LER NAS ROCHAS

De há muito que buscamos utilidade nas rochas e em muitos dos minerais que as formam ou nelas ganham existência. Do sílex dos nossos mais primitivos avós ao quartzo piezoeléctrico dos relógios de pulso dos dias de hoje, ou do breu explorado e usado como combustível na Mesopotâmia ao crude, ao gás natural e ou urânio consumido nas centrais nucleares, sempre o homem as utilizou como bens que a Natureza colocou ao seu dispor. Mas as rochas não podem deixar de ser vistas também como documentos valiosos de uma história só através delas passível de ser desvendada.

Todos aceitamos naturalmente um velho pergaminho, uma catedral, uma ruína ou qualquer vestígio pré-histórico como documentos de um passado mais ou menos antigo. Do mesmo modo, as rochas, na sua diversidade e modos de ocorrência, podem e devem ser entendidas como documentos de uma outra história bem mais remota que, em vez de séculos e milénios, se desenrolou ao longo de milhões e até de milhares de milhão de anos.

As rochas testemunham uma evolução planetária profundamente antiga, feita de lavas incandescentes, de dilúvios intermináveis, de longos invernos gelados, de desertos abrasadores e de catastróficas colisões com outros corpos seus irmãos no Sistema Solar. Falam-nos de continentes à deriva e revelam-nos oceanos que se abriram e fecharam, deixando como testemunhos sucessivas cadeias de montanha, umas já desaparecidas, outras mais recentes, de relevo vigoroso e em plena ascensão. Durante essa evolução a vida surgiu e progrediu, sofreu extinções mais ou menos generalizadas e profundas e recompôs-se sempre, até chegar aos milhões de espécies que caracterizam a actual biodiversidade. De tudo isto ficaram-nos testemunhos arquivados nas rochas que, assim, nos permitem investigar também a história da Vida a que deram berço e suportam. As rochas são, pois, a memória da Terra, memória que pode ser lida e contada, bastando para tal que se conheçam os caracteres dessa escrita.

Como documentos da evolução do nosso planeta, desde a sua origem até os nossos dias, podemos ler nas rochas, à semelhança do que faz o paleógrafo ao descodificar velhos pergaminhos, do que todos fazemos nos livros ou do que faz o músico ao trautear uma partitura. Decifrar a história da Terra passa, pois, por saber ler nas rochas através dos seus minerais, dos seus fósseis e de outros elementos nelas conservados.

Lisboa, 23 de Setembro de 2002