PORTUGAL
15. O FIM DA CRÍTICA

Gerações de estudantes aprenderam a navegar em textos canónicos através dos títulos dos capítulos, números das páginas, ciosamente vigiados pela autoridade das Escolas. O hipertexto desafia estas práticas tradicionais, desafiando igualmente o nosso conceito tradicional de literatura. A prática corrente do método de "close reading" tornou-se problemática. A crise da crítica decorre em grande parte do "fim das ideologias" que arrastou consigo as metodologias literárias afins (o estruturalismo e a escola de Frankfurt, a psicanálise e a crítica marxista). A ideia de colaboração tornou-se mais determinante do que a ideia de coerência textual ou mesmo de pertinêntica semântica. Escrever uma ficção em árvore assemelha-se ao esquema da pirâmide: de alguma maneira se tem de recrutar escritores suficientes para escrever uma secção que suceda cada uma das escolhas oferecida pela nossa secção, e eles, por sua vez têm de recrutar outros. Claro que a colaboração traz problemas específicos. Os escritores que participam em séries de "mundo partilhado" há muito tempo que reconheceram a necessidade de um controlo editorial firme para evitar inúmeros erros de continuidade, verificando as localizações, as histórias, os costumes, as tecnologias, etc., criados por cada um dos colaboradores.

É inevitável que a interactividade venha a modificar o relacionamento da crítica com o navegador da Internet. Primeiro ponto: o excesso de informação e a necessidade de encontrar critérios de "dizimação", de "subtracção", de "acrescentamento" ou "adição", provavelmente papeis flexíveis que variam de domínio para domínio. Doutro modo o futuro será pior que o presente e atingiremos um nível em que o excesso de informação e de censura se tornarão inseparáveis. Os estudos acerca da utilização dos hipertextos (Dede, 1988; Foss, 1988) trazem à luz certos obstáculos que derivam essencialmente da desorientação e da sobrecarga cognitiva provocadas pela navegação hipertextual ("entropia cognitiva"). Note-se, como P. Virilio o tem feito, que: "nunca há informação sem desinformação. E uma desinformação de novo tipo parece possível doravante, nada tendo a ver com a censura voluntária. Trata-se de uma espécie de afixia do sentido, uma perda de controlo da razão". Segundo ponto: o da identificação do leitor com o crítico, e a consequente morte deste: "A opinião de toda a gente tem mais ou menos o mesmo peso online...Não passo de mais um fulano online", diz o famosíssimo crítico de cinema Roger Ebert. Um "forum online", será esse o futuro da crítica? Terceiro ponto: o da interactividade multisensorial, a que se refere Laufer, por exemplo, e em que, pelo menos no mundo do cyborg, entra em cena a engenharia do corpo eléctrico.

Da mesma maneira que não faz sentido falar do fim do texto, em vez de falarmos do fim da crítica, melhor será falarmos da sua transformação. A metáfora da guerra para indicar o debate académico em torno da crítica parece inadequada. Pode praticar-se uma crítica comprometida que não é meramente posicionada, que já não é ideologicamente alinhada de qualquer forma clara e manifesta, que já não é obrigada a manter uma posição ou a apresentar uma defesa argumentativa - que é de preferência "nómada" e táctica. O discurso crítico, apegado às constantes do discurso literário, procede de uma competência, isto é, de uma leitura particular de determinadas ficções.

Os problemas começam com a definição da textualidade, prolongam-se na questão da prática textual que dá pelo nome de "close reading", desembocam na sociologia da recepção, (por exemplo: como classifico Isto? como lido com a clausura e a indeterminação nas narrativas interactivas?), prolongam-se com a questão da censura e terminam com a questão dos direitos de autor. Parece evidente que a mutação tecnológica trazida pelo hipertexto é também uma mutação cultural. A tecnologia do hipertexto liberta da antiga opressão das técnicas de reprodução e das instâncias de destinação; espera-se que a prática da hiperficção produza o mesmo efeito libertador, na passagem do paradigma clássico da literatura para o novo paradigma em presença. A natureza da língua foi sempre mais de ordem político-libidinal do que linguística. Não admira, portanto, que a escrita experimental do hipertexto revista as armas e o ritual dos combates. Por exemplo B. Page investiga algumas escritoras contemporâneas que trabalham com formas não lineares, anti-hierárquicas e des-ou re-centradas e que conscientemente incorporam na sua escrita feminista discursos de resistência e a refiguração do corpo de mulher, da vontade e do desejo femininos. Donna Haraway adopta o emparelhamento máquina/ser humano e encara-o como fonte de novas possibilidades para a construção da identidade humana, susceptíveis de libertar as pessoas, pelo menos parcialmente, da sensação de que certas características do papel social sexualmente determinadas são inevitáveis. Para todas estas escritoras, tanto os temas como a estrutura da prosa são contestáveis, e todas procuram alterar a topografia do texto para dar espaço e expressão visual ao silêncio, às interrupções, às interpolações e às divisões da voz .