NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo L
 

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo sexto lugar as instâncias policrestas. 255 São as instâncias que se referem a vários casos e ocorrem com freqüência e que por isso dispensam não pouco trabalho e muitas demonstrações. Dos instrumentos e dos engenhos trataremos, por ocasião do estudo das reduções à prática e dos modos de se proceder aos experimentos. Dessa forma, aqueles que são conhecidos e muito usados serão descritos na história de cada uma das artes em particular. Contudo, alinhamos, a seguir, algumas observações gerais a título de exemplo das instâncias policrestas.

Opera, pois, o homem sobre os corpos naturais (afora a simples aproximação e remoção dos corpos) de sete modos principais, que são: pela exclusão dos que impedem e perturbam, por compressões, extensões, agitações, etc.; pelo calor e pelo frio, por persistência em lugar conveniente, detendo ou guiando os movimentos; por meio de consensos especiais; pela pertinente e oportuna alteração, disposição e sucessão de todos esses modos ou de apenas alguns deles.

Começando pelo primeiro modo: o ar comum que é encontrado e insinua-se por toda parte e os raios dos corpos celestes são causa de muitas perturbações. Tudo o que servir para eliminá-los pode ser considerado instância policresta. Seria esse o caso da matéria e da espessura dos recipientes nos quais são colocados os corpos para a feitura de experimentos; assim também os meios de obturação desses recipientes, soldadura ou por meio de barro de sabedoria, 256 como dizem os químicos. De muita utilidade é ainda o uso de líquidos para encerrar os líquidos, separando-os do exterior, como a colocação de azeite ou sucos vegetais sobre o vinho, que se expande sobre a super­fície como uma tampa, preservando-o do ar. Mesmo o pó é inútil, em­bora sempre esteja misturado a uma certa quantidade de ar, e tem a virtude de preservar coisas do ar ambiental, por isso a uva e a fruta são bem conservadas se colocadas na farinha ou na areia. Também a cera, o mel, o pixe e outras substâncias adesivas são úteis para se con­seguir perfeita vedação e separação da influência do ar e dos raios celestes. Fizemos algumas experiências submergindo o recipiente, ou algum outro corpo, em mercúrio, que é de longe o mais denso de todos os corpos que se expandem. Também as covas e as cavernas subterrâneas são de grande utilidade para a proteção em relação ao calor e ao nefasto ar, como são usadas na Alemanha do Norte para cereais. O mesmo resultado busca-se pela submersão na água, como ouvi o relato de odres de vinho colocados para refrescar em um poço profundo, lá esquecidos e encontrados muitos anos depois, tendo como resultado que o vinho não apenas tinha conservado o seu sabor e força como também se tinha tornado mais fino e generoso, em razão certamente da melhor combinação de suas partes. Assim, se se colo­car um objeto em um receptáculo no fundo da água dos rios ou do mar rodeado de ar, mas sem contato com a água, obtém-se uma boa forma para o trabalho em navios afundados, com a possibilidade de o trabalhador respirar sem vir à tona. E a seguinte a máquina, bem como o seu uso, tal como se conhece: preparava-se um recipiente côncavo de metal que se deixava descer perpendicularmente à superfície até a superfície da água, ou seja, de tal maneira que o seu orifício, localizado na sua base, ficasse sempre paralelo à mesma; nessa posição, fazia-se com que ele submergisse, levando para o fundo do mar todo o ar contido em seu bojo. Em seguida, era colocado em um tripé um pouco menor que a altura de um homem. Tal disposição permitia ao mergulhador, quando disso tivesse necessidade, respirar, enfiando a cabeça na cavidade e continuar trabalhando. Ouvimos também fa­lar da invenção de uma máquina, em forma de navio, que possibilita a condução de homens, sob a água, a uma certa distância. Mas o nosso fito na experiência descrita é indicar a possibilidade, com o uso de um recipiente como o que foi descrito, de serem colocados objetos sob a água sem fechá-los.

