Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XLI* _Como el-rei Dom Henrique chegou a Sevilha, e da alliança que fez com el-rei de Portugal_.

El-rei Dom Henrique partiu de Toledo, sabendo tudo o que adviera a el-rei Dom Pedro em Sevilha, e isso mesmo em Portugal, e como se fôra depois a Galliza. E chegou a Cordova, onde o receberam com grão prazer, e d'ahi levou caminho de Sevilha, sabendo que tinha voz por elle, onde foi recebido com tão grão festa que, pero el-rei chegou pela manhã a cerca do logar, passava de meio dia quando entrou em seu paço.  

E partiu el-rei com os seus, e com aquellas companhas que com elle vinham, em guisa que todos foram mui contentes, e mandou-os para suas terras; pero ficaram com elle Mosse Beltrão de Claquin, e outros senhores, com alguns inglezes e bretões, que eram todos companhias, até mil e quinhentas lanças.  

E esteve el-rei em Sevilha quatro mezes, e antes que d'alli partisse, escreveu a el-rei Dom Pedro de Portugal, como queria haver paz e amisade com elle, e que elle enviaria taes, ao extremo, de que fiava por seus procuradores, para tratarem avença entre elles, e que el-rei Dom Pedro mandasse ahi outros, que com seus feitos fossem concordados.  

E foi assim de feito, que enviou el-rei Dom Henrique Dom João, bispo de Badalhouce, e Diego Gomez de Toledo, cavalleiro, e el-rei de Portugal enviou Dom João, bispo de Evora, e Dom Alvaro Gonçalves, prior do Hospital; e juntaram-se todos na ribeira de Caya, no extremo dos reinos.   E alli trataram, pelos ditos reis, que fossem fieis amigos um do outro, e houvessem paz e concordia, e que el-rei de Castella trabalhasse, a todo seu poder, que el-rei de Aragão fosse amigo de el-rei de Portugal pela guisa que o elle era, e que el-rei de Aragão deixasse vir para Portugal a infanta Dona Maria, filha do dito rei Dom Pedro, mulher que fôra do infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, com todo o seu, ou viver na terra qual ella antes quizesse; e louvaram e approvaram as avenças que em outro tempo foram feitas em Agreda, entre el rei Dom Fernando e el-rei Dom Diniz, seus avós.   Outrosim, Mafamede, rei de Granada, tratou logo amisade com el-rei Dom Henrique, e ficou por seu amigo.  

E partiu el-rei de Sevilha, e foi-se a Galliza, e cercou em Lugo Dom Fernando de Castro, que tinha voz de el-rei Dom Pedro, e não o poude tomar, e preitejou com el-rei, que se lhe el-rei Dom Pedro não accorresse até cinco mezes, que deixasse o reino e lhe entregasse todas as fortalezas, e se quizesse ficar em sua mercê, que lhe desse a villa de Castro Exarez, d'onde sua linhagem se chamava de Castro, e elle conde, depois que lh'a el-rei Dom Pedro dera, e que em este tempo não se fizesse guerra de uma parte á outra, a qual cousa lhe Dom Fernando mui mal teve.  

A el-rei Dom Henrique prouve d'isto, e tornou-se para Burgos, e alli ordenou côrtes, nas quaes foram juntos os maiores do reino; e certos da vinda que el-rei Dom Pedro queria fazer, lhe foi promettida ajuda para despeza da guerra, e offerecidos os corpos a seu serviço, como bem podia vêr. E el-rei, em tanto, mandava por gentes que lhe cada dia vinha, com que partia grandemente, e lhe fazia muita honra. E porque dos feitos d'estes reis ambos, mais não adveiu em tempo de el-rei Dom Pedro de Portugal, cessaremos de mais dizer d'elles, e em quanto elles juntam suas gentes para a batalha que depois ouvireis, contaremos nós outras cousas, segundo requer a ordenança d'esta obra. Mas antes que as digamos, ouvi isto que achamos escripto, a saber, que féria quinta, vinte e dois dias do mez de outubro d'esta presente era de Cesar de mil e quatrocentos e quatro annos, foi feito um movimento no céo, desde a meia noite para adiante, o qual foi por esta guisa: correram todas as estrellas do levante para o poente, e depois que todas foram juntas, começaram de correr umas cá e outras lá; dês-ahi deixaram-se estalar do céo tantas e tão espessas, que, depois que foram baixas no ar, pareciam grandes fogueiras, e que o céo e o ar ardia, e que a terra queria arder; e o céo parecia partido por muitas partes alli onde estrellas não estavam; e não havia homem que isto visse, que não fosse fortemente espantado; e era tamanho o medo, que quantos isto viam todos cuidavam de serem mortos, durando isto por mui grande espaço. E isto escrevemos por não haverdes por nova cousa quando outra tal acontecer, dês-ahi por relembrança das maravilhas que Deus faz.