentos de Instrução Superior do país23.

De toda a forma, a proposta de reforma na base do parecer do Conselho Geral de Instrução Pública foi «engolida», com a forte contestação que se fez sentir na cidade do Porto. Mas a inspecção extraordinária à Academia Politécnica, solicitada pelo Conselho Geral, como necessária para (re)apreciação do pedido anteriormente feito pelo Conselho Académico em 1860, para a criação das cadeiras de Mecânica, Geologia, Química Orgânica e Análise Química, para além do restabelecimento da 6.ª, porém, permitiu o espaço de diálogo entre tutela e instituição de ensino. Nomeou-se para tal, um membro do Conselho Geral, José Maria de Abreu, que mediante um contacto extenso com a instituição e os seu corpo docente, realizou um trabalho acurado de observação e análise do seu funcionamento, e conseguiu finalmente uma solução consensual para o destino a dar à organização dos seus cursos. Terá contribuído para o sucesso da sua intervenção o facto de este ter assumido, em nome do governo, que a reforma da Academia não implicaria nunca a perda da categoria e vantagens de estabelecimento de instrução superior que era (BASTO, 1937, p.363).

No final da sua intervenção, Abreu tinha obtido o «agreement» do Conselho Académico para a supressão dos cursos de Artistas, de Agricultores, de Directores de Fábricas, de Engenheiros Geógrafos e Engenheiros Construtores. Ficavam então de pé os seguintes cursos: Engenharia Civil24; Engenharia de Minas; Comércio; Pilotagem, e ainda os Preparatórios para as Escolas Médico-Cirúrgica, do Exército e Naval. Não foi, no entanto, exactamente esta a versão que se oficializou: poupando todo o sector das «Engenharias», o decreto de 31 de Dezembro de 1868, que reformou a Instrução Pública, apenas eliminou do plano dos cursos da Academia (segundo a lei orgânica de 1837) o 2.º de Oficiais de Marinha, o 5.º, de Agricultores, o 6.º , de Directores de Fábricas, e finalmente o 7.º, de Artistas. E mesmo esta nova proposta não durou o tempo suficiente para que alguma alteração significativa criasse raízes, uma vez que a 2 de Setembro de 1869 uma determinação régia mandava suspender a reforma da Instrução Pública em causa. Gorado todo o trabalho prévio para reformar a Academia, esta encontrava-se assim, no limiar da década de 70, igual ao que era antes – uma instituição «à espera».

6.2. O projecto do Paço dos Estudos do Porto

Paralelamente à reforma do plano de estudos, a Academia Politécnica conheceu, durante este período, uma reforma importante nas suas acomodações. Como já referimos anteriormente, ao longo do tempo foram sempre surgindo «demarches» no sentido de se reformar, mais ou menos profundamente, as instalações da Academia, mediante a continuação das obras para o acabamento do edifício. No entanto, o andamento do processo em questão só ganhou outros contornos, quando ao problema da necessidade urgente de melhoramentos na Academia Politécnica, se juntou a conveniência de se reunir a maioria dos estabelecimentos científicos, literários e artísticos do Porto no mesmo local, sendo esse local, claro, o edifício onde a Academia estava alojada.

A conclusão das obras da Academia Politécnica tinha visto a sua hora adiada, quando o imposto especial que se tributava ao município do Porto para acorrer às despesas de alocação do estabelecimento de ensino (ainda Academia Real de Marinha e Comércio) fora incorporado no rendimento geral do Estado, em 1832, e a esperada contrapartida em indemnização não chegou (BASTO, 1937, p. 296). Mas em 1857 essa situação foi ultrapassada, mediante aprovação de um projecto lei apresentado pela já referida Comissão da Fazenda (v. tópico 5.2. deste trabalho), relativo à inclusão no Orçamento do Estado de uma pequena verba para obras na Academia.

Por determinação da tutela, foi então nomeada uma Comissão de Lentes da Academia Politécnica para que procedessem ao projecto, direcção e fiscalização das obras de conclusão do edifício, não perdendo de vista a finalidade de nele se pretender a acomodação de todos os estabelecimentos científicos do Porto. Como a proposta que saiu desta primeira comissão não foi aprovada, o governo decidiu nomear uma outra, a 31 de Dezembro de 1860. O relatório do exame realizado pelos seus elementos – o governador civil, que servia de presidente, Miguel do Canto e Castro; os directores das Obras Públicas, Luís Vítor Silves, da Academia Politécnica, João Baptista Ribeiro, e da Escola Industrial, José de Parada e Silva Leitão (interino), e dois vogais, um de cada um dos estabelecimentos envolvidos, escolhidos pelo respectivo Conselho; pela Academia fora escolhido o lente substituto da secção de Filosofia, António Luís Ferreira Girão - para avaliação do estado do edifício, dá-nos um quadro vivido das carências encontradas: «As salas de aula são em tão pequeno número, que se torna muito difícil a combinação das horas para harmonizar as lições dos diferentes cursos; a sala, chamada dos exames, e que serve para as sessões solenes da academia, como são a abertura dos cursos, a distribuição dos prémios, e os concursos públicos para o provimentos das cadeiras, é nos termos ordinários, dividida em duas por um tapamento de lona a fim de aumentar o indispensável número das aulas; a secretaria está, por assim dizer, num corredor de passagem, com grave prejuízo dos trabalhos desta repartição; a biblioteca é o lugar único, mas impróprio, onde se reúnem os lentes enquanto esperam as horas das aulas, ou quando não saem logo que elas terminam; e os poucos instrumentos de física e objectos da história natural, que possui a academia, acham-se amontoados em pequenas estantes. É escusado dizer mais, para demonstrar a v. ex.ª a urgência da obra» (cf. CASTRO et al., 1887, pp.94-95). Estando as plantas e cortes referentes ao projecto de obras para o edifício da Academia a cargo do lente Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa concluídas, no início de 1863 era enviado ao governo o “Plano geral de todas as obras”, orçadas em 234.929$550 reis, feitas as quais haveria acomodações no edifício, o Paço dos Estudos do Porto, não só para as duas Academias (Politécnica e de Belas Artes), mas também para a Escola Industrial e Biblioteca Pública. Em Setembro de 1863, o governo autorizava o início dos trabalhos, e mandava por à disposição da Academia a soma de 8.000$000 reis incluída no orçamento de 1862-1863 e 1863-1864 (BASTO, 1937, p.306).

