Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*CAPITULO XXXIII* _De algumas entradas que el-rei este anno fez no reino de Granada, e como el-rei Vermelho se veiu pôr em seu poder, cuidando de ser seguro, e el-rei o mandou matar_.

Como el-rei veiu de Aragão e chegou a Sevilha, juntou suas gentes por fazer guerra a el-rei Vermelho de Granada, dizendo que queria ajudar el-rei Mafoma, e que por seu azo fizera paz com Aragão contra sua vontade.  

E veiu-se para elle el-rei Mafoma, com quatrocentos de cavallo, e entrou em companha de el-rei. E chegou el-rei a Antequera e não a poude tomar, e tornou-se, e mandou entrar os seus na veiga de Granada, que eram seis mil de cavallo, e venceram os christãos duas pelejas, e foram dos mouros mortos e captivos, e foi preso o mestre de Calatrava, e Sancho Perez d'Ayala, e outros.  

E cuidando el-rei Vermelho que faria prazer a el-rei Dom Pedro, fez grande gasalhado ao mestre e aos outros, cuidando de amansar a vontade de el-rei; e soltou o mestre, e alguns cavalleiros dos outros, e deu-lhe de suas joias, e enviou-os a el-rei.  

Elle agradeceu-lhe mui pouco tão grande presente, mas a poucos dias fez outra entrada, e ganhou quatro logares de mouros, e pôz recado em elles, e tornou-se a Sevilha.  

Os mouros combateram um d'estes logares, que chamam Sagra, e furando o muro e entrando-o por força, preitejou-se Fernão del Gadilho, que o tinha, e foi posto em salvo, e veiu-se para el-rei: e el-rei mandou-o matar.   E deu el-rei volta, outra vez, em Granada, e ganhou outros logares, e tornou-se a Sevilha.  

Os mouros aggravaram-se todos, dizendo a el-rei Vermelho que, por a contenda que elle havia com el-rei Mafoma, entrára já el-rei trez vezes na terra, e que se perdia o reino de Granada.  

El-rei houve d'isto receio, e vendo que não podia levar adiante aquillo que começara, houve conselho de se vir pôr em poder e mercê d'el-rei de Castella, e que el-rei, dês que o visse, haveria piedade d'elle, e teria com elle alguma boa maneira. E partiu logo de Granada, com quatro centos de cavallo e duzentos de pé, e chegaram ao alcaçar de Sevilha, onde el-rei estava, e fizeram-lhe grandes referencias, e el-rei os recebeu mui bem.

Então lhe fallou um mouro por el-rei de Granada, dizendo entre outras cousas, que bem se poderia defender de el-rei Mafoma, que era seu contrario, mas d'elle, que era seu rei e senhor, não se podia defender, e que, havido conselho sobre isto, o melhor accordo que achara era pôr-se em seu poder e mercê, á qual pedia que tomasse aquelle feito em sua mão, e que o punha em seu juizo, e que, se sua vontade era de outra guisa, fosse sua mercê de mandar pôr, elle e os seus, além mar em terra de mouros.  

El-rei respondeu ao mouro que lhe prazia muito da vinda de el-rei e dos seus, e que, sobre a contenda d'el-rei Mafoma, elle teria em ello boa maneira como se livrasse.  

El-rei Vermelho, e os outros fizeram por isto grão reverencia a el-rei, tendo que seu feito estava bem, e foram-se mui alegres para as pousadas que lhe el-rei mandou dar na judiaria da cidade.   A cubiça, que é raiz de todo mal, fez logo saber a el-rei como el-rei Vermelho trazia muito haver, em aljofar e pedras e joias, e houve grão desejo de cobrar tudo. E mandou ao mestre de São Thiago que o convidasse n'outro dia para a ceia, e os maiores honrados que com elle vinham: e foram cear com elle até cincoenta.  

Acabada a ceia, estando seguros e nenhum ainda levantado, chegou Martim Lopez, com homens armados, e prendeu el-rei e todos os outros. E foi logo buscado el-rei, e acharam-lhe tres pedras balaches mui nobres e mui grandes, e acharam a um mouro pequeno, em um correio, setecentas e trinta pedras balaches, e a um seu pagem cincoenta grãos de aljofar, grossos como avelãs esburgadas, e a outro moço, tanto aljofar, grado como hervanços, em que poderia haver uma oitava de alqueire, e aos outros, a quem achavam aljofar, a quem pedras, e tudo levaram a el-rei.  

E n'essa hora foram outros homens de armas á judiaria, e prenderam todos os outros mouros; e todas as dobras e joias, que lhe acharam, tudo levaram a el-rei.  

E foi el-rei levado preso, e todos os seus á taracena, e d'ahi a dois dias foi tirado a um campo, que dizem Tablada, elle e trinta e sete cavalleiros mouros, e alli os mandou el-rei matar todos. E foi el-rei Dom Pedro o primeiro que deu uma lançada a el-rei Vermelho, que estava em cima de um asno, vestido em uma saia de escarlata, e disse:

--Toma, porque me fizeste fazer má preitesia com el-rei de Aragão.--E o mouro respondeu por sua aravia, dizendo:

--Pequena cavalgada fizestes.  

E enviou el-rei Dom Pedro a cabeça de el-rei Vermelho, e dos outros trinta e sete, a el-rei Mafoma de Granada, e elle enviou-lhe alguns captivos.  

E posto que el-rei Dom Pedro dissesse muitas razões a colorar este feito, por mostrar que o fizera sem encargo de sua consciencia, todos os seus o tiveram por mui grão mal, e lhes prouvera muito de não ser assim.