IDENTIDADE PESSOAL:
Caminhos e Perspectivas
Francisco Teixeira (coordenação)
Coimbra, Editora Quarteto, 2004
AUTOPOIESIS E IDENTIDADE PESSOAL
Francisco Teixeira
O vivo como si mesmo

O vivo, definido como sistema autopoiético, põe no centro do seu operar a autonomia. Pela sua natureza autónoma, o vivo tem por função autoproduzir-se como distinto do meio ambiente, de modo autorreferido. De certo modo, o vivo responde à necessidade epistemológica de que uma unidade se constitua, sempre, através de um acto de distinção. Esse acto de distinção, por seu lado, constitui-se como uma singularidade face a um fundo. Essa singularidade, por definição, deve ser capaz de movimentos de autoconstituição susceptíveis de produzirem ordem e coerência sistémica que a façam emergir como singularidade. A afirmação da natureza autopoiética do vivo como mecanismo identitário quer significar isso mesmo, capacidade de, por si e para si, autonomamente, se distinguir do não si. De facto, o fechamento ou clausura operacional dos seres vivos é uma condição necessária para a sua relação (inter-objectiva )(1) com outros sis e com o entorno. Francisco Varela, no último dos seus livros, que compila e plasma o essencial das suas investigações (“El Fenómeno de la Vida”), refere que a compreensão da autonomia do vivo exige a interconexão de duas proposições: 1. Os organismos são fundamentalmente um processo de constituição de uma identidade. 2. A identidade emergente do organismo proporciona, lógica e mecanicamente, o ponto de referência para um domínio de interacções (2000: 51-52). Como vimos fugidiamente na introdução, e desenvolveremos mais à frente, desde logo estas duas proposições enunciam, ainda que a um nível puramente lógico, que previa ou correlativamente à compreensão do mundo, ou se quisermos, para que se estabeleça uma interacção com o mundo, tem que se dar sempre um movimento de constituição de si. No entanto, o que pretendo assinalar, para já, são as consequências que Varela retira da conjugação daquelas duas proposições.

Assim, neste domínio sumamente abstracto, não estamos ainda, obviamente, no domínio de um movimento de personalização, de identificação pessoal, mas tão só, ao nível molecular, na presença de um movimento de criação de coerências operativas. Identidade quer dizer, a este nível, a capacidade que os sistemas biológicos têm de criar, de si para si, redes estruturais de construção de si através das perturbações do ambiente, e isto de modo recorrentemente autoconfirmador. Como também assinala Varela, este processo ocorre sempre através de um fechamento operacional, quer dizer, através de processos que engendram eles mesmos as perturbações admissíveis em ordem ao reforço de si. Nas palavras de Varela, este é “um processo de interconexão reflexiva circular, cujo efeito primário é a sua própria produção” (Ibidem, p. 51).

Mais importante, porém, para o nosso projecto de descortinar os mecanismos de produção do si mesmo, é a constatação de que é justamente em função do fechamento operacional dos sistemas autopoiéticos que é possível a emergência de uma coerência global, ou identidade, que dá ao sistema a capacidade de se distinguir do ambiente. E isto ocorre sem que seja necessário especificar, no sistema, um centro controlador das relações e dos processos a ocorrer entre os elementos da organização autopoiética o que, por sua vez, também dispensa, concomitantemente, qualquer tentação substancializadora relativamente a alguns desses componentes ou partes desses processos. Temos então uma identidade sem centro e sem Unidade Central de Processamento, que emerge de uma rede autorreferida de produção de componentes. Naturalmente, há que esclarecer este conceito de emergência, central numa fenomenologia do vivo de cariz autopoiético e central também numa concepção da identidade pessoal ou do si susceptível de superar toda a reificação, de que o reducionismo biológico não parece ser mais que uma variante.