Há outra utilidade no completo e perfeito fechamento dos corpos, não apenas a de preservá-los do ar (o que já foi tratado), mas também a de impedir a exalação do espírito do corpo no interior do qual se opera. É necessário, para quem manipula corpos naturais, ter certeza de sua quantidade total, isto é, de que nada se evaporou ou transpirou. Pois ocorrem profundas transformações nos corpos quando a natureza impede a sua aniquilação e a arte, a dispersão e a evaporação de suas partículas. A este respeito, é aceita uma opinião falsa (a ser verdadeira, eliminaria a possibilidade dessa conservação de quantidade, sem qualquer diminuição), ou seja, a de que os espíritos dos corpos e o ar rarefeito devido ao calor muito elevado não podem ser contidos em qualquer recipiente, já que escapam pelos furos. Muitos homens foram induzidos a essa opinião pelos experi­mentos muito conhecidos do copo colocado de boca para baixo na água de uma bacia, onde é colocada uma vela ou um papel aceso, com o que a água é atraída para dentro do copo, nele se elevando até certa altura; ou igualmente pelo experimento das ventosas, que, aque­cidas e depois aplicadas, atraem a carne. Vulgarmente se acredita que tanto em um como em outro experimento o ar rarefeito escapa e, em conseqüência, diminuindo a quantidade, a água e a carne elevam-se pelo movimento de conexão. Trata-se, sem dúvida, de um erro. Pois o ar não diminui a quantidade, apenas contrai o seu volume; nem tem início o movimento de ascensão da água antes que a chama esteja extinta e o ar tenha esfriado; e os médicos, para tornarem mais efica­zes as ventosas, costumam colocar esponjas embebidas em água fria. Em vista disso, não se justifica o temor dessa fuga do ar ou dos espíritos. É fato que os corpos sólidos possuem poros, mas igualmente que o ar ou os espíritos não se deixam facilmente reduzir a ponto de pode­rem escapar, da mesma maneira que a água não escorre por uma fenda demasiado estreita.

Passando-se ao segundo modo, dos sete descritos, desde logo deve-se observar que as compressões e os demais meios violentos são os mais eficazes em relação aos movimentos locais ou em relação a outros movimentos do mesmo gênero; é o que se verifica nas máquinas e nos projéteis bem como nas causas da destruição dos corpos orgânicos e das virtudes que residem inteiramente no movimento. Toda vida, e ainda mais, toda ignição, podem ser destruidas por compressão, o mesmo acontecendo com qualquer espécie de máquina que é destruída ou gasta. Serve ainda para a destruição das virtu­des que consistem em uma certa disposição e disparidade das partes dos corpos, como as cores (pois a cor não é a mesma em uma flor inteira e uma murcha, no âmbar inteiro e no âmbar em pó) e os sabores (pois o sabor não é o mesmo numa pêra ainda verde e na pêra espremida e pisada, ainda que se torne mais doce). Mas para se obterem transformações e operações mais relevantes nos corpos uniformes, as violências desse tipo não são de muita serventia, por não oferecerem aos corpos uma consistência durável, mas apenas momentânea e tendente sempre a libertar-se e a retornar à situação anterior. Mas não estaria fora de propósito a realização de experimentos mais cuidadosos sobre o assunto para se verificar se a condensação e a rarefação dos corpos uniformes, como a água, o ar, o óleo e outros que tais, quando provocados pela violência, conseguem torná-los duráveis, como com a transformação natural. A experiência poderia ser feita primeiramente deixando-se passar o tempo e depois através de artifícios e do consenso natural dos corpos. Tê-lo-íamos levado a cabo se nos tivesse ocorrido por ocasião da compressão da esfera cheia de água, para condensá-la antes da sua exsudação. De fato, teria sido necessário deixar a esfera achatada por alguns dias e extrair a água logo a seguir, para se verificar se ela retomava o volume anterior, antes da condensação. Se não voltasse a ocupar o mesmo volume, nem depois de algum tempo, estaria demonstrado que a condensação ter-se-ia tornado constante; caso contrário, teria sido momentânea, O mesmo poderia ter sido visto nos ovos de vidro; teria sido necessário, depois de uma forte sucção, fechar os ovos rápida e firmemente, deixando-os assim, por alguns dias, para se verificar se, depois de abertos, o ar seria atraído com um silvo ou se, mergulhados na água, poderia a atração do líquido ser da mesma quantidade de liquido, que no caso de não se ter esperado esse tempo. É provável que se alcançasse esse efeito, o que deveria ser verificado com cuidado, pois em corpos menos uniformes acontece o mesmo, depois de certo tempo. Assim é que, encurvando-se uma vara, por compressão, depois de um certo tempo ela não retoma a posição inicial. E isso não ocorre devido à diminuição da madeira, causada pelo tempo, pois o mesmo ocorre com uma lâmina de ferro (em tempo maior), onde não ocorre qualquer desgaste. Mas se não se consegue o experimento apenas com o transcorrer do tempo, não deve nem por isso ser abandonado, mas pensar-se em outros meios; pois não é de pouca utilidade a obtenção de novas naturezas fixas. e duráveis nos corpos usando-se meios vio­lentos. Pois por esse caminho o ar poderia, pela condensação, ser transformado em água, como também poderiam ser obtidos muitos outros efeitos do mesmo gênero. Na verdade, mais que os outros, os movimentos violentos estão no poder do homem.

