AUTO-ORGANIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E
IDENTIDADE PESSOAL
Clara Costa Oliveira

IN: IDENTIDADE PESSOAL:
Caminhos e Perspectivas
Francisco Teixeira (coordenação)
Coimbra, Editora Quarteto, 2004
INDEX

Introdução
Constituição e características do Movimento AO
Identidade pessoal e educação
Identidade pessoal
Educação
Bibliografia

Constituição e características do Movimento AO

A constituição do Movimento da AO deve-se ao epistemólogo francês Jean-Pierre Dupuy que reconheceu ligações formais entre teorias científicas de várias áreas do saber, nomeadamente no âmbito da Cibernética (de von Foerster e N.Wiener, sobretudo), da Termodinâmica (de Ilya Prigogine), da Biologia (teoria da autopoiesis – H. Maturana e F. Varela - e H. Atlan) e da Antropologia Filosófica (R. Girard). Dupuy começou então a divulgar teorias de áreas diferentes entre si, publicando livros e artigos onde reflectia sobre essa similitude formal e organizando colóquios internacionais onde os representantes das variadas áreas se foram encontrando (AAVV, 1983). Num momento posterior, várias teorias e autores se têm vindo a vincular (legitimamente, ou não) a este Movimento, sobretudo no âmbito das ciências humanas.

Uma década de investigação nesta área permite-me avançar com a indicação de sete características que considero serem necessárias e suficientes para caracterizar uma teoria científica como pertencendo ao Movimento da Auto-Organização. Essas características terão, no entanto, que se encontrarem todas na teoria em questão. Enuncio-as de seguida, desenvolvendo, porém, apenas aquelas que considero mais pertinentes para o assunto deste texto. Um estudo mais profundo destas características pode ser encontrado na bibliografia indicada (Oliveira, 1999a).

Assim, nas teorias do Movimento da AO:

1. Consideram-se todos os organismos como seres autónomos, ou seja, com capacidade de criar, de produzir componentes e processos que asseguram a sua manutenção no espaço físico enquanto unidades diferenciadas da sopa molecular ou de um outro ser vivo; a autonomia aqui deve ser entendida no seu sentido etimológico, ou seja, como uma capacidade que estes seres possuem em produzir por si próprios as suas normas, a sua significação do mundo; não se trata pois de considerar que são sistemas isolados do meio, sendo no entanto que este não os determina; temos pois que os seres humanos necessitam de viver num ambiente atmosférico específico para se manterem vivos, mas seleccionam desse meio apenas o elemento que lhes é útil (oxigénio), não se deixando pois permear por todos os outros componentes atmosféricos.

2. Utiliza-se um vocabulário mais próximo do discurso hermenêutico do que daquele usualmente utilizado pelas ciências.

3. A epistemologia que as permeia é naturalizada, isto é, trata-se de uma epistemologia que não se fundamenta num sistema onto-metafísico, mas antes na dimensão biológica dos sistemas vivos, quer na dimensão filogenética, quer na dimensão ontogenética (com focalizações mais acentuadas numa ou noutra dimensão, conforme as teorias em questão); grande parte destas teorias assentam num holismo epistemológico (Quine, 1969) ainda que alguns dos autores se referenciem às suas concepções como sendo construtivistas; tal imprecisão ocorre por condicionalismos relacionados com a evolução das ciências em que estas teorias se desenvolveram (Oliveira, no prelo).

4. A explicação dos fenómenos estudados faz-se usualmente por recurso à causalidade circular e/ou à causalidade múltipla, verificando-se um afastamento da causalidade formal, em termos aristotélicos, em que a ciência física moderna (e algumas ciências humanas contemporâneas) assentavam as suas explicações.

5. Valoriza-se sobretudo a dimensão dinâmica processual dos fenómenos estudados, não se considerando os componentes do sistema estudado como factores especialmente importantes ao nível explanatório;

6. Assume-se claramente a dimensão observacional da actividade científica e a assimetria entre o domínio explicativo do observador e o domínio existencial dos fenómenos observados; assume-se também que a dimensão observacional existe em interacção holística com as outras dimensões do observador, não constituindo pois uma res diferenciada dos seus afectos, emoções, crenças e corpo; daí que nas explicações do movimento AO, os seus autores enunciam os seus pressupostos conceptuais, o paradigma no qual se movem e a sua postura em termos religiosos, dando indicação aos leitores de que tudo isso está imerso no, e emerge do, texto que foi escrito.

7. A explicação de fenómenos vivos de tipo complexo, como os humanos, é construída sempre em continuidade com a dimensão biológica dos seres vivos em questão; queremos com esta característica salientar que as explicações de fenómenos humanos de tipo psicológico, interpessoal, comunitário, social, ecológico, espiritual, etc, terão sempre que estar articuladas com as dimensões biológicas dos seres humanos em causa; isto significa que explicações, por exemplo, de tipo social da conduta de um indivíduo não pode estar em contradição com a sua conduta enquanto ser biológico de terceira ordem, exactamente porque a dimensão social participa na sua especificação única enquanto ser biológico; não podemos também esquecer-nos que cada ser vivo possui um modo de ser autónomo que é insubstituível.