OS MINERAIS

Se considerarmos as rochas como documentos onde ficaram 𠇎scritas” determinadas fases da evolução do nosso planeta, desde a sua origem, há cerca de 4 460 milhões de anos, até aos nossos dias, podemos aceitar que os minerais são letras de uma linguagem particular que permite a leitura dessas rochas com vista ao conhecimento da referida evolução, à semelhança do que faz o historiador, ao decifrar escritas antigas em velhos pergaminhos, ou do que faz o músico, ao trautear os caracteres de uma partitura.

Decifrar a história da Terra passa, pois, por saber ler nas rochas através dos seus minerais e de outros elementos nelas conservados, como são, por exemplo, os fósseis. Por outro lado, estudar as rochas amplia a nossa visão sobre o mundo dos minerais, constituintes essenciais a todas elas, quaisquer que sejam as suas natureza e origem.

São mais de 3 500 as espécies de minerais conhecidas. Algumas, não muitas, entram na constituição das rochas e outras concentram-se em corpos geológicos particulares e têm elevado interesse como matérias-primas essenciais à sociedade.

Entende-se por espécie mineral um corpo natural, cristalino, de composição química variável, dentro de limites bem estabelecidos, e caracterizado por uma disposição regular dos seus átomos segundo padrões ou redes tridimensionais próprias de cada espécie. Tal empilhamento consiste numa repetição de um dado motivo em três direcções do espaço e, daí, o falar-se de estrutura triperiódica da matéria cristalina.

O carácter de corpo natural e cristalino, imposto na definição de espécie mineral, abarca o gelo, normalmente não incluído nos manuais de mineralogia. Pouco comum nas nossas latitudes, a água no estado sólido é uma realidade nos cimos permanentemente gelados das altas montanhas ou nas regiões polares. É ainda uma constante nos cometas ou na crosta de algumas luas dos nossos planetas longínquos. Todavia, por exclusão de partes, todos aceitamos a água, os gases atmosféricos e os saídos dos vulcões como parte do mundo mineral ou, como dantes se dizia, do “Reino Mineral”, e tanto assim é que a expressão água mineral faz parte da nossa linguagem comum.

Alguns autores pretendem incluir entre os minerais certas substâncias de evidente origem orgânica, como os carvões fósseis, muitas vezes referidos por carvões minerais. Tal concepção conduziu à aparição, em alguns manuais de Mineralogia, de uma classe intitulada Minerais Orgânicos, expressão que representa uma contradição face ao conceito de mineral, não pela aposição do adjectivo orgânico, mas sim porque tais substâncias naturais não são cristalinas. O carácter inorgânico que, acriticamente, fomos interiorizando ao longo do tempo, como uma característica dos minerais, não é condição necessária, pois são muitas as espécies minerais geradas pela actividade de certos seres vivos (aragonite, calcite, hematite, magnetite, etc.) e, portanto, de origem orgânica. Na óptica de tais autores dever-se-ia chamar mineral ao âmbar, ao petróleo e, pela mesma razão, à turfa, essa terra vegetal que compramos para colocar nos vasos com plantas, e, também, ao gás natural, o que não tem qualquer lógica. Nos textos clássicos e medievais não se fazia distinção entre minerais, pedras (rochas), betumes e outros materiais, todos então referidos como fósseis, termo que, em rigor, significa produto saído da terra, desenterrado.

Muitas das substâncias naturais de origem orgânica podem, por metamorfismo, ser transformadas em grafite, uma espécie de carbono nativo que já apresenta estrutura cristalina e que ninguém tem dúvida em aceitar como mineral, ao lado do diamante. Igualmente, ninguém rejeita como mineral o quartzo transformado a partir da opala do esqueleto de um radiolário, ou a magnetite derivada de um óxido de ferro produzido por um qualquer microrganismo. O que está em causa, pois, no conceito de mineral, não é o processo de formação, mas sim o carácter triperiódico da estrutura, isto é, o carácter cristalino.