O terceiro dos sete modos refere-se àquele grande instrumento de transformação, tanto da natureza quanto das artes, ou seja, o calor e o frio. E aqui o poder humano como que coxeia de um pé. Possuímos, realmente, o calor do fogo, que é infinitamente superior em intensidade (pelo que percebemos), e o calor dos animais; mas não podemos dispor do frio fora as estações de inverno, das cavernas ou por revestimento de neve ou gelo no que se pretende gelar. Tal frio seria no máximo comparável ao calor reinante ao meio-dia em uma região de zona tórrida, ainda aumentado por reflexão dos muros e montanhas. Tais intensidades de calor e de frio são suportáveis pelos animais durante algum tempo, mas não podem ser comparadas com o calor de um forno ardente ou com um frio em grau equivalente. Dessa forma, todas as coisas tendem aqui na terra à rarefação, à dessecação e à consumpção: quase nada à condensação e ao amolecimento, se não forem usados misturas ou meios, por assim dizer, espúrios. As instân­cias do frio devem ser buscadas com a máxima diligência, expondo-as ao frio no alto das torres, durante as nevascas ou nas cavernas subterrâneas, ou cobrindo de neve ou de gelo outras galerias, ou cavando poços para esse fim, ou mergulhando-as no mercúrio e outros metais, ou em águas que tenham a propriedade de petrificar a matéria, ou enterrando-as como fazem os chineses quando querem formar a porcelana, que fica enterrada durante cinqüenta anos, legando-se aos herdeiros como se fossem minas artificiais; 257 ou ainda com outros procedimentos semelhantes. É necessário que se observem também as condensações que se formam na natureza em conseqüência do frio, para, depois de conhecidas as suas causas, transferi-las para as artes. Trata-se dos fenômenos seguintes: a exsudação do mármore e das pedras, no embaciamento dos vidros das janelas depois de uma noite de geada, os vapores formados no seio da terra que se convertem em água, dando origem a numerosas fontes, e de muitos outros semelhantes.

Além dos corpos que são frios ao tato, há também outros, com poder de frio, que se condensam mas parecem agir unicamente sobre os corpos dos animais, indo muito pouco além disso. Como desse tipo podem ser apontadas muitas medicinas e muitos emplastros; outros condensam a carne e partes tangíveis, como os medicamentos adstrin­gentes e os coagulantes; outros condensam os espíritos, o que se observa especialmente nos soporíferos, ou que provocam o sono; num caso por sedação do movimento e em outro pela dispersão dos espíritos. A violeta, a rosa seca, a alface e outras substâncias semelhantes, benignas ou malignas, com seus vapores delicados, refrescam e convidam os espíritos a se unirem, aplacando o seu movimento desordenado e inquieto. Do mesmo modo, a água de rosas, aplicada ao nariz, nos desmaios, reaviva e congrega os espíritos dispersos. Mas o opiato e as substâncias afins, ao contrário, põem a correr os espíritos, pela sua natureza maléfica e hostil: basta aplicá-lo em uma parte externa e os espíritos afastam-se, sem mais retornarem. Se tomado pela boca, os seus vapores sobem à cabeça, afugentam, por todos os lados, os espíritos localizados nos ventrículos do cérebro; mas não podendo nem se retraírem, nem fugirem para outro lugar, reúnem-se e se adensam e às vezes se extinguem, sufocados. O opiato, tomado em quantidade moderada (como uso secundário, ou seja, pela condensação que se segue à reunião), serve para curar os espíritos, tornando-os mais vigorosos e diminuindo a sua inútil agitação. Dessa forma, cura as moléstias e auxilia no prolongamento da vida.

