NOVUM ORGANUM
Francis Bacon

AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA
E O REINO DO HOMEM
LIVRO I - AFORISMOS

Aforismos 22-32
 

XXII

Tanto uma como a outra via partem dos sentidos e das coisas particulares e terminam nas formulações da mais elevada generali­dade. Mas é imenso aquilo em que discrepam. Enquanto que uma per­passa na carreira pela experiência e pelo particular, a outra aí se detém de forma ordenada, como cumpre. Aquela, desde o início, esta­belece certas generalizações abstratas e inúteis; esta se eleva gradual­mente àquelas coisas que são realmente as mais comuns na natureza.

XXIII

Não é pequena a diferença existente entre os ídolos da mente hu­mana e as idéias 6 da mente divina, ou seja, entre opiniões inúteis e as verdadeiras marcas e impressões gravadas por Deus nas criaturas. tais como de fato se encontram.

XXIV

De modo algum se pode admitir que os axiomas constituídos pela argumentação valham para a descoberta de novas verdades, pois a profundidade da natureza supera de muito o alcance do argumento. Mas os axiomas reta e ordenadamente abstraídos dos fatos particulares, estes sim, facilmente indicam e designam novos fatos particulares e, por essa via, tornam ativas as ciências.

XXV

Os axiomas ora em uso decorrem de experiência rasa e estreita e a partir de poucos fatos particulares, que ocorrem com freqüência; e estão adstritos à sua extensão. Daí não espantar que não levem a novos fatos particulares. Assim, se caso alguma instância 7 não antes advertida ou cogitada se apresenta, graças a alguma distinção frívola procura-se salvar o axioma, quando o mais verdadeiro seria corrigi-lo.

XXVI

Para efeito de explanação, chamamos à forma ordinária da ra­zão humana voltar-se para o estudo da natureza de antecipações da natureza (por se tratar de intento temerário e prematuro). E à que procede da forma devida, a partir dos fatos, designamos por interpretação da natureza.

XXVII

As antecipações são fundamento satisfatório para o consenso, 8 pois, se todos os homens se tornassem da mesma forma insanos, poderiam razoavelmente entender-se entre si.

XXVIII

Ainda mais, as antecipações são de muito mais valia para lograr o nosso assentimento, que as interpretações; pois, sendo coligidas a partir de poucas instâncias e destas as que mais familiarmente ocor­rem, desde logo empolgam o intelecto e enfunam a fantasia; enquanto que as interpretações, pelo contrário, sendo coligidas a partir de múl­tiplos fatos, dispersos e distanciados, não podem, de súbito, tocar o intelecto, de tal modo que, à opinião comum, podem parecer quase tão duras e dissonantes quanto os mistérios da fé.

XXIX

Nas ciências que se fundam nas opiniões e nas convenções é bom o uso das antecipações e da dialética, já que se trata de submeter o assentimento e não as coisas.

XXX

Mesmo que se reunissem, se combinassem e se conjugassem os engenhos de todos os tempos, não se lograria grande progresso nas ciências, através das antecipações, porque os erros radicais perpetrados na mente, na primeira disposição, não se curariam nem pela excelência das operações nem pelos remédios subseqüentes.

XXXI

Vão seria esperar-se grande aumento nas ciências pela superpo­sição ou pelo enxerto do novo sobre o velho. É preciso que se faça uma restauração da empresa a partir do âmago de suas fundações, se não se quiser girar perpetuamente em círculos, com magro e quase desprezível progresso.

XXXII

A glória dos antigos, como a dos demais, permanece intata, pois não se estabelecem comparações entre engenhos e capacidades, mas de métodos. Não nos colocamos no papel de juiz, mas de guia.