Há substâncias naturais vulgarmente referidas como minerais mas que, em rigor, o não são. É o caso dos mineralóides, designação atribuída a certas substâncias inorgânicas, naturais, não cristalinas, vítreas e coloidais, na maior parte dos casos. Embora do “Reino Mineral”, estas substâncias não devem ser referidas como minerais por razões de coerência com o conceito de espécie estabelecido em mineralogia, conceito que implica o carácter cristalino. É o caso das opalas, que são formadas por um edifício não cristalino de sílica hidratada, cujo arranjo condiciona a existência dos efeitos de cor (opalescência) conhecidos nesta substância mineral com características de gema. É ainda o caso de certos hidóxidos de ferro e de alguns materiais argilosos comuns nos solos e em dados perfis de alteração.

O quartzo é um dos minerais mais abundantes na crosta terrestre, componente essencial do granito, ao lado dos feldspatos, das micas e de outros menos abundantes. Todos o conhecemos sob a forma de grãos de areia nas nossas praias. É esta mesma areia que, convenientemente tratada e fundida, se transforma no vidro que nos rodeia na sociedade moderna, organização humana que não dispensa este e muitos outros minerais onde figuram o ferro, o alumínio, o cálcio, o sódio, o potássio, o cobre, o chumbo, o estanho, o fósforo, o enxofre, bem conhecidos, de todos nós, e muitos mais, de uso menos divulgado mas importantes e hoje comuns nas mais modernas tecnologias. São igualmente minerais os componentes do barro ou da argila com que se fabricam as telhas, os tijolos e toda a faiança e porcelana que utilizamos diariamente.

Dizer-se que um mineral é um silicato, indica que pertence a um vasto conjunto que tem, como elementos constantes e característicos, silício e oxigénio, sendo as diferentes espécies que o integram definidas em função dos restantes elementos que as compõem e do modo como se arranjam entre si. Alumínio e potássio na ortoclase, ferro e magnésio na olivina, alumínio e berílio no berilo, espécie mineral cuja variedade azul celeste, transparente, ganha valor de gema como água-marinha e que, com uma pitada de crómio e ou de vanádio, gera a variedade de cor verde, tida por pedra preciosa e conhecida por esmeralda. O rubi, vermelho, e as safiras, azuis e de outras cores, são variedades do mineral corindo, um óxido de alumínio, o mesmo metal da moderna civilização que se extrai industrialmente dos bauxitos, um tipo particular de solo tropical formado por alteração de certas rochas, sob condições climáticas de extrema humidade e calor. O resíduo que aí fica desta profunda alteração é essencialmente formado por hidróxidos de alumínio, conhecidos dos estudiosos e que têm nome: gibbsite, diásporo e bohemite, três minerais diferentes, mas com idêntico conteúdo químico (oxigénio, hidrogénio e alumínio).

Chama-se calcite uma das espécies naturais de carbonato de cálcio e também a mais abundante. É um composto de carbono, oxigénio e cálcio, elementos de que também são constituídas muitíssimas variedades de calcário, certos mármores, as belas estalactites, o alabastro e muitas conchas de moluscos. Se em vez de cálcio a associação carbono-oxigénio se ligar com ferro, forma-se um outro mineral, a siderite; com cálcio e magnésio, a dolomite; com chumbo, a cerussite, etc.. O gesso é um sulfato de cálcio hidratado, mas há outros sulfatos menos conhecidos: o de cobre (calcantite), o de bário (barite), o de chumbo (anglesite), o de potássio e alumínio, de nome alunite (a vulgar pedra-ume), etc..

A pirite, que todos sabemos estar ligada à história e aos cantares dos mineiros de Aljustrel, é um sulfureto de ferro, uma associação química de enxofre e ferro; pertence à mesma classe da galena (com chumbo), da blenda ou esfalerite (com zinco) ou da calcopirite, importante e principal minério de onde se extrai o cobre. Outros minerais são constituídos por um só elemento, como o diamante e a grafite, ambos carbono puro. O ouro e a prata dificilmente se combinam com outros elementos e, assim, aparecem também na natureza quase sempre no estado elementar. Mas há mais e bem conhecidos, como o cobre, o bismuto, a antimónio, o arsénio, o enxofre e o mercúrio.

