NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo XXV
 

Entre as instâncias prerrogativas, colocaremos em quarto lugar as instâncias clandestinas, 146 a que também costumamos chamar de instâncias do crepúsculo. 147 São, por assim dizer, as instâncias opostas às ostensivas; exibem, de fato, a natureza investigada na sua ínfima força e, por assim dizer, em estado de incubação e nos seus rudi­mentos; mostram-na nas suas primeiras tentativas e ensaios, mas obscurecida e submetida por uma natureza contrária. Tais instâncias são de grande importância para a descoberta da forma, pois, se as ostensivas orientam facilmente a identificação das diferenças específicas, de sua parte as instâncias clandestinas conduzem e facilitam a identificação dos gêneros, ou seja, das naturezas comuns de que as naturezas investigadas são simples limitações.

Por exemplo, seja a consistência a natureza a ser investigada: ou seja, aquilo que fixa os limites do corpo e cujo contrário é a liquidez ou a fluidez. As instâncias clandestinas são aquelas que mostram um grau ínfimo de consistência em um fluido; é o caso da bolha de água que é uma espécie de película consistente e delimitada, feita de água. O mesmo ocorre com as goteiras que, quando há água suficiente para correr, formam um fio muito tênue e de tal modo que a água não se interrompe; mas quando não há água suficiente para cair numa sucessão continua a água cai em gotas redondas, a figura que melhor se presta para evitar qualquer descontinuidade da água. Contudo, no exato instante em que cessa o fio de água e tem inicio a queda das gotas, a água se retrai em relação a si mesma para evitar a descontinuidade. Mesmo nos metais que, em fusão, são líquidos mais espes­sos, muitas vezes as próprias gotas se retraem em si mesmas e assim ficam. E semelhante à instância representada pelos pequenos espelhos que as crianças costumam fazer com dois juncos, unidos pela saliva, no meio dos quais se pode notar uma película consistente feita de água. O mesmo fato pode melhor ser observado em outro brinquedo infantil em que se usa a água (tornada mais consistente pelo sabão) e, com um canudo, sopra-se, fazendo com essa água um verdadeiro cas­telo de bolhas; e estas, pela intromissão do ar, conservam um grau de consistência capaz de manter certa continuidade, mesmo que muitas bolhas se rompam. Isso é ainda bem visível na espuma e na neve, que adquirem tal consistência que chegam quase a ser passíveis de cortes, mesmo sendo corpos formados de ar e de água, ambos líquidos. Todos esses exemplos indicam de maneira nada obscura que o líquido 148 e a consistência são noções vulgares e relativas aos sentidos; 149 mas também que em todos os corpos está presente a fuga ou a tendên­cia no sentido de evitar a própria descontinuidade e que tal tendência nos corpos homogêneos, como nos líquidos, é débil e frouxa; enquanto que nos corpos compostos de partes heterogêneas é muito mais forte e viva. E isso porque a presença de um corpo heterogêneo une os corpos, enquanto a introdução de um corpo homogêneo os dis­solve e relaxa.

Da mesma maneira, procure-se investigar, por exemplo, a natu­reza da atração ou coesão dos corpos. 150 A mais notável instância ostensiva dessa forma é o magneto. A natureza contrária à atração é a não-atração, como a que existe em substâncias semelhantes. O ferro não atrai o ferro, o chumbo não atrai o chumbo, a madeira não atrai a madeira, a água não atrai a água, etc. Mas a instância clandestina é o magneto armado de ferro, ou melhor, o ferro armado em um mag­neto. A natureza é tal que o magneto, armado a uma certa distância, não exerce mais atração sobre o ferro que o magneto desarmado. Mas se o ferro é aproximado do magneto, armado até tocá-lo, então o magneto armado sustentará um peso de ferro muito maior que um magneto simples e sem armação, em vista da semelhança da subs­tância do ferro com o ferro. Essa propriedade de operar era completa­mente clandestina ou latente no ferro, antes que o magneto dele fosse aproximado. Daí fica claro que a forma de coesão dos corpos é algo de vivo e intenso no magneto, fraco e latente no ferro. Deve, ainda, ser notado que pequenas flechas de madeira, sem ponta de ferro, dispara­das por bestas grandes, penetram mais a madeira (como os flancos do navio ou coisas semelhantes) que essas mesmas flechas armadas com a ponta de ferro; isso devido à semelhança da substância da madeira com a madeira, embora essa propriedade já antes estivesse latente na madeira. Da mesma maneira, apesar de o ar manifestamente não atrair o ar e a água, água, uma bolha aproximada de outra bolha dissolve-se mais facilmente que se tal não tivesse ocorrido, isso devi­do ao apetite de coesão que tem a água para com a água e o ar para com o ar. Tais instâncias clandestinas (que são de notável utilidade, como já foi dito) tornam-se visíveis sobretudo em porções pequenas e sutis dos corpos. As massas maiores seguem formas mais gerais e universais, como se dirá no devido lugar.