NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo LII
 

Aqui encerramos a enumeração das dignidades ou instâncias prerrogativas. Mas deve-se ter em conta que neste Organon foi nosso propósito tratar de lógica, não de filosofia; mas, como a nossa lógica procura ensinar e guiar o intelecto e não agarrar e segurar as abstrações da realidade com as frágeis escoras da mente (como a lógica vulgar), mas realmente esquadrinhar a natureza, voltando-se para a descoberta das virtudes e dos atos dos corpos, bem como de suas leis determinadas na matéria, dependendo, em resumo, esta ciência, não apenas da natureza do intelecto, mas também da natureza das coisas, não é para espantar que tenha sido ilustrada, continuamente, com observações sobre a natureza, que devem servir de exemplos da nossa arte. Do que foi exposto, são em número de vinte e sete as instâncias prerrogativas, a saber: instâncias solitárias, instâncias migrantes, instâncias ostensivas, instâncias clandestinas, instâncias constitutivas, instâncias conformes, instâncias monádicas, instâncias desviantes, instâncias limitativas, instâncias da potestade, instâncias de acompanhamento e hostis, instâncias subjuntivas, instâncias de aliança, instâncias cruciais, instâncias de divórcio, instâncias da porta, instâncias de citação, instâncias do caminho, instâncias suplementares, instâncias secantes, instâncias da vara, instâncias do currículo, instâncias de dose da natureza, instâncias de luta, instâncias indicadoras, instâncias policrestas e instâncias mágicas. Os usos dessas instâncias, no que se sobrepõem às instâncias vulgares, relacionam-se em geral ou com a parte informativa ou com a parte operativa, ou com ambas. Quanto à parte informativa, auxiliam ou os sentidos ou o intelecto. Auxiliam os sentidos as cinco instâncias de lâmpada. Auxi­liam o intelecto ou aceleram o processo exclusivo da forma, como a solitária; ou limitando e indicando de mais perto o procedimento afirmativo como as migrantes e as ostensivas, as de companhias e as subjuntivas; ou indicando e conduzindo aos gêneros e às naturezas comuns, e isso, ou imediatamente, como as clandestinas, as monádicas e de aliança; ou de modo próximo, como as constitutivas; ou em grau inferior, como as conformes; ou corrigindo o intelecto da experiência comum, como as de desvio; ou conduzindo à descoberta da forma maior ou da estrutura do universo, como as limitativas; ou preservando-o das formas e causas falsas, como as cruciais e de divórcio. Em relação à parte operativa, essas instâncias servem para ordenar a prática, ou medindo-a ou facilitando-lhe a execução, e de­pois indicam por onde se deve começar para evitar a repetição do que já foi feito com as instâncias de potestade; a que se deve tentar chegar, se possível, com as indicativas. Servem para a medida da prática as quatro matemáticas; facilitam a execução as multiformes e as mágicas.

Algumas dessas vinte e sete instâncias exigem que se faça (como já foi dito antes a respeito de algumas delas) imediata coleta, sem se aguardar a investigação particular da natureza. Estão nesse caso as instâncias conformes, as monádicas, as de desvio, as limitativas, as de potestade, as da porta, as indicativas, as policrestas e as mágicas, elas, de fato, oferecem auxílios e remédios aos sentidos e ao intelecto, e informam a prática em geral. As outras devem ser recolhidas, quando se chegar à formação de tábuas de citação, estabelecidas pelo intérprete através da investigação de uma natureza particular. As instâncias estabelecidas e oferecidas com essas prerrogativas são como a alma das instâncias vulgares de citação e, como já foi dito no início, umas pou­cas delas valem por muitas das outras; e devem ser tratadas com o máximo cuidado na formação das tábuas em que devem ser inscritas. Seria necessário mencioná-las a seguir e para isso seria preciso expor previamente o seu uso. Agora é necessário passar, por ordem, aos adminículos e às retificações da indução e depois ao concreto; e aos processos e esquematismos latentes e a tudo mais que indicamos no aforismo vinte e um. Só então poderemos dizer ter colocado nas mãos dos homens, como justo e fiel tutor, as suas próprias fortunas, estando o intelecto emancipado e, por assim dizer, liberto da menoridade; daí, como necessária, segue-se a reforma do estado da humanidade, bem como a ampliação do seu poder sobre a natureza.

Pelo pecado o homem perdeu a inocência e o domínio das criatu­ras. Ambas as perdas podem ser reparadas, mesmo que em parte, ainda nesta vida; a primeira com a religião e com a fé, a segunda com as artes e com as ciências. Pois a maldição divina não tornou a criatura irreparavelmente rebelde; mas, em virtude daquele diploma: Comerás do pão com o suor de tua fronte, 261 por meio de diversos trabalhos (certamente não pelas disputas ou pelas ociosas cerimônias mágicas), chega, enfim, ao homem, de alguma parte, o pão que é desti­nado aos usos da vida humana.