NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO II - AFORISMOS

Aforismo IV
 

Ainda que as vias que levam ao humano poder e à humana ciência estejam muito ligadas e sejam quase coincidentes, apesar do pernicioso e inveterado hábito de se propender para as abstrações, é muito mais seguro urdir e derivar as ciências dos mesmos fundamentos apropriados para o lado prático e deixar que esta designe e determine o lado contemplativo. Em vista disso, para se gerar ou introduzir em um corpo dado uma certa natureza, é necessário se considere devidamente o preceito ou direção ou dedução que deve ser escolhido, e isso deve ser feito em termos claros e não abstrusos.

Por exemplo, se alguém se propõe a dotar a prata da cor amarela do ouro ou aumentar-lhe o peso (observando as leis da matéria) ou tornar transparente uma pedra não transparente, ou dar resistência ao vidro, ou vegetação a um corpo não vegetal, deve averiguar a regra ou a dedução mais conveniente para o caso. Com tal propósito, em primeiro lugar, estará, sem dúvida, interessado em um procedimento que não frustre a empresa, nem leve ao malogro o experimento. Em segundo lugar, estará igualmente interessado em um procedimento que não o constranja nem o force ao uso de certos meios e modos particulares de proceder. Pois pode ocorrer que não disponha de tais meios ou não tenha possibilidade ou condições de consegui-los. E se há outros meios ou modos para reproduzir a natureza desejada (além daqueles preceitos), eles poderiam estar ao alcance do operador. E este poderia, pela rigidez dos preceitos, anular os resultados. Em terceiro lugar, desejará que lhe seja indicado algo que não seja tão difícil quanto a própria operação investigada, mas que seja mais próximo da prática.

A regra verdadeira e perfeita para o operar pode ser assim enun­ciada: que seja certa, livre e predisposta ou que esteja ordenada para a ação. 15O mesmo deve ser levado em conta para a descoberta da forma. Pois a forma de uma natureza dada é tal que, uma vez estabelecida, infalivelmente se segue a natureza. Está presente sempre que essa natureza também o esteja, universalmente a afirma e é constantemente inerente a ela. E essa mesma forma é de tal ordem que, se se afasta, a natureza infalivelmente se desvanece; que sempre que está ausente está ausente a natureza, quando totalmente a nega, por só nela estar presente. Finalmente, a verdadeira forma é tal que deduz a natureza de algum princípio de essência 16 que é inerente a muitas naturezas e é mais conhecido (como se diz) na ordem natural que a própria forma. 17 Por conseguinte, o enunciado e a regra do verdadeiro e perfeito axioma do saber: que se descubra outra natureza que seja conversível à natureza dada e que ainda seja a limitação de uma natureza mais geral, à maneira de um verdadeiro gênero. 18 Estes dois enunciados, um ativo e outro contemplativo, são a mesma coisa, pois o que é mais útil na prática é mais verdadeiro no saber. 19