Segundo este plano, a Academia ocupava todo o quarteirão voltado a norte (fachada principal) bem como uma parte dos quarteirões oriental e ocidental. As acomodações projectadas para a Química - aula, laboratório, gabinetes para o lente e preparador, pertença comum da Academia e da Escola Industrial - traduziam-se por quatro salas no pavimento térreo (v. figura abaixo), que para além desses espaços era ainda constituído por uma grande sala para alojar o navio que servia à explicação das lições de manobra, uma sala de espera, outra para a secretaria, outra para as reuniões do Conselho Académico, gabinete do director, sala para arquivos, sala para o guarda-mor, uma oficina metalúrgica, um quarto para os guardas e uma arrecadação. A aula de Química tinha 18, 40 m x 8, 45 m, e o Laboratório 15, 55 m x 6, 50 m. Aproveitavam-se ainda uma parte dos sótãos sobre as salas (no caso do laboratório, o pé direito incluía a altura dos sótãos) como armazéns de material e utensílios e depósitos de máquinas. Os acessos do exterior para as ditas salas eram feitos mediante uma arcada fechada com gradaria de ferro a todo o comprimento do quarteirão voltado a norte (CASTRO et al., 1887, pp.104 – 105).

Não há dúvida que se tratou de um progresso considerável, não só comparando com os 18 m2 de corredor iniciais, como também com o espaço no 1.º andar, contíguo à sala de Física e de Química, liberto e melhorado aquando da instalação da Escola Industrial25 (SILVA, 1893, p.9), e que segundo o relato de José Maria de Abreu era «uma sala de forma irregular, sobrada com o tecto estucado e tendo a altura apenas de 4,3 m» e que, mesmo reunida com a sala contígua que servia de gabinete de Física, não chegava para uma única escola, «quanto mais para dois diferentes institutos» (cf. ABREU, 1865, pp.42-43).

Acomodações relativas à cadeira de Química para a Academia Politécnica e Escola Industrial (adaptado da planta térrea da Academia Politécnica segundo o projecto de obras, elaborado pela Comissão nomeada em 31 de Dezembro de 1860, e apresentado em 1863, do Paço dos Estudos do Porto).


Parte comum à Academia Politécnica e à Escola Industrial

1. Gabinete de ensaio do lente de Química
2. Gabinete do guarda preparador
3. Laboratório Químico
4. Aula de Química
5. Corredor de serventia para a aula de Química e suas pertenças

Segundo Ferreira da Silva, o Laboratório de Química passou a funcionar nas suas novas instalações por volta de 1868, mas, ao invés de um único espaço para laboratório comum, um gabinete de ensaios para o lente e outro gabinete para o preparador, como previa a planta inicial do “Plano geral de todas as obras”, terá sido adoptada uma solução espacial inspirada no modelo descrito na obra de Bobierre, “Traité de manipulations chimiques”, de 1844, que passou a dispor de duas salas de iguais dimensões, comunicando entre elas por uma porta (SILVA, 1893, p.10).

Consultando a planta térrea do projecto da Comissão nomeada nos finais de 1860, verificamos que esta contemplava efectivamente dois espaços de maiores dimensões, para além dos dois gabinetes - a um, chamaram-lhe Laboratório, e ao outro Aula de Química – e não um único alojamento comum. Uma outra planta térrea para o mesmo edifício, e integrada no “Anuário” da Academia Politécnica para o ano lectivo de 1884-1885 (v. figura abaixo), contudo, já revela uma outra disposição, onde efectivamente se identificam dois laboratórios, contíguos, e sem gabinetes, um do Instituto Industrial do Porto (a antiga Escola Industrial) e outro da Academia. O “Anuário” onde esta planta foi publicada, diz a seu respeito que se tratava de uma representação que traduzida a situação actual (1884) do piso térreo do edifício, e que era a cópia da planta tirada em 1879 pelo arquitecto Albano Cordeiro Cascão, e apresentada à Comissão de Obras em Dezembro desse mesmo ano. Este facto permite assegurar que em 1879 existiam realmente dois laboratórios de Química, um para cada uma das instituições visadas.

Norte. Paço dos Estudos do Porto: instalações laboratoriais de Química, da Academia Politécnica, e do Instituto Industrial do Porto, em 1884 (pormenor da planta térrea do edifício, levantada por Cordeiro Cascão em 1879).

De acordo com as palavras de Ferreira da Silva, está terá sido a única nova situação espacial para a Química, desde que se desbloqueou o processo das obras para o edifício com o projecto entregue em 1863 pela Comissão nomeada em 31 de Dezembro de 1860. Da articulação Academia – Escola (Instituto) Industrial ao nível da Química, afirma ainda: «a comunidade continuou a subsistir, e alguma coisa lucrou o ensino com isso, enquanto o lente das cadeiras de química da Academia e do Instituto foi o mesmo. Esta situação mudou algum tanto depois do falecimento do sr. Santa Clara» (cf. SILVA, 1893, p.10). Os elementos disponíveis apontam efectivamente para uma «separação de águas» ao nível do espaço laboratorial da Química, entre as duas instituições26, no entanto julgamos que podemos manter ainda como proposta de trabalho a ser explorada, a hipótese de um único laboratório ter sido a situação concretizada em 1868 – notemos que as aulas da Academia e da Escola funcionavam em turnos desfasados, a primeira em diurno e a segunda nocturno (LEITÃO, 1856, p. 203) o que facilitava a utilização de um só espaço – na continuidade, afinal, do que no início da década de cinquenta a tutela tinha determinado para a Química na Academia Politécnica, isto é, o «concubinato laboratorial» com a Escola Industrial.

