O BANHO DAS QUIMERAS

Pensa na hora extrema.
Marco Aurélio


A sombra de um diálogo não é de todo o silêncio. As inversões de conceito não levam propriamente a uma negativa do mesmo. Entre o êxito e a hesitação não se estabelece um vazio dado a perder. A aparência é a raiz de todo caos. Diante de nós (no toucador, no retrovisor, no monitor) o mundo é apenas o que se mostra. Queríamos talvez tudo medido, o espontâneo sob controle, um ritmo marcado de existir. Nem percebemos o quanto transformamos proximidade em distância. Agora vemos bem longe, longe, quase como uma impossibilidade, uma dolorida impossibilidade, o reencontro com o que parecemos ser. E já fomos. Não estamos mais ali. Não há idéia de recuperar o que não houve. Quimeras são cabras errantes, ex-votos de um pastoreio de símbolos. A perspectiva de uma religiosidade define uma condição sagrada, mas não elude a contraposição. O mundo está se fazendo graças a um diálogo permanente entre afirmação e negação. Não há como estancá-lo. Ou mesmo recuperá-lo em nome de uma nostalgia. Não há fogo parado. O que ainda entendemos como vida só existe em movimento. Nossas vísceras estão queimando, a paisagem à nossa frente, o rastilho da memória. O que está dentro e fora de nós requer um fogo sagrado para seguir existindo. A aceitação é um desprendimento, requer estar, ao mesmo tempo, dentro e fora do objeto que a define.