AMÍLCAR CABRAL.........

A cultura e o combate pela independência

Extractos

“É preciso portanto, pelo menos em África, fazer a distinção entre a situação das massas populares, que preservam a sua cultura, e a das categorias sociais mais ou menos assimiladas, desenraízadas, e culturamente alienadas.

As elites coloniais autóctones, forjadas pelo processo de colonização, apesar de serem portadoras dum certo número de elementos culturais próprios da sociedade autóctone, vivem material e espiritualmente a cultura do estrangeiro colonialista, com o qual procuram identificar-se progressivamente, quer no comportamento social quer na apreciação própria dos valores culturais indígenas.

(...)

Esta ‘marginalidade’ constitui, tanto localmente como no seio das diásporas implantadas na metrópole colonialista, o drama sócio-cultural das elites coloniais ou da pequena burguesia indígena, vivido mais ou menos intensamente segundo as circunstâncias materiais e o nível de aculturação, mas sempre no plano individual, não colectivo.

É no contexto desse drama quotidiano, sobre o pano de fundo da confrontação geralmente violenta entre massas populares e a classe colonial dominante, que surge e se desenvolve na pequena burguesia indígena um sentimento de amargura ou um complexo de frustração e, paralelamente, uma necessidade urgente, de que ela toma pouco a pouco consciência, de contestar a sua marginalidade e de descobrir uma identidade. Volta-se então para o outro pólo do conflito sócio-cultural no seio do qual vive: as massas populares nativas.

Daí o ‘retorno às fontes’, que parece tanto mais imperioso quanto o isolamento da pequena burguesia (ou das elites nativas) for grande e quanto o seu sentimento ou complexo de frustração for agudo, como em relação às diásporas africanas implantadas nas metrópoles colonialistas ou racistas.

Não é pois por acaso que teorias ou ‘movimentos’ tais como o panafricanismo e a negritude (duas expressões pertinentes baseadas principalmente no postulado da identidade cultural de todos os africanos negros) foram concebidos fora da África Negra.

(...)

O problema dum retorno às fontes’ ou dum ‘renascimento cultural’ não se põe nem poderia pôr-se para as massas populares: visto que elas são portadoras de cultura, são a fonte da cultura e, ao mesmo tempo, a única entidade verdadeiramente capaz de preservar e de criar a cultura, de fazer a história.

Mas o ‘retorno às fontes’ não é, nem pode ser em si próprio, um acto de luta contra o domínio estrangeiro (colonialista e racista) e já não significa necessariamente um retorno às tradições. É a negação, pela burguesia indígena, da pretensa supremacia da cultura do poder dominador sobre a do povo dominado com o qual tem necessidade de se identificar. O ‘retorno às fontes’ não é pois uma tentativa voluntária, mas a única resposta viável à contradição irredutível que opõe a sociedade colonizada ao poderio colonial, as massas populares exploradas à classe estrangeira exploradora.

Quando o ‘retorno às fontes’ ultrapassa o contexto individual para se exprimir através de ‘grupos’ ou de ‘movimentos’, esta contradição transforma-se em conflito (velado ou aberto), prelúdio do movimento de pré-independência ou de luta pela libertação do jugo estrangeiro”.

 

In: Pires Laranjeira, Literatura Calibanesca. Porto, Edições Afrontamento, 1985.

Amílcar Cabral. 1924, 12 de Setembro: Nasce em Bafatá, Guiné - 1932: Vai para Cabo Verde - 1943: Completa no Mindelo o curso liceal - 1944: Emprega-se na Imprensa Nacional, na Praia - 1945: Com uma bolsa de estudo, ingressa no I. S. Agronomia, em Lisboa - 1950: Termina o curso e trabalha na Estação Agronómica de Santarém - 1952: Regressa a Bissau, contratado para os S. Agrícolas e Florestais da Guiné - 1955: O governador impõe a sua saída da colónia; vai trabalhar para Angola; liga-se ao MPLA - 1956: Criação em Bissau do PAIGC - 1960: O Partido abre uma delegação em Conacri; a China apoia a formação de quadros do PAIGC - 1961: Marrocos abre as portas aos membros do Partido - 1963, 23 de Janeiro: Início da luta armada, ataque ao aquartelamento de Tite, no sul da Guiné; em Julho o PAIGC abre a frente norte - 1970, 1 de Julho: O papa Paulo VI concede audiência a Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos; 22 de Novembro: O governador da Guiné-Bissau decide e Alpoim Calvão chefia a operação de "comando" "Mar Verde" destinada a capturar ou a eliminar os dirigentes do PAIGC sediados em Conacri: fracasso! - 1973, 20 de Janeiro: Amílcar Cabral é assassinado em Conacri.

Bibliografia em:
http://memoria-africa.ua.pt/library/searchRecords/TabId/166/language/pt-PT/Default.aspx?q=AU%20Cabral,%20Am%C3%ADlcar

http://senegambia.blogspot.com/
http://www.vidaslusofonas.pt/amilcar_cabral.htm