7. A “Joint-venture” entre Academia Politécnica e Escola Industrial do Porto

A forte possibilidade com que devemos contar, mediante os dados recolhidos, de ter sido concretizada uma solução espacial contemplando dois laboratórios de Química, um para cada instituição, no rescaldo do projecto do Paço dos Estudos do Porto, final da década de sessenta, não retira, a nosso ver, importância ou significado à questão da articulação entre Academia Politécnica e Escola Industrial – que chegou a ser pensada ao extremo da própria fusão, ideia «namorada» muito em particular pela Academia Politécnica, mas não tanto pela Escola Industrial, e que teve como zénite, em 1882, o lançamento de um «Instituto Politécnico do Porto» por parte do Conselho Académico, projecto que apesar de tudo não vingou - que consideramos, se não verdadeiramente estruturante, pelo menos com grande significado para o desenvolvimento das duas instituições durante algumas décadas.

Discutir a concepção de cooperativismo que está na base desta articulação, e necessariamente, a afectar o esquema de desenvolvimento da Química na Academia Politécnica a partir da década de cinquenta tem por isso, toda a razão de ser, até porque o próprio projecto do Paço dos Estudos do Porto, por sua vez, não só confirmava, como expandia a co-habitabilidade, nos domínios da Física e da Química, entre os dois estabelecimentos de ensino.

Engenhosa q.b., esta fórmula anteriormente descoberta, no início da década de cinquenta, de simbiose espacial entre a Academia e a Escola Industrial, funcionou enquanto o lente das cadeiras de Química de uma e outra instituição foi o mesmo, permitindo que ambas tirassem vantagens de uma situação que podia ser altamente desfavorável, se encarada isoladamente por qualquer uma delas – era nessa perspectiva, uma verdadeira «joint-venture”. Assim, se por um lado tínhamos uma Academia sem dotação mas com possibilidades de algum espaço, por outro tínhamos uma Escola com algum dinheiro, mas sem soluções de acomodação à vista. Afirmava José de Parada e Silva Leitão27, o director interino da Escola Industrial do Porto, num relatório sobre o funcionamento inicial desta instituição: «Com efeito, a Escola nada possuía ainda, nem casa para funcionarem as suas aulas, e muito menos para ter um laboratório, nem mesmo local escolhido havia ainda para construir ou preparar essa casa, mas a Escola contava não só com a protecção e solicitude do Governo que a criava, mas também com a boa vontade da grande maioria da classe industrial» (cf. LEITÃO, 1856, p.198).

À data da nomeação de Parada Leitão, em Agosto de 1853, o quadro dos lentes da Escola resumia-se a ele próprio, seu director e professor da 4.ª cadeira – Noções Elementares de Química e Física, e ao professor da 7.ª cadeira – Química aplicada às Artes, Sebastião Betâmio de Almeida. Conta o director da Escola que a colaboração de Betâmio de Almeida lhe foi de grande auxílio, estendendo-se da elaboração dos Estatutos e Regulamentos, até aos orçamentos de despesas, passando pela formulação de requisições de material necessário para o arranque do seu ensino. Houve por isso, certamente, algum tipo de «acerto» prévio entre os lentes de Química que iriam partilhar o mesmo espaço prático, - até porque eram ambos sócios da Associação Industrial Portuense, e como tal, já deviam manter certa intimidade - mas deverá ter sido Santa Clara a «estrear» a situação de «joint-venture» e não Betâmio de Almeida, porque este transitou, em 1858, para a cadeira equivalente de Química, no Instituto Industrial de Lisboa.

Beneficiando das dificuldades colocadas ao estabelecimento da Escola Industrial, que «passeou» das instalações da Associação Industrial Portuense - que foi quem primeiro lhe socorreu, e permitiu a abertura dos cursos livres a 1 de Maio de 1854 – para as da Assembleia Portuense, que porém, sem laboratório, não ofereciam condições para a aula de Química, (e assim a Escola Industrial teve então que recorrer novamente às acomodações da Associação Industrial Portuense, alugando-lhe o seu espaço laboratorial) a Academia Politécnica teve aqui uma conjuntura favorável ao encaminhamento de algumas reformas necessárias para o desenvolvimento do ensino da 9.ª cadeira, por «casamento» entre duas intervenções: por um lado, as aquisições em instrumentos e máquinas feitas mediante uma maquia atribuída à Academia, para conservação e aperfeiçoamento dos estabelecimentos dela dependentes, e por outro, pelas sucessivas dotações que do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, a tutela da Escola Industrial, recaíam sobre as obras realizadas no edifício do Colégio da Graça, para acomodação desta última.

A este primeiro impulso, que foi posteriormente reforçado, como já vimos, partir da década de sessenta, com a continuação das obras no mesmo edifício, desbloqueadas para o conjunto Academia Politécnica + Escola Industrial + Biblioteca Pública + Academia de Belas Artes, associamos agora uma alteração de base no ensino da própria cadeira de Química da Academia. Referimo-nos pois à alteração dos compêndios, do Lassaigne para o Girardin, que vimos aparecer oficialmente em 1861, mas que pensamos existirem algumas evidências de ter sido efectuada alguns anos antes. Essas evidências são, por um lado, e como já vimos, a publicação de uma obra, originalmente em língua castelhana, e traduzida para português por Santa Clara, em 1856, as “Noções gerais e elementares de química teórica e prática”, que contém uma proposta didáctica inovadora - pelo menos no âmbito dos países ibéricos – para o ensino da Química, em especial para os futuros profissionais da Medicina. Seria certamente esta a obra com que ocupava Santa Clara a primeira época da 9.ª cadeira, implicitamente referida por ABREU, 1865, p.55, e em nossa perspectiva foi esta, e não a de Girardin, que substituiu o Lassaigne, uma vez que era com ela que a formação em Química, tomando-a como subsidiária das ciências médicas, farmacêuticas e histórico-naturais, necessária fundamentalmente para os alunos candidatos à Escola Médico-Cirúrgica (em grande representação nas aulas da 9.ª cadeira), ficava assegurada. Para a questão que agora se coloca, da introdução do compêndio de Girardin, versando uma Química básica para as Indústrias, devemos considerar duas possíveis razões, uma interna, e outra exterior à instituição.