“Emergência” refere-se então, e antes de tudo o mais, no contexto estritamente biológico, à natureza organizacional do vivo, distanciando-se de uma perspectiva associacionista que define o vivo em função de uma agregação determinada de componentes moleculares. Pelo contrário, aquilo que a concepção autopoiética do vivo nos trás é que aquilo que o define deixa de ser um conjunto de elementos ou propriedades para passar a ser uma organização que emerge globalmente, sendo que a emergência descreve esse processo pelo qual a partir de elementos locais se produz um estado global que não é nem independente nem redutível às componentes locais. De facto, ainda que se possa fazer uma descrição integral de uma célula através da listagem dos seus componentes químicos e moleculares, nem por isso essa lista especificará aquilo que constitui a célula, no seu carácter de totalidade sistémica. Ou seja, a lista das propriedades de uma célula, ou mesmo a descrição das relações particulares entre os sues componentes, não especifica aquilo que a constitui como sistema celular. Essa especificação só pode ocorrer através de uma organização que emerge da totalidade dos sistemas celulares, a organização autopoiética, e que não se reduz às suas partes.

Muito particularmente, o emergentismo, pelo menos conforme o trataremos aqui, revela de modo especialmente conspícuo, a natureza virtual (irreal) de toda a centralidade cognitiva e identitária dos sistemas autopoiéticos, biológicos ou não biológicos, uma vez que nenhuma das partes ou componentes do sistema é, por si só, elemento decisivo de articulação ou coordenador da totalidade emergente e sem que isso nos empeça a tematização do sistema autopoiético emergente como elemento de reiteração e constituição do si.

Tematizando o problema da relação entre o cérebro e a mente (no qual não nos centraremos, aqui, mais que o necessário), Varela utiliza o aforismo segundo o qual “a mente não existe nem não existe”, numa curiosa via do meio entre a reificação reducionista e o niilismo cognitivo (a que não é estranha a sua formação búdica), como via metafórica para apresentar a sua tese de que o emergentismo nos permite tematizar aqueles tipo de organizações sistémicas pelas quais um estado global (no caso, a mente) é produzido a partir de regras locais (os circuitos neuronais), sendo que estas não esgotam aquele, nem aquele se explica integralmente por redução àquelas. Mais ainda, o estado emergente tem o efeito de alterar os circuitos locais que sustentam causalmente o efeito global, num curioso efeito de retroacção e recursividade. É isso que Varela refere na seguinte passagem:

“Então, quando vêem um animal em movimento, ou me vêem a mim dirigindo-lhes a palavra, comporto-me como uma unidade coerente, não como uma mera justaposição de movimento, voz, olhar e postura. Sou uma unidade integrada, mais ou menos harmónica a que denomino ‘mim mesmo’ ou ‘minha’ mente, e vocês interactuam comigo a esse nível.: ‘Olá Francisco’. Essa interacção está a ocorrer ao nível da individualidade, que é o global, o emergente. Porém, sabemos que o global é ao mesmo tempo causa e consequência das acções locais que ocorrem, no meu corpo, a todo o momento” (2000: 244).

Um modo particular de perceber o emergentismo é analisá-lo a partir do enfoque reducionista, pelo qual o sistema se articula a partir de um algoritmo que regula o relacionamento dos elementos básicos. Ou seja, pelo reducionismo o sistema apoia-se em regras que articulam elementos básicos ou em elementos básicos articulados por regras. No entanto, este enfoque põe demasiados problemas à sustentação dos sistemas biológicos e à generalidade dos outros sistemas não biológicos, desde logo os sistemas psíquicos e sociais. Como nos recorda Luhmann, se quisermos reduzir, como o pede certa sociologia reducionista, os sistemas sociais à Psicologia, teríamos, igualmente, que reduzir a Psicologia aos sistemas neuronais e estes aos sistemas moleculares e, no limite, ambos aos sistemas atómicos (Luhmann: 1996b). A proposta de Luhmann de tematização do emergentismo é a de que aquilo que corresponde e sustenta a unidade dos sistemas não é a unidade dos elementos ou regras (quaisquer que eles ou elas sejam) mas a capacidade de enlace que se dá nos processos de produção de componentes e de relações. De facto, os sistemas autopoiéticos constituem-se através de um processo de produção de sentido que passa pela selecção, no seu interior, das relações possíveis e necessárias e, por exclusão, daquelas que são excedentárias e, por isso, irrelevantes para a sua identidade. É esse processo de enlace, de selecção, que faz emergir o sistema, sendo que esse processo não decorre das características físicas do sistema, ou seja, de unidades substanciais básicas nas quais assentaria a sua unidade, decorrendo antes de um processo contingente de reacção às perturbações do meio (ainda que essas perturbações possam engendrar, no sistema, padrões de resposta, em virtude da sua recorrência). Assim, diz-nos Luhmann,

