PORTUGAL
2. SOB O SIGNO DA LIBERTAÇÃO DIGITAL

O tópico da saída do Egipto é claramente o tópico da libertação (N. Frye e Cl. Vigé), interpretado, por exemplo por Daniel Sibony como a saída da escrita fetiche, autónoma, ou ainda por Pierre Lévy que fala da virtualização como êxodo . Sabe-se que Xanadu , sistema de informação hipertextual, começou com a busca de libertação pessoal de Ted Nelson. O espírito irrequieto do inventor e a sua incapacidade de controlar as coisas deixava-o relativamente indefeso. Queria ser escritor e realizador, mas tinha de arranjar maneira de evitar perder-se na multiplicação frenética de associações que o seu espírito produzia. A sua grande inspiração foi imaginar um programa de computador que pudesse controlar todos os percursos divergentes do seu pensamento e da sua escrita. A este conceito de escrita ramificada, não linear, deu Nelson o nome de hipertexto .

Moldado no Whole Earth Catalog, o Computer Lib de Ted Nelson era um verdadeiro credo de libertação tecnológica, um tratado político e moral: “ESTE LIVRO É A FAVOR DA LIBERDADE PESSOAL E CONTRA AS RESTRIÇÕES E A COERÇÃO”. “O PODER DOS COMPUTADORES AO POVO! ABAIXO A CYBERCRUD!”.

O protótipo de computador pessoal da New Age que a Apple lança no mercado é a via real que transforma o sonho de Nelson, o poder dos computadores para o povo. Nelson pensa que o hipertexto e o hipermedia, termos que lhe são atribuídos, poderiam mudar a maneira como os livros e outros textos são produzidos e consumidos. Esse novo meio tornar-se-ia uma vasta base de dados da literatura inglesa, que se chamaria Xanadu. Em Xanadu o livro é considerado já um artefacto cultural obsoleto. Não pode existir um texto fixo. Em Xanadu tudo existe devido à sua ligação com tudo o mais e esses elos estão constantemente a ser quebrados e refeitos. O sonho de Nelson assenta numa ideia sugerida por Vannevar Bush. Num artigo publicado em 1945 no Athlantic Monthly “As we may think”, Bush descrevia este aparelho para colocar sobre a secretária, a que chamava Memex, que nunca se chegou a construir, e que se compunha de um ecrã translúcido inclinado “sobre o qual podia ser projectado material para leitura conveniente”, um teclado e grupos de botões e alavancas. O lançamento do Macintosh em 1984 anunciava o aparecimento da nova máquina como um momento de libertação, e o individualismo da era do computador pessoal . Qualquer que tenha sido o êxito do sonho de Ted Nelson, a sua ideia de base ganhou de facto realidade: os computadores introduziram uma nova ordem de liberdade; os artistas tornaram-se “criadores de espaço” (Randal Walser) que tentam comunicar a própria experiência e em que a audiência representa directamente.

Sair da opressão, deixar o exílio a caminho da Terra Prometida, é a vocação do povo hebreu reconduzido a Canaã pela mão de Moisés e pelos Patriarcas que se lhe seguiram. Afinal, o hipertexto advoga uma idêntica saída prisão da linguagem e da escrita, uma páscoa da palavra a dizer, oral, comunitária, que não negoceia com a sedentarização, com o ídolo da presença de que vive o poder biopolítico, mas que é frequentemente desassossegado pela palavra profética da errância, do nomadismo. Bob Albrecht e LeRoy Finkel lançaram, em Outubro de 1972, um jornal chamado People´s Computer Company que transmitia a seguinte mensagem:

Os computadores são sobretudo

Usados contra as pessoas e não para as pessoas

Usados para controlar os indivíduos e não para os LIBERTAR

É altura de mudar tudo isso

Precisamos de...

Uma Firma de Computadores para o Povo .

O apelo é para deixar não só a "prison-house of language" de que Jameson convidava a sair, por causa do seu binarismo ou do seu imobilismo , mas também o sítio em que cada um pensava resumir o mundo; é um convite a entrar na "aldeia global" que MacLuhan vira. O horizonte em que se vive é o de uma nova Renascença, "o Renascimento prototípico do artista" de Brian Eno ou, nas palavras de Wortzel: "nalguns aspectos estamos a viver hoje em dia no Renascimento" .