A que analisaremos em primeiro lugar, reside na existência dos cursos de Artistas e de Directores de Fábricas na Academia. O compêndio de Girardin é o livro de texto sem dúvida adequado ao tipo de formação que está em jogo, o que facilmente podemos constatar logo pelas palavras de apresentação da obra: «A quarta edição das “Lições de Química Elementar” que hoje ofereço ao público industrial, não difere quanto à forma, das três primeiras, esgotadas tão rapidamente; mas foi aumentada de todos os factos interessantes, das engenhosas teorias onde a ciência e a tecnologia se enriqueceram nestes últimos anos. É sobretudo para a exposição dos procedimentos de fabrico, dos modos de ensaiar as drogas comerciais, e para o estudo das matérias tintureiras, que as adições foram as mais consideráveis.

Estas “Lições”, das quais eu quis conservar o primitivo carácter, foram feitas e redigidas, na origem, para os operários e para todos os que nada sabem» (cf. GIRARDIN, 1860, p.V).

Mas fará sentido uma mudança tão drástica no compêndio oficialmente adoptado, tendo por base justificativa cursos praticamente sem afluência? Relembremos, a esse propósito, as palavras de José Maria de Abreu: «Dos cursos mencionados nos programas da academia politécnica, alguns havia que não foram nunca frequentados, e outros cuja frequência era tão diminuta e irregular que os tornara inteiramente inúteis. Tais eram, quanto aos primeiros, os de engenheiros geógrafos, de construtores de navios e de directores de fábricas; e dos segundos os de agricultores e artistas» (cf. ABREU, 1865, p.46).

As palavras de Abreu, porém, conduzem-nos à possível causa externa para a mudança de compêndio – os alunos da Escola Industrial. Os cursos regulares desta Escola tiveram início no ano lectivo de 1854-1855, e podemos afirmar que foram um «hit» de afluência logo desde essa altura: 328 alunos, matriculados e ouvintes, em 20 de Dezembro de 1854; destes, 262 eram ordinários e voluntários, e 66 registados (LEITÃO, 1856, pp. 204 – 205).

O sucesso é, aliás, replicado no Instituto Industrial de Lisboa onde, para o mesmo ano lectivo, se encontram os seguintes números: alunos matriculados, 402, sendo 342 alunos ordinários, 39 voluntários e 21 ouvintes registados (DAMÁSIO, 1854, p.343); em 1855-1856 o número subirá para 600 matriculados, artífices, em esmagadora maioria (PIMENTEL, 1856, p.32), facto último este que também se verifica para a Escola Industrial do Porto.

Mas esta «enchente» em ambas as instituições de ensino industrial, não teve uma tradução equivalente ao nível das cadeiras de formação físico-natural, que incorporavam os currículos do ensino (fundamentalmente) de grão complementar, correspondentes às saídas profissionais de Mestres e Directores de Fábricas. As cadeiras mais frequentadas eram: as da formação elementar, 1.ª Aritmética Elementar, Primeiras noções de Álgebra, Geometria Elementar; 2.ª Desenho Linear e de Ornatos Industriais, e da formação secundária, 3.ª Elementos de Geometria Descritiva aplicada às Artes. A seguir a estas três, mas já muito longe dos números correspondentes de matrículas, vêm então a 4.ª cadeira, Noções Elementares de Química e de Física (nível secundário) e a 7.ª Química aplicada às Artes (nível complementar, para formação de mestres e directores de fábricas).

Para a Escola Industrial do Porto, o ano lectivo de 1854-1855 terá 7 matriculados na 7.ª cadeira, para um número total de matrículas igual a 549 (LEITÃO, 1854, p. 349). Para o ano a seguir, o Instituto Industrial apresenta uma desproporção ainda maior, com 7 matrículas para a Química aplicada às Artes, face a 1079 matrículas no total das cadeiras (PIMENTEL, 1856, p.33). Os anos seguintes vêm confirmar ainda mais este distanciamento, tanto na Escola como no Instituto, que não só indica o «esvaziamento» dos cursos relativos às carreiras de Mestre e Director de Fábricas, face à «sobre-lotação» das categorias profissionais de Operários e Oficiais – as opções verdadeiramente concorridas - como parece confirmar a causa, que na perspectiva da própria Academia Politécnica, se devia associar a «desertificação» do curso de Artistas, e que residia no facto de se ter de pagar propina de matrícula.