“o surgimento de uma nova ordem qualitativa não pode deduzir-se a partir das características materiais ou energéticas sobre as quais está sustentada. Se se fizessem presentes ao sistemas essas características materiais ou energéticas na operação que emerge na nova ordem qualitativa, estas características provocariam um efeito de aniquilação ... por exemplo, a electrónica interna do átomo transforma-se quando surge a ordem emergente das macromoléculas. Daqui que a energia atómica não tome parte do processo químico que constitui a célula (felizmente!)” (1996b: 195-196).

Algumas pistas de desenvolvimento para uma teoria do si mesmo e da identidade pessoal começam agora a vir ao de cima. Mas situemo-nos, ainda, sobretudo, no processo de constituição do si mesmo biológico.

O sistema autopoiético distingue-se do meio ambiente através de um processo de autoconstituição e autocriação. No entanto, o acto de distinção depende tanto do movimento que se distingue como do ambiente que provê à unidade a alteridade necessária à sua constituição, através da forma de uma contrastação. Do ponto de vista estritamente biológico isto entende-se bem, na medida em que, sendo embora operacionalmente e organizacionalmente fechadas, as unidades autopoiéticas são energeticamente abertas. Ou seja, constituindo-se embora enquanto distinções do meio ambiente, as unidades biológicas dependem desse ambiente para sobreviverem, através de um provimento energético. Estabelece-se pois, aqui, uma dialéctica entre o vivo e o seu ambiente que permite pensar que, se é certo que o ambiente constitui as condições amplas em que o vivo se pode constituir e subsistir, nem por isso é menos relevante que também o ambiente se constitua enquanto efeito das sucessivas trocas energéticas e perturbações operacionais que ocorrem com e no sistema autopoiético (há que considerar que cada sistema é, para outro sistema, parte do ambiente ou contexto). Mais simplesmente, pode dizer-se que na medida em que uma distinção constitui uma unidade, essa distinção produz, correlativamente, o seu meio ambiente, ao definir o que fica fora dela.

Acontece que esta constituição do ambiente, ou seja, daquilo que não é sistema, paradoxalmente, só se pode constituir do ponto de vista daquilo que é operacionalmente possível ao próprio sistema. Temos então que a constituição de uma unidade autopoiética enquanto mecanismo identitário básico, ocorre não só como um virar-se biológico (organizacional) para si, mas também como a criação de uma perspectiva sobre o não si. Essa perspectiva é que permite à identidade biológica relacionar-se com o que não faz parte das suas definições materiais e moleculares. “Na nossa prática de biólogos, diz-nos Francisco Varela, movemo-nos num e noutro terreno. Usamos e manipulamos princípios e propriedade físico-químicas, porém, de imediato, podemos utilizar interpretações e significados vistos desde o ponto de vista do sistema de vida” (2000: 85). Vai ser então esta perspectiva, este modo operacionalmente único, encastrado numa deriva onto e filogenética, aquilo que vai prover o sistema de um si e de um ambiente, ou de um não si, sempre caracterizável, porém, em termos do “olhar” produzido pelo sistema.