Por isso, não se deve descuidar dos modos de preparação dos corpos, na recepção do frio: a água morna gela mais rapidamente que a completamente fria; e coisas da mesma ordem.

Por outro lado, desde que a natureza é tão avara de frio, torna-se necessário usar o recurso dos boticários, que, na falta de um elemento simples, adotam um substitutivo ou quod pro qua, como chamam: o aloés pelo bálsamo, a cássia pela canela. Do mesmo modo devemos também investigar, com todo cuidado, quais são as coisas capazes de substituir o frio natural, conseguindo os mesmos efeitos que são próprios do frio, ou seja, a condensação dos corpos. As condensações, pelo que se sabe, devem-se a quatro causas: a primeira, por simples compressão, que pode muito pouco no caso dos corpos de densidade permanente, mas que sempre serve como auxiliar; a segunda, por contração das partes mais grosseiras de um corpo, depois da retirada das partes mais leves, como acontece com o endurecimento pelo fogo, ou nos resfriamentos repetidos dos metais e outros do mesmo gênero; a terceira, da reunião das partes homogêneas, que são as mais sólidas, em um corpo, que antes foram dispensadas e mescladas com outras menos sólidas, como na restauração do mercúrio sublimado em líquido, que em pó ocupa um espaço muito maior que o mercúrio simples, e de modo semelhante na purificação de metais e de suas escórias; a quarta, por simpatias, aplicando substâncias que condensam por alguma força oculta. A manifestação de tais simpatias é rara, o que não é de se estranhar, pois até que descubram as formas e os esquematismos não se pode esperar muito das simpatias. Pois em relação aos corpos dos animais há inúmeras medicinas, de uso interno ou externo, que têm a capacidade de condensar como por simpatia, como já foi dito. O difícil é operar sobre corpos inanimados. Por escrito e por tradição, fala-se de uma árvore das ilhas Terceiras (dos Açores ou Caná­rias, não nos recordamos bem) que destila continuamente uma quanti­dade de água suficiente para suprir as necessidades de seus habitantes. Paracelso fala de uma planta, chamada “orvalho do sol”, que se cobre de umidade mesmo sob o calor do meio-dia, enquanto as outras ervas permanecem secas. Entendemos por fabulosos ambos os relatos; mas, se fossem verdadeiros, haveria no caso instâncias de grande uso e dignas da maior consideração. O orvalho que se obser­va, em maio, sobre as folhas de carvalho, não concebo que se forme e condense por simpatia ou por alguma propriedade da própria planta, pois também cai sobre outras folhas, mas se conserva nas folhas do carvalho por serem bem úmidas e não esponjosas, como as demais.

Em relação ao calor, o homem dispõe de abundantes recursos à sua disposição, mas faltam observações e investigações, mesmo em casos muito necessários, apesar dos alquimistas se vangloriarem de conhecê-los. São bem conhecidos os efeitos do calor intenso, mas os do calor moderado, mais freqüente na natureza, não são conhecidos. Facilmente se verifica como o uso de calores fortíssimos muito exalta os espíritos dos corpos, como nas águas fortes e em muitas outras substâncias oleosas produzidas quimicamente; as partes tangíveis se endurecem e até se petrificam, depois de evaporado o resto; as partes homogêneas se separam; os corpos homogêneos ligam-se e incorporam-se; e, sobretudo, é destruída a conexão dos corpos compostos e perdem-se os esquematismos mais sutis. O que deve ser posto à prova é o efeito do calor mais fraco, por meio do qual se podem provocar, como faz o sol na natureza, as mais sutis misturas e os esquema­tismos ordenados, como ficam indicados no aforismo das instâncias de aliança.