As grandes afluências nas duas instituições de ensino industrial serão, nestes primeiros tempos, fundamentalmente para as cadeiras relacionadas com a parte «baixa» da hierarquia das Artes e dos Ofícios, deixando de fora as cadeiras do nível complementar, como a 7.ª e a 6.ª Mecânica Industrial, e esvaziando o «topo», dos mestres e dos directores (revelador da incapacidade do motor nacional para alimentar estas saídas profissionais, do atraso nos «formatos» industriais existentes, e da dificuldade de progressão dentro das oficinas, nas quais o mestre era um verdadeiro «tampão» para quem pretendia subir, contornável somente pelas leis da Natureza), e apercebendo-se disso, José de Parada e Silva Leitão, o director interino da Escola Industrial, definiu-a como «um estabelecimento de instrução popular» (cf. LEITÃO, 1856, p.207). Como já tivemos oportunidade de constatar, a Química, situada a um nível mais elevado, ressentiu-se necessariamente disto. No entanto, importa sublinhar que mesmo 7, ou 5 alunos (entre ordinários e voluntários; este é o quadro mais negro que temos para a frequência da 7.ª cadeira, em dez anos das duas instituições, mas logo em 1862-1863 na Escola Industrial o número dispara para 46, entre ordinários, voluntários e registados, e no Instituto Industrial, em 1863-1864 já são 10, ordinários e voluntários) é diferente de nenhum aluno, que recordemos, era a situação denunciada por José Maria de Abreu para o curso de Artistas na Academia Politécnica em meados da década de sessenta.

A Escola Industrial do Porto trouxe assim, a Santa Clara Sousa Pinto, simultaneamente professor da cadeira de Química aplicada às Artes, e da cadeira de Química e Artes Químicas, «matéria prima» (ainda que em reduzido número) para trabalhar a base da Química das Artes, dos Elementos inorgânicos e orgânicos para aplicação às Indústrias. Uma outra Química, em suma, que em nossa perspectiva, por força da necessária conciliação de duas situações distintas – Química na Academia Politécnica e Química na Escola Industrial do Porto - de forma a optimizá-las em termos de vantagens, entrou igualmente na orientação do ensino para ambas.

Contrariando a «chuva» de condicionalismos sentidos desde a criação da Academia Politécnica, em 1837, até à introdução da Escola Industrial do Porto, traduzidos por dificuldades extremas e de toda a ordem no desenvolvimento da instituição, e muito em especial, no do seu ensino da Química, as décadas de 50 e 60 trazem um outro alento à 9.ª cadeira, particularmente no que se refere ao incremento do ensino prático. Não obstante a morosidade e complexidade dos processos de reforma desta instituição, somente estabilizada em meados da década de oitenta, a Química saiu, definitivamente beneficiada, dos anos 60.

Permanece porém a questão, de como é que, uma instituição que preparava fundamentalmente Engenheiros e candidatos à Escola Médico-Cirúrgica, e que em termos da Química «apropriada» se reflectia num «apelo» a uma formação geral, baseada em conhecimentos elementares maioritariamente do domínio do inorgânico, irá «digerir» a Química elementar para a Indústria, dos operários e dos que nada sabiam.

NOTAS

1. A literatura produzida em torno da instituição em causa permite verificar que desde cedo a Academia Politécnica se considerava uma autêntica novidade em relação à antiga Academia. Esta concepção está bem patente, por exemplo, nesta passagem na parte introdutória ao “Programa do Ensino da Academia Politécnica do Porto para o ano lectivo de 1838 para 1839”, elaborado pelo Conselho Académico : «A antiga Academia Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto foi por Decreto de 13 de Janeiro de 1837 substituída pela Academia Politécnica, a qual em razão do considerável número de outras doutrinas, e cursos de aplicação que abrange, mais se pode chamar uma criação do que uma reforma».

2. A carta régia de 13 de Outubro de 1818 deu-lhe por lente Agostinho Albano da Silveira Pinto, que veio a incorporar na cadeira em questão algumas matérias de Química e também de Botânica (estudos que formavam parte do núcleo subsidiário da Agricultura na Universidade de Coimbra), tendo redigido, para apoio das suas lições que constituíam o curso, as “Primeiras linhas de química e botânica”, publicadas em 1827. As fontes apontam para que a estrutura desde o início tenha sido sempre a mesma 1.ª Ano : Química e Botânica e 2.ª Ano : Agricultura, sendo certo que assim era à data da publicação das “Primeiras linhas...” O curso era pouco frequentado: uma média de 8 a 9 alunos por ano, entre 1819/1820 e 1828/1829, que raramente o completavam. A machadada final chegou com a dominação miguelista que destituiu primeiro o lente, em 13 de Maio de 1829, e suprimiu depois a cadeira, em 31 de Julho. A primeira destas medidas foi certamente política, mas a segunda fundamentava-se numa alegada inconsistência científica por falta dos preparatórios filosóficos que na altura se praticavam na Universidade de Coimbra (BASTO, 1937, pp. 29 - 31).

3. Apesar da colagem ao tema “Ecole Centrale” que se torna particularmente visível na década de oitenta do século XIX, existiam, à data da criação da Academia Politécnica, mais diferenças que semelhanças entre estas duas instituições. Nomeadamente, a Ecole Central, como paradigma de formação profissional industrial de alto nível, de indivíduos capazes de dirigir os estabelecimentos e as grandes obras, habilitava apenas dentro dessa categoria, ou seja, Engenheiros Civis, Directores de Fábricas e Chefes de Fabricos e de Manufacturas (GIRARDIN, 1842, p.285); o seu propósito era o de preparar homens para a indústria e dotá-los com um estatuto intelectual e social equiparado aos formados pela Ecole Polytechnique. Nesta perspectiva, a Ecole Central era uma espécie de «Polytecnhique civil» (FOX, 1992, pp.91-92).

4. Nesta fase da sua existência, após ruptura ostensiva com a tradição de habilitar artistas e operários, baseada no modelo inicial (1794), de ensino específico a cada ramo das Artes e dos Ofícios, o Conservatoire fornecia um ensino de índole geral, mediante os três cursos públicos criados em 1819, de Mecânica Industrial aplicada às Artes, de Indústria Química, e de Economia Industrial, aos quais se acrescentaria, em 1829, o de Física. Isto representava um sério esforço para formar, em bases genéricas, jovens especificamente para a indústria, procurando completar um vazio existente no sistema francês de ensino, que nem mesmo a Ecole Poytechnique era capaz de preencher, pelo facto das suas formações técnicas altamente especializadas serem excessivamente teóricas e matematizadas.