Os sistemas biológicos estão aqui, porém, perante um dos seus maiores desafios: o desafio de se constituírem distinguindo-se do ambiente, sendo que, embora o ambiente só possa ser “pensado” nos termos do próprio sistema, sem um ambiente pensado e auto-referido, de um modo pelo menos negativo, o sistema não é pensável. Este paradoxo de os sistemas biológicos, autopoiéticos por definição e, portanto, auto-organizados, dependerem do entorno para se autonomizarem leva, por exemplo, Edgar Morin a falar não da natureza auto-organizativa dos sistemas biológicos mas sim da sua “auto-eco-organização” (1994: 70), pelo que a auto-organização sistémica seria dependente do ambiente, do ecossistema. O mesmo, aliás, tinha já sido referido por von Foerster, para quem os sistemas auto-organizados sofrem do paradoxo de necessitarem de mundo externo para afirmarem a sua autonomia (H. von Foerster, 1960). O problema salientado por Morin e von Foerster é o da conceptualização de sistemas, paradoxalmente, auto-referidos, mas que exigem uma abertura termodinâmica, ao ponto de levar Morin a afirmar que “na autonomia há, pois, uma profunda dependência energética, informativa e organizativa relativamente ao mundo exterior” (Morin, 1994: 70), o que, no limite, só pode ser entendido como logicamente impossível, na medida em que é uma asserção contraditória com a clausura operacional dos sistemas autopoiéticos (que não, como já vimos, com a sua abertura energética).

O problema que aqui se põe é, pois, de modo conspícuo, o da própria razoabilidade da concepção de sistemas auto-organizados e auto-referidos, já que essa concepção não seria possível sem algum tipo de abertura. Seria paradoxal, pois, do ponto de vista de uma objecção possível à concepção de sistemas auto-organizados e autopoiéticos, que um tipo específico de sistemas, os sistemas auto-organizados e, por maioria de razões, os sistemas autopoiéticos, produzissem eles próprios, a partir de si mesmos, a natureza da sua distinção com o ambiente. Isto acarretaria a conclusão que o ambiente seria produzido, como uma distinção, pelo próprio sistema e nos termos dos seus mecanismos operacionais, através de um processo recorrentemente tautológico, o que não seria capaz de explicar a mudança e a inovação sistémica. Em suma: ou os sistemas auto-organizados e autopoiéticos são meramente tautológicos e incapazes de explicar a inovação ou, em alternativa, são impossíveis de se conceber como tal porque o seu fechamento exige, paradoxalmente, uma abertura.

Luhmann, muito em particular, encara de frente estas objecções e leva especialmente longe a análise do paradoxo da autonomia dos sistemas autopoiéticos, propondo que estes têm que se “destautologizar” para serem recursivamente produtivos e não vacuamente, ou solipsisticamente, tautológicos. Luhmann enfrenta este problema defendendo, determinadamente, a integral auto-referencia dos sistemas autopoiéticos, sendo que, porém, “cada auto-referência deve enfrentar o problema da interrupção do círculo expressamente tautológico. A simples referência do si mesmo a si mesmo deve enriquecer-se com um significado adicional, recrutado, por assim dizer, pelo círculo que só se significa a si mesmo” (1998: 414). Ora, este significado adicional capaz de “destautologizar” o círculo autorreferido de si a si deve acontecer através de um processo de assimetrização que só pode ocorrer através da introdução de pontos de referência no círculo, capazes de dinamizar a tautologia ... “destautologizando-a”. Estes pontos de referência produzem-se, por exemplo, através da tematização contínua da diferença entre si e o ambiente ou entre o passado e o futuro, sendo que uma das componentes da díade tem a função de refulgir como alternativa condicionante da totalidade do sistema. No entanto, estes pontos de referência têm que funcionar através da opacidade de si, quer dizer, como elementos ou distinções “naturais”, ocultando que também eles são produzidos pelo próprio sistema como instrumentos de destautologização ou assimetrização. Isto quer dizer que todos os sistemas funcionam dependendo de um ponto cego que não só ocorre como epistemologicamente inevitável mas também como ontologicamente, ou sistemicamente, necessário. Ou seja, o ponto cego do sistema, pelo qual ele não sabe que não sabe da sua autorreferência, permite ao sistema a sua destautologização e ou assimetrização, nos termos de uma nova lógica e uma nova causalidade circulares.