É seguro que a natureza age por meio das partes mais diminutas, distribuídas e dispostas por maior riqueza e variedade que as que se poderia obter por meio do fogo. Muito seria aumentado o poder do homem se por meio do calor se conseguisse produzir artificialmente as obras da natureza, por participação do tempo, na sua espécie, aperfeiçoadas na sua virtude e modificadas na sua massa. Pois a ferrugem forma-se lentamente no ferro, mas a origem do açafrão de Marte é súbita, como o verdete e o chumbo branco. Os depósitos cristalinos formam-se depois de muito tempo; o vidro, ao contrário, é feito rapidamente. As pedras fazem-se com o tempo, os tijolos brevemente; e assim por diante. Em resumo, é necessário que se colecionem todas as espécies de calor, cada uma com os seus respectivos efeitos, e tal trabalho deve ser o mais cuidadoso e diligente possível; deve-se, assim, distinguir os corpos celestes conforme os seus raios diretos, reflexos, refratados e recolhidos em espelhos ustórios; os raios, as chamas, o fogo do carvão; o fogo segundo as várias matérias que o produzem e segundo as suas qualidades: fogo livre, fogo aprisionado, transbordando como uma corrente e segundo os diversos tipos de forno que o produzem; o fogo avivado pelo sopro e o fogo parado; o fogo colocado a diversas distâncias; o fogo filtrado por vários meios; calores úmidos, como banho-maria, o esterco animal, o calor animal interno e externo, o feno amontoado; o calor dos corpos secos, da cinza, da cal, da areia caldeada; enfim, todos os tipos de calor com as suas respectivas graduações.

Mas, sobretudo, é necessário indagar-se e descobrir-se os efeitos e as operações do calor que variam, conforme os graus, com ordem e periodicamente, com distâncias e intervalos adequados. Essa descontinuidade ordenada do calor é certamente fruto do céu, pois é a matriz de toda geração; e não é de se esperar um efeito igual no calor intenso, no calor violento e no calor irregular. Tudo isso é evidentíssimo nos vegetais e também no útero dos animais; há essa descontinuidade do calor, conforme os períodos de movimento, de repouso, de nutri­ção e segundo os desejos das gestantes. Essa descontinuidade ocorre mesmo no próprio seio da terra, onde se produzem os metais e se formam os fósseis. Isso deixa mais clara ainda a estupidez dos alquimistas, da escola reformada, que imaginaram que, valendo-se de calores de lâmpadas e coisas semelhantes em ignição perpetuamente igual, alcançariam os seus propósitos. A respeito da produção e dos efeitos do calor, resta dizer que estas investigações devem prosseguir até as descobertas das formas das coisas e dos esquematismos dos corpos, pois será o momento de se buscarem, aplicarem e adaptarem-se os instrumentos quando os modelos estiverem claramente estabelecidos.

O quarto modo de operar é o tempo que é o verdadeiro dispenseiro e depositário da natureza. O tempo (a demora), neste sentido, ocorre quando um corpo é confiado a si mesmo por um lapso considerável, mas protegido e defendido de toda força externa. Nesse caso só se manifestam e aperfeiçoam os movimentos interiores, de vez que os estranhos e externos estão interrompidos. pois as obras do tempo são muito mais sutis que as obras do fogo. Não ocorre a clarificação do vinho pelo fogo, nem as cinzas produzidas pelo fogo são tão aca­badas como as destruições realizadas pelos séculos. Mesmo as incorporações e misturas que ocorrem subitamente por meio do fogo são muito mais fracas que nas que intervém o tempo. Isso se deve a que o fogo e o calor muito forte destroem as partes dessemelhantes e os esquematismos internos, enquanto que o tempo constrói (como na putrefação). Em vista disso, seria de interesse observar-se que os movimentos dos corpos, completamente fechados, escondem alguma violência: isso acontece porque a segregação não impede qualquer movimento espontâneo. Por isso em um recipiente aberto age melhor para as separações, em um recipiente completamente fechado para as misturas; em um recipiente fechado, mas com entrada para ar, para as putrefações. E necessário, contudo, que se colecionem, em todos os lugares, com diligência, as instâncias das operações e dos efeitos do tempo sobre os corpos.