A partir de 1829, com a criação da Ecole Centrale des Arts et Manufactures, que não só se apropriou dos «tiques» das outras instituições de ensino superior especializado, nomeadamente com propinas, condições de admissão, exames, e qualificações no fim do ciclo de estudos, como também apresentou um plano de estudos bem mais desenvolvido, com inclusão de outras áreas científicas, para além da Matemática, da Física e da Química, o Conservatoire foi progressivamente «decaindo» para o nível secundário (FOX, 1992 e FONTANON, 1992). Os cursos do Conservatoire eram inteiramente gratuitos, e de livre acesso por parte do público, daí o termo «Conservatório do Povo» (cf. FONTANON, 1992, p.43). A Academia Politécnica estava, neste aspecto, nos antípodas do Conservatoire uma vez que existiam propinas de matrículas para os seus cursos, mesmo os que «recrutavam» nos sectores mais modestos da sociedade.

5. O edifício original da antiga Academia Real da Marinha e Comércio (construído para albergar também o Colégio dos meninos órfãos, ou Colégio de Nossa Senhora da Graça) só vagou em 1836, e estava em estado impróprio para as aulas da Academia Politécnica puderem funcionar, devido aos enormes estragos provocados pelos bombardeamentos do Cerco, e por quatro anos de ocupação pelo Hospital Militar. As aulas da Academia Politécnica foram inauguradas, no seu edifício, em 6 de Novembro de 1837, e as obras que se realizaram para tornarem possível o seu funcionamento foram em parte inicialmente custeadas com adiantamentos feitos pelo seu director, João Baptista Ribeiro.

6. Os decretos são o de 11 de Janeiro de 1837, criando a Escola Politécnica, e o de 12 do mesmo mês e ano, criando a Escola do Exército. Analisando ambos, conclui-se imediatamente da extrema articulação das duas instituições: conjugadas, farão respectivamente o papel de preparatória, fornecendo o núcleo de estudos superiores científicos, subsidiários às diferentes armas do Exército e da Marinha (a Escola Politécnica), e de aplicação, com os conhecimentos e formação própria de cada corpo (a Escola do Exército). Pelas palavras de Sá da Bandeira, num excerto do relatório que precedia o decreto da criação da Escola do Exército, podemos apreciar o grau de dependência entre elas: «a verdadeira reforma desta academia era impossível enquanto se não criasse uma escola de ciências físicas e matemáticas, na qual os alunos adquirissem todos os princípios para poderem entrar com o indispensável desenvolvimento no estudo da difícil ciência da guerra e suas vastíssimas aplicações. Essa escola está criada». Por aqui podemos constatar que Escola Politécnica e do Exército se completavam, como partes do mesmo todo, metades da mesma maçã (a «academia» referida por Sá da Bandeira era a Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho, que está na origem da Escola do Exército; a escola já criada, era obviamente, a Escola Politécnica, decretada no dia anterior).

7. Mesmo esta disposição regulamentar, ao que parece, acabou por ser modificada, por falta de cumprimento do artigo 8.º, que determinava que a divisão fosse declarada no acto de matrícula. E só no fim do ano os lentes estabeleciam as divisões, de acordo com as classificações dos alunos. Os exames que se realizavam na divisão de maior qualificação serviam para os cursos superiores, e os da divisão de menor qualificação, para os outros cursos (ABREU, 1865, p.47).

8. A afluência dos alunos da Escola Médico-Cirúrgica está também implícita no “Regulamento dos actos para a Academia”, que já referimos, quando este estabelece que para fins de exame à 9.ª cadeira, os alunos dos cursos preparatórios para a Escola Médico-Cirúrgica ficavam abrangidos pela 1.ª divisão. Se bem que oficialmente, os preparatórios em questão tenham surgido apenas em 1844, o facto é que já antes os alunos desta Escola acorriam à Politécnica para frequentarem cadeiras como a Química, e a Física, exigidas no currículo do seu curso médico-cirúrgico.

9. O frade Joaquim de Santa Clara Sousa Pinto – a respeito do qual não conseguimos apurar a data de nascimento, mas apenas a de falecimento, 1876, segundo AGUIAR, 1925, p. 43 - foi proposto para a 9.ª cadeira pelo Conselho Académico em 17 de Maio de 1837, e o governo nomeou-o por decreto de 29 de Maio de 1837. Santa Clara Sousa Pinto frequentou a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, na qual não chegou a fazer acto de formatura por falta de meios pecuniários, e por ter sido perseguido pela sua adesão aos princípios constitucionais (BASTO, 1937, p.162). O catedrático da 9.ª cadeira era irmão de Basílio Alberto de Sousa Pinto (1793 - 1881), conhecido pela sua fidelidade aos princípios liberais «puros», e de Rodrigo Ribeiro de Sousa Pinto (1811 - 1903): o primeiro (doutor em Leis) foi lente catedrático de Direito (1834) e reitor da Universidade de Coimbra (1859 - 1863), e o segundo (bacharel em matemática), lente substituto de Matemática em 1831 na Academia Real de Marinha e Comércio, primeiro astrónomo da Universidade (doutor em 1836), e director do seu Observatório Astronómico (1866). Não sabemos se foi Santa Clara Sousa Pinto quem assegurou os primeiros meses de funcionamento da 9.ª cadeira supostamente em exercício antes da nomeação do seu catedrático (BASTO, 1937, p. 158).

10. Ferreira da Silva refere a obra denominada “Abrégé élémentaire de chimie” (SILVA, 1893, p. 6). Julgamos que se tratava da 2.ª edição, de 1836, revista, corrigida e aumentada, em relação à 1.ª edição, de 1829, de uma sinonímia química dos corpos simples e compostos mais comuns.