Se há minerais que se formam a grandes profundidades, sob condições de pressão e de temperatura elevadíssimas, como é o caso do diamante e de alguns mais, outros há que são gerados e se desenvolvem à superfície da Terra, sob os nossos olhos. Entre estes encontram-se alguns dos minerais dos basaltos que vemos arrefecer e consolidar, o sal-gema, precipitado por evaporação da água do mar, a aragonite e a calcite, geradas nas estalactites ou nos recifes de coral, e as vulgaríssimas argilas dos caminhos poeirentos ou enlameados, e dos solos, resultantes da alteração (meteorização) de outros minerais primários das rochas como são os feldspatos.

Os sulfuretos, como os já referidos e muitos outros, geram-se em meios redutores, pobres de oxigénio livre. Pelo contrário, na presença deste gás atmosférico, isto é, nos níveis mais superficiais da crosta têm origem óxidos, como a hematite, e outros minerais oxigenados reunidos entre os carbonatos, os sulfatos, os fosfatos ou os nitratos. Mas há outros óxidos primários que nada têm a ver com o ambiente supergénico, como o quartzo (óxido de silício) e a magnetite (de ferro), a cassiterite (de estanho) e a cromite (de crómio), gerados em corpos rochosos da profundidade.

Em ambientes onde se faça sentir a acção hidratante da água, geram-se os hidróxidos, como é o caso da goethite, um mineral de ferro cujo nome constitui uma justa homenagem ao poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1823), que foi, igualmente, um notável mineralogista. Têm também água na sua constituição, por exemplo, o gesso (sulfato de cálcio hidratado) ou os minerais das argilas (caulinite, ilite, montmorilonite, etc.).

Os exemplos apresentados são apontamentos breves de um modelo que, grosso modo, coincide com o modelo petrogenético, isto é, o da origem das rochas nos seus respectivos ambientes, na medida em que estas nascem com os minerais ou se formam a partir deles. Assim, falar dos ambientes geradores das rochas é falar do berço dos minerais que as constituem.

Alguns minerais datam do início do Sistema Solar. São condensados da nébula a partir da qual se formaram o sol, os planetas e de mais corpos dessa grande conjunto. Datam desses primórdios do tempo a olivina e os outros minerais dos meteoritos mais antigos, como o que caiu em Ourique, em 1998. Na Terra, os minerais da crosta mais antiga conhecida (gnaisses em Acasta, no Canadá) têm cerca de 4 000 milhões de anos, sendo ainda mais antigos certos zircões incluídos em quartzitos da Austrália. Com idades ainda superiores, na ordem dos 4 400 milhões de anos, conhecem-se os minerais dos anortositos da crosta lunar.

O dinamismo interno o externo da Terra é uma constante desde o seu início e, assim, a génese das montanhas, o vulcanismo e outros processos geradores de minerais actuam desde o começo do tempo do Sistema Solar e estão ainda em curso. Há rochas e minerais de todas as idades e, mesmo neste momento, estão a nascer minerais, por exemplo, no arrefecimento das lavas dos vulcões activos e nos sedimentos em formação.

Têm cerca de 500 Ma o quartzo, o feldspato e as micas dos granitos do Porto e de Portalegre, mais velhos do que os de Viseu, com 280 Ma, ou do que os de Sintra, com “apenas” cerca de 80. As pirites alentejanas rondam os 360 Ma e a que ocorre associada aos arenitos cretácicos, em Belas, tem pouco mais de 100. À calcite dos mármores de Extremoz, com 500 MA, opõe-se a das estalactites em formação nas grutas de Mira d’Aire. A olivina do condrito caído em Ourique, com mais de 4 500 Ma, é o mesmo mineral que o dos basaltos de Lisboa, com 72 Ma, ou que o das lavas açoreanas acabadas de consolidar.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2002