1 A CAUTELA

O que eliminas quando falamos
em tomar consciência dos fatos,
quando buscamos, talvez cegos,
um lugar físico para a verdade?
costumas chamar de correções
ou zelos afeitos à vida eterna,
e justificas no gesto um estado
prolongado da salvação humana,
de não rendição aos caprichos
mais indesejáveis do destino?

2 A PERCEPÇÃO

O que nos esclarece o sentido
de um encantamento fortuito
quando se ausentam, diversas
as razões, os motivos instáveis
de uma presença da realidade,
por vezes me ponho a pensar
na supressora regra da virtude,
se não estaria ali uma estável
rejeição do impuro, uma réplica
da mais comum atitude humana.


3 A CONVENIÊNCIA

Será tão feio assim, me indago,
o que costumas desdenhar,
ou acaso a beleza revela em ti
uma fina dádiva da eliminação,
distinta maneira de contemplar
o que é alheio a argumentos
quando se tira, leva, acrescenta
modos de ser a uma evidência?
Será mesmo tão simples o apreço
apropriado a cada leitura figural?
4 A REPRESENTAÇÃO

Haverá uma maneira madura
de ver o mundo?
, era a curiosidade
do visitante ao sair de um Museu
de Arte Contemporânea, e talvez
o dissesse pensando no assédio
do catálogo ao impor uma madurez
de estilo a obras em curso, falaz
etiqueta, não pela arte vendida,
mas pelo recurso da incerteza
eliminada no artista e no visitante.

5 A SEMELHANÇA

É comum a troca de amabilidade
entre a realidade e a imagem,
de maneira que quase ninguém
mais sabe a distinção entre Deus
e o homem, e quando um se diz
o outro legitima a impossibilidade
de sê-lo, pois nada é semelhante,
ou o parecido nunca é o mesmo,
e quando assim o quer, se desfaz,
aberração entregue à própria sorte.


6 A INTERPRETAÇÃO

Ao menos uma vez terei indagado
acerca da vida do artista, decerto
crendo que tal imagem justificaria
alguns princípios meus: uma idéia
prefigurada do mundo esboçada
por olhos alheios, a voz assimilada,
vinda de um longe tão próximo,
maneira de estar no outro, impulso,
acaso, talvez a vergonha latente
por não saber-se guia de si mesmo.