11. Os exercícios científicos e práticos incluíam ainda os que insistiam na escrita de fórmulas químicas, e, de uma forma geral, «sobre tudo que concorrer para o perfeito conhecimento da ciência e facilidade da prática».

12. José Maria de Abreu evoca o Art. 98º, parágrafo 1.º da Lei de 5 de Dezembro de 1836, que é a lei que reformou os estudos universitários. Consultando o decreto respectivo, encontrámos de facto esse artigo, mas o seu parágrafo 1.º nada tem a ver com esta questão, tratando-se de aspectos relativos a concursos de professores. O único artigo da lei que aborda o assunto da interrupção de tempos lectivos é o Art. 89.º, que não tem parágrafo nenhum, está incorporado no capítulo referente à Faculdade de Matemática, e cuja redacção transcrevemos na íntegra : «O tempo de hora e meia destinado para as lições teóricas nunca poderá ser interrompido por outros assuntos, que requerem menor fadiga intelectual, tais como os exercícios de cálculo numérico, a explicação e uso de instrumentos, operações de geodesia, estereometria e nivelamento; mas terão lugar em outras horas, ou em dias feriados sem limitação de tempo. A congregação fixará o dia em que devem terminar as lições, prolongando-as quanto for possível pelos meses de Junho e Julho».

13. Em aparelhos e utensílios, mas também em corpos simples e compostos. Dizia Manuel Nepomuceno que «em 1847 - 1848 quase nada havia. No laboratório existiam uns grandes fornos de fusão, fornecidos de ar por um enorme fole de ferreiro, alguns balões e retortas de vidro, alambiques de folha de Flandres, uma tina hidropneumática, um grande almofariz de madeira, outros de bronze, ferro e mármore e alguns frascos com produtos, etc.» (cf. NEPOMUCENO apud SILVA, 1892, p.8). Um outro registo posterior, desta feita do catedrático de Química, denunciava o estado de penúria do espaço reservado para a prática em finais de 1853 « O Laboratório está pobríssimo de tudo. Não temos reagentes, não temos cápsulas, não temos tubos, não temos frascos, enfim nada temos» onde havia apenas «usadíssimos cacos com que faço uma ou outra operação para a prática dos Estudantes» (cf. PINTO apud BASTO, 1937, p.294).

14. Os autores não são consensuais a este respeito: ALMEIDA, 1850, p.14 diz que a Botânica fora a cadeira que lhe tinha sido especialmente designada; por sua vez BASTO, 1937, p.261 refere que era substituto de Matemática. Os documentos oriundos da instituição também não elucidam mais do que a condição de «lente substituto», e a data de provimento, por C. R. de 21 de Agosto de 1839 (ANTT. Ministério do Reino. Relatórios, 1843 – 1847, Mç 3644 – “Quadro do pessoal efectivo da Academia Politécnica do Porto, com designação dos lugares vagos, e as datas dos despachos e provimentos dos empregados”, Informação do director da Academia, João Baptista Ribeiro, ao vice-presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, em 12 de Julho de 1845).

15. Pensamos que pelas suas características, José António Aguiar deveria ser o sucessor esperado para a cadeira de Química. Concorriam para isso, as provas dadas no seu desempenho como lente substituto, os conhecimentos teóricos e laboratoriais que detinha, a grande familiaridade com que lidava com os reagentes (factos estes últimos, a que não era certamente alheia a sua prática de farmacêutico). Isto mesmo deverá ter sido evidente para o lente proprietário da cadeira de Química, Joaquim de Santa Clara Sousa Pinto, o qual não poderia ter ficado indiferente a este perfil, perfeitamente coadunado para a continuidade da 9.ª cadeira. Apesar de não termos encontrado esta ideia expressa, em qualquer das fontes consultadas, julgamos que estes factos reunidos, associados à grande ligação existente entre os dois (esta sim, facilmente confirmável, por palavras do próprio Sousa Pinto, e por actos de Aguiar, que o incluiu no seu testamento) permitem conjecturar neste sentido.

16. Pedro Mata y Fontanet (1811 – 1877) cursou Humanidades em Reus e Tarragona e estudou Medicina na Universidade de Barcelona. Ainda estudante, já se distinguia pelas suas ideias liberais avançadas. Em 1837 foi obrigado a exilar-se, fugindo para Montpellier. Voltando a Espanha alguns meses depois, dedicou-se à actividade periodista, publicando a revista “La Joven España”, cujo radicalismo levou à prisão de Mata e a novo desterro, desta feita em Paris. De regresso à pátria em 1840, iniciou um período activo na política alinhando com os progressistas. De 1843 a 1845, porém, somente se dedicou à Medicina Legal e aos seus trabalhos científicos. Em 1859 pronunciou um discurso na Academia de Medicina de Madrid, sobre o tema Hipócrates e as escolas hipocráticas, que ficou considerado como panfletário do positivismo médico em Espanha. Frente ao vitalismo, defendeu nessa ocasião o mecanicismo, baseado nas ciências físicas e químicas, na investigação microscópica e na análise experimental dos fenómenos. Como paladino do positivismo fundou em 1845, a revista “La Facultad”, destinada à difusão das novas ideias.

Pedro Mata y Fontanet dedicou-se preferentemente à Medicina Legal, da qual foi o primeiro cultivador moderno em Espanha, tendo-se criado, graças à sua acção, as cátedras da disciplina em 1843. Teve também peso na organização do corpo médico forense (1862) e na aprovação da lei do registo (1870). A sua obra mais importante foi o “Tratado de Medicina y Cirugía Legal” de 1846. Mata é também considerado o fundador da psiquiatria madrilena e sobretudo, o introdutor das ideias psiquiátricas somaticistas propagadas pela escola francesa (LÓPEZ PIÑERO et al., 1983, pp.42 - 43).