O quinto modo de operar é o da direção do movimento, que ocorre quando um corpo, encontrando outro, impede, repele, admite ou dirige o seu movimento espontâneo. Muitas vezes isso ocorre na forma e na disposição dos recipientes. Por exemplo, o de forma cônica e em pé facilita a condensação dos vapores nos alambiques; em posição contrária, serve para refinar o açúcar. As vezes é exigida uma curvatura ou um estreitamento ou dilatações sucessivas, e outras coi­sas semelhantes. A operação do calor consiste em proceder-se de tal modo que um corpo, encontrando-se com outro, deixe uma parte passar, enquanto que a outra é segura. A passagem de um corpo por outro, na filtração, não ocorre sempre exteriormente; algumas vezes um corpo infiltra-se no interior de outro, coisa que ocorre quando colocamos pequenas pedras na água para recolher o sedimento ou quando se clarificam os xaropes por meio da clara de ovo, que só absorve as partes mais grossas, permitindo a sua eliminação. Para a direção do movimento Telésio atribuiu figuras de animais, mas sem critério e sem conhecimento de causa, apenas porque observou a pre­sença de rugosidades e canais na matriz. Mas deveria ter notado uma conformação semelhante nas cascas dos ovos, onde não se notam rugosidades ou desigualdades. Tem-se a direção do movimento nas formações obtidas entre modelos ou formas plásticas.

Quanto às operações que ocorrem por consenso ou fuga (que constituem o sexto modelo), na maior parte estão profundamente escondidas. Tais propriedades ocultas, e específicas, simpatia e antipatia, são em sua maioria corruptelas da filosofia. E não se pode espe­rar encontrarem-se os consensos das coisas antes das descobertas das formas e dos esquematismos simples. Pois o consenso nada mais é que a mútua simetria das formas e dos esquematismos.

Os consensos maiores e quase universais das coisas não são completamente obscuros. A primeira diversificação a ser notada é a de que alguns corpos se diversificam muito entre si devido à densidade ou à rarefação da massa, mas concordam na estrutura interna, ou seja, nos esquematismos; outros, pelo contrário, diferem nos esquematismos e concordam na massa. Os químicos observaram com propriedade três princípios: que o enxofre e o mercúrio acham-se esparsos por todo o universo e por todos os corpos. O sal, contudo, foi introduzido para explicar os corpos secos, terrosos e duros, e não deve ser considerado como terceiro. Apenas nos primeiros dois é possível descobrir-se um dos consensos mais gerais da natureza. Consensossão encontrados de fato entre o enxofre, o óleo ou vapor graxo, a chama e, talvez, corpo das estrelas. Por outro lado, consentem entre si o mercúrio, a água e os vapores aquosos, o ar e talvez também o puro éter disseminado entre as estrelas. Nas primeiras quatro substâncias gêmeas, como nas outras quatro substâncias que se estendem por duas ordens diferentes, abarcando quase toda a natureza, encontram-se notáveis diferenças quanto à massa e à densidade da matéria, mas não quanto ao esquematismo. E disso há numerosas provas. Por sua vez, os metais convêm entre si na diversidade da matéria e na densidade (sobretudo se comparados aos vegetais e aos animais), mas dife­rem bastante quanto ao esquematismo; já os animais e os vegetais va­riam quase que infinitamente no esquematismo, pouco diferindo na densidade ou quantidade de matéria.

Vejamos outro consenso, que contudo não é tão bem entendido quanto o primeiro, que é o que há entre os corpos principais e aqueles que os estimulam, ou seja, os mênstruos 258 e os seus alimentos. A seu respeito, deve-se investigar em qual clima, em qual região e a qual profundidade produzem-se os vários metais e as pedras preciosas que nascem nas rochas e nas minas, e em que terreno se produzem os vários tipos de árvores, das árvores de frutos às várias espécies de ervas, quais devem ser os melhores adubos, se o esterco, se a cal, se a areia, se a cinza, etc., segundo as várias espécies de terreno. Também o enxerto das árvores e das plantas, bem como os seus tipos, muito depende do consenso, ou seja, saber qual a planta que se pode enxertar com outra com maior sucesso. Há um experimento, do qual ouvi­mos falar recentemente, que se faz pelo enxerto em plantas silvestres (que até agora se costuma fazer mais com as árvores de horta) e com que se tem conseguido aumentar notavelmente folhas e frutos bem como a copa das árvores. Devem ser observados, também, os respectivos alimentos dos animais em geral, separando-se os nocivos. Por exemplo, os animais carnívoros não toleram as ervas, e por isso os monges da ordem Cisterciense de Feuillans 259 (apesar de a vontade humana ter mais poder sobre o corpo que os outros animais) quase desapareceram, de vez que o feito não podia ser tolerado pela espécie humana. Igualmente devem ser observadas as diversas matérias das putrefações, das quais se engendram certos animálculos.