Por outra via, embora, Francisco Varela responde ao problema da novidade cognitiva e da articulação da autorreferência com a hetero-referência defendendo a existência, nos sistemas autopoiéticos, daquilo a que ele chama uma “quebra” ou “falta” (Varela, 2000: 86-87) no interior do sistema autopoiético (do sistema vivo), que se manifesta através da sua distinção de um meio ambiente que o perturba e obriga a constantes esforços de preenchimento dessa quebra. Naturalmente, como já foi referido, a resposta re-organizativa do sistema à perturbação (que refulge no sistema como uma quebra ou uma proto-cisão do si) só pode ocorrer do ponto de vista do sistema e não do ponto de vista das pressões ambientais. Para Varela, “manifesta-se um inevitável contratempo entre um sistema autónomo e o seu meio ambiente: há sempre algo que o sistema deve prover a partir da sua perspectiva de totalidade” (2000: 87). Mais: para Varela é esta acção, ou este movimento de correcção (ou de construção) permanente de si, que constitui a natureza mesma do acto cognitivo:

“A acção que produz um mundo é um intento para re-estabelecer uma relação com o meio ambiente que desafia a coerência interna mediante encontros e perturbações. Porém, estas acções, ao mesmo tempo, demarcam e separam o sistema desse meio ambiente, dando lugar a um mundo distinto” (Ibidem: 88).

A ideia de Varela é a de que o contraste entre o mundo do sistema e o meio ambiente produz um “excesso de significação” que é o alimento mesmo do sistema autopoiético, quer dizer, o alimento mesmo de si como contraponto ao não si. Claro, a conceptualização, ou a materialização mesma do meio ambiente, só se pode fazer em termos das estruturas do sistema, reafirmámo-lo, uma vez que, de modo similar a von Foerster, do ponto de vista do organismo no meio ambiente só existe um “isso”, um “algo”, “um material básico para in-formar desde a sua própria perspectiva” (Ibidem: 89).

Concluindo esta secção, o que se quis salientar foi o modo auto-referido como o vivo se constitui, através da produção de uma perspectiva de si e do mundo que lhe permite reactualizar-se e sustentar-se permanentemente através daquilo que Varela chamou um “excedente de significação” entre si e o meio ambiente ou o não si. Estamos ainda, no entanto, no domínio de um si mesmo puramente somático, próximo daquilo a que Damásio chama o proto-si, que se resume à “gestão automatizada da vida do organismo” ( 2000: 43) e que estabelece as funções reguladoras inatas do organismo. Também próximos de Damásio, estamos ainda num domínio “precursor não consciente dos níveis do si que surgem nas nossas mentes” (Ibidem, p. 42).

Parece-me, no entanto, que a concepção da identidade somática através da autopoiesis, enquanto organização específica do vivo, é especialmente operativa para a tematização não só do si mesmo biológico mas também do si mesmo psíquico ou do self, e isto a partir de uma teoria de sistemas que inclua uma concepção da autopoiesis não exclusivamente redutível ao seu originário domínio biológico. Há, no entanto, que dar alguns passos intermédios até alcançar a justificação desse desiderato.

 
(1) A relação é inter-objectiva e não inter-subjectiva porque enquanto a inter-subjectividade se refere a um movimento de partilha mútua do si mesmo, já a inter-objectividade refere-se à intrínseca opacidade de cada si a outro si, de cada subjectividade a outra subjectividade. A inter-objectividade refere, então, um movimento de acoplamento e congruência estruturais entre os sistemas de si mas não a identidade ou comunicação de ego a alter, ou vice-versa, para utilizar a terminologia de Luhmann. De facto, cada si corresponde, para o outro, a uma Black box impenetrável, cuja subjectividade nunca se é capaz de descriminar. Para cada sistema de subjectividade os outros sistemas de subjectividade funcionam como o ambiente ou o contexto com o qual e no qual se dá o acoplamento estrutural, o que impede e elimina a acusação de solipsismo.

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