17. Assim como no último, de 1865, “Noções elementares de química teórica e prática”. Os autores não são conformes nas informações bibliográficas que fornecem: tanto a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, como Inocêncio Silva referem a edição de 1856; Ferreira da Silva, por seu turno, conhece todas: de 1852 (mediante indicação do seu amigo, Conde de Samodães), a de 1856 (citando Inocêncio), e a de 1865, a única que parece ter consultado (SILVA, 1893, pp.12 – 13).

18. Nos dois anos anteriores à nomeação de Manuel Nepomuceno (1857 e 1858) exerceu provisoriamente o mesmo cargo, o farmacêutico Francisco Pereira de Amorim Vasconcelos (SILVA, 1892, p.15).

19. Já em Maio de 1854 fora apresentada pelo deputado Basílio Alberto de Sousa Pinto, irmão do catedrático de Química, uma proposta, assinada por mais de quarenta deputados, de conclusão do edifício da Academia Politécnica (BASTO, 1937, p.296).

20. A Representação do Conselho Académico ao Rei, de 1 de Outubro de 1857, citada por BASTO, 1937, p.313, excluía os cursos de Pilotos, de Comerciantes, Artistas e de Oficiais do Exército (julgamos que se trata do curso de Aspirantes a Oficiais do Exército, que apesar de não constar do primeiro Programa de Ensino para a Academia, aparece posteriormente referenciado em documentação oficial, em meados da década de 40) da categoria de «superiores», a propósito da aplicação dos termos do art. 6.º da Carta de Lei de 12 de Agosto de 1854 sobre habilitações à 1.ª matrícula dos cursos de «instrução superior». Esta mesma concepção parece oficialmente aceite, pela Portaria de 13 de Outubro de 1857, igualmente referida por BASTO, 1937, p.314 e p.326, ao dispensar os candidatos à 1.ª matrícula para os cursos de Pilotos, de Comerciantes, de Artistas e de Aspirantes a Oficiais do Exército, dos exames realizados às disciplinas dos Liceus, a “Aritmética, Álgebra Elementar, Princípios de Trigonometria Plana, e Geografia Matemática”, e a outra de “Princípios de Física e Química e Introdução à História Natural dos três Reinos”, considerados como uma das condições sine quanon para a entrada nos cursos de «instrução superior», de acordo com os termos da já referida lei de 1854.

21. Como o próprio Abreu reconhece, estas informações não são, contudo, de total fiabilidade, uma vez que como as matrículas na Academia se faziam por cadeiras, sem indicação de cursos a seguir, somente se tinha alguma percepção da afluência dos alunos a um curso, mediante os casos dos que solicitavam a respectiva carta (ABREU, 1865, pp.66 - 68 e p. 121).

22. Esta transversalidade não impedia, porém, que o ensino tomasse a direcção superior, o que afastava as formações «inferiores». Este efeito tornou-se mais evidente, a partir dos primeiros anos da década de 50, quando se estabeleceu a Escola Industrial do Porto. Afirmava José Maria de Abreu que a secção de Matemática defendia a existência de duas classes nas cadeiras, exigindo-se aos alunos da segunda os mesmos exames de habilitação que os da primeira; pelo contrário, entre os da secção de Filosofia prevalecia a ideia de uma só classe (ABREU, 1865, p.65).

23. Ver a este respeito, BASTOS, 1937, Capítulo XV.

24. Entenda-se como Engenharia de Obras Públicas.

25. Foram realizadas obras no ano lectivo de 1856 a 1857; nesse período o Laboratório de Química da Academia esteve fechado. Em Março de 1858 já os trabalhos estavam concluídos (BASTO, 1937, p.312).

26. Santa Clara Sousa Pinto foi nomeado professor proprietário da 7.ª cadeira – Química aplicada às Artes, da Escola Industrial do Porto, por decreto de 20 de Dezembro de 1858, C. R. de 14 de Março de 1859, e tomou posse em 16 de Abril de 1859. Pediu exoneração do cargo em 3 de Novembro de 1871, que lhe foi concedida em Dezembro desse mesmo ano, e no seguinte, com a jubilação, abandonou igualmente a 9.ª cadeira - Química e Artes Químicas, da Academia Politécnica. Quem lhe sucedeu nesta última, mas não na primeira, nem por muito tempo, foi António Luís Ferreira Girão, bacharel formado em Filosofia e bacharel em Matemática, pela Universidade de Coimbra, nomeado por decreto de 2 de Maio e C. R. de 18 de Julho de 1872. Entre outras características que o notabilizaram, escrevia opúsculos humorísticos sob o pseudónimo de “João Gorilha”; Camilo Castelo Branco apreciou-lhe os dotes literários no seu “Cancioneiro Alegre”. Ferreira Girão faleceu em 1876 (SILVA, 1893, p.12 e pp. 29 - 33). O proprietário seguinte foi Adriano Paiva de Faria Leite Brandão, nomeado para a 9.ª cadeira por decreto de 18 de Agosto de 1876 e C.R. de 6 de Março do mesmo ano (“Anuário da Academia Politécnica do Porto. Ano lectivo de 1881 – 1882”, p. 124).

27. José de Parada da Silva Leitão, bacharel formado em Filosofia e Matemática pela Universidade de Coimbra, era lente proprietário da 8.ª cadeira – Física Elementar e suas principais aplicações, da Academia Politécnica (“Anuário da Academia Politécnica do Porto. Ano lectivo de 1879 – 1880”). Parada Leitão foi nomeado para a 8.ª cadeira por decreto de 27 de Novembro de 1837, e C. R. de 31 de Janeiro de 1838 (ANTT. Ministério do Reino. Relatórios, 1843 – 1847, Mç 3644 – “Quadro do pessoal efectivo da Academia Politécnica do Porto, com designação dos lugares vagos, e as datas dos despachos e provimentos dos empregados”, Informação do director da Academia, João Baptista Ribeiro, ao vice-presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, em 12 de Julho de 1845).