Os consensos gerais dos corpos com os seus subordinados, assim podem ser considerados os que observamos, estão bastante claros. A eles podem ser acrescentados os consensos dos sentidos com os seus objetos. Esse tipo de consenso é muito conhecido, mas pode ser melhor estudado, com o que se poderia levar luz aos outros consensos.

Mas os consensos internos dos corpos e as fugas, ou seja, a amizade e as discórdias dos corpos (preferimos não usar os termos simpatia e antipatia, que se ligam a vás superstições), ou são falsos, ou fabulosos, ou muito raros, por falta de cuidado dos homens, que não fizeram observações adequadas. Pode ser observado que entre a vinha e a couve há discórdia pelo fato de que, plantada uma perto da outra, não se desenvolvem; a razão é que se trata de plantas que absorvem muito humor e que uma usurpa a outra. Por outro lado, pode ser dito que há consenso e amizade entre o trigo, a centáurea e a papoula porque essas ervas quase que se desenvolvem nos campos cultivados, quando deveria ser dito que entre elas haveria discórdia, pois a cen­táurea e a papoula alimentam-se e desenvolvem-se da substância da terra que foi eliminada e expulsa pelo trigo; por isso a semeadura é a melhor preparação do seu terreno. Considerações falaciosas como essas há em grande número. Quanto às fabulosas, essas devem ser completamente eliminadas. Resta um pequeno número de consensos suscetíveis de serem comprovados pelo experimento, e entre eles devem ser anotados os do magneto e o ferro, o ouro e o mercúrio, e outros semelhantes. Entre os experimentos químicos com metais, nenhum há que mereça destaque. Mas a maior abundância (no meio de tanta escassez) pode ser encontrada em certas medicinas, que pelas suas chamadas propriedades ocultas e específicas guardam relação ou com os membros do corpo, ou com os humores, ou com as doenças, ou até com as naturezas individuais. E não devem ser desprezados os consensos entre os movimentos e os efeitos da lua e as paixões dos corpos aqui da terra, que podem ser extraídos dos experimentos agrícolas, náuticos, médicos e outros, que devem ser avaliados com muito discernimento e colecionados em conjunto. Mas, quanto mais raras são as instâncias dos consensos mais recônditos, tanto maior cuidado se deve ter em só acolher relatos e tradições fidedignos e seguros, evitando-se qualquer superficialidade e credulidade, sempre conce­dendo uma confiança inquieta e quase propensa à dúvida. Resta tra­tar do consenso dos corpos, cujo modo de operar é muito simples, mas que, estando sujeito a um múltiplo uso, não deve ser de maneira alguma desprezado, mas ao contrário, estudado com cuidadosas observações. Ele consiste na propensão ou relutância que têm os corpos para se unirem ou conjugarem-se, seja pela mistura ou por simples aposição. Alguns corpos se misturam e incorporam-se com facilidade e de maneira voluntária, outros com dificuldades e com repugnância. Por exemplo, os corpos em forma de pó se incorporam melhor à água; a cal e a cinza, ao óleo; assim por diante. Não se pode dar como terminado o trabalho de investigação depois da coleta das instâncias de propensão e de aversão à mistura: deve-se passar a investigação da colocação e distribuição das partes e disposição depois de misturadas; e, depois de concluída a mistura, ao predomínio resultante.

Finalmente, como último dos sete modos de operar, é necessário falar-se da aplicação alternada dos seis modos precedentes. Sobre isso, não é oportuno aduzirem-se exemplos até que a sua investigação tenha progredido significativamente. Essa recíproca e ordenada alternância é tão difícil de ser entendida quanto é útil às operações. Todavia, os homens são muito impacientes, tanto na investigação quanto na prática; mesmo que aí esteja o verdadeiro fio do labirinto para a descoberta de obras mais importantes. Tais exemplos são suficientes para as instâncias policrestas.