ARPEJOS DE UMA VIANDANTE / O SENHOR QUE GUARDA (6)
HELENA LANGROUVA (PINTURA E TEXTOS)
11-07-2003 triplov.com

terra

Naquela tarde de estio
O Senhor que guarda viu
Passando no corredor
Da oficina
A viandante do rio

Afilando o cabelo em trança
Rosto de índia ou cigana
Egípcia ou indiana
Andar ritmado de dança
Blusa branca de bordado
Saia longa do Líbano
Sandálias de peregrina

O Senhor que guarda pensou
Desta vez não vou sofrer
Dor do fauno pela ninfa fugidia
A viandante não irá partir
Vou ser discreto e seguro

Vejo apenas o bailar do seu corpo
Pressinto e vivo o momento
De a amar com a funda fibra
Magia exacta do amor
No dia já inesperado

Arpejando a sigo e vejo
Até à aurora dos dias
Os espantos do arco-íris

Sou o Senhor que a guarda
A guardará para sempre
No coração da vida
E nos arpejos eternos

Ao Senhor que guarda
Confio meus passos
No ritmo rouco e limpo
Dos homens e dos dias

Não sei como arpejar
Na hora da partida
Apenas caminho firme
Com o Senhor que guarda

Histórias de terror e mágoa
Nos serões de avós de outrora
Ecoam nas encruzilhadas

Crianças mudas ressequidas
Sorvem medos e espantos
Tremem ao som do monstro
Sem trigo loiro nem grito

Nas bailes da noite de estio
O Senhor que guarda
Dá concertos de harpa
Lisa harmónica bocal

A música e os improvisos
Perfume céltico de infância
Concerta a alma
Sereia medita no painel
Sacode a cabeleira de luz
Desenha braços em triângulo
Olha atenta e nua
Os sulcos da memória

É a vida que vibra
De corpo em corpo
Nas asas glaucas do tempo
E ressurgirá sempre
No mistério sem nome do canto
Na luz de espantos e esperas
No silêncio e fulgor das estrelas