FERNANDO PESSOA . PRIMEIRO FAUSTO

Segundo Tema:
O Horror de Conhecer
XVIII

O decorrer dos dias
E todo o subjetivo e objetivo
Envelhecer de tudo, não me dói
Por sentido, mas sim por ponderado;
Nem ponderado dói, mas apavora.
Tudo tem as [razões] na treva
Do mistério e eu sou disso sempre
Demasiado consciente, muito
Atento ao substancial do existir
E à [consciência] do mistério em tudo.
Cada coisa p'ra mim é porta aberta
Por onde vejo a mesma escuridão;
Quanto mais olho, mais eu compreendo
De quanto é escura aquela escuridão;
E quanto mais o compreendo, mais
Me sinto escuro em o compreender.
Desde que despertei para a consciência
Do abismo da noite que me cerca,
Não mais ri nem chorei, porque passei
Na monstruosidade do sofrer
Muito além da loucura, da que ri
E da que chora monstruosamente
Consciente de tudo e da consciência
Que de tudo horrorosamente tenho.
Todas as máscaras que a alma humana
Para si mesma usa, eu arranquei —
A própria dúvida, trementemente,
Arranquei eu de mim, e inda depois
Outra máscara [...]
Mas o que vi então — essa nudez
Da consciência em mim, como relâmpago
Que tivesse uma voz e uma expressão,
Gelou-me para sempre em outro ser [...]

Só compreendi
Que não há forma de pensar ou crer,
De imaginar, sonhar ou de sentir,
Nem rasgo de [...] loucura
Que ouse pôr a alma humana frente a frente
Com isso que uma vez visto e sentido
Me [mudou], qual ao universo o sol
Falhasse súbito, sem duração
No acabar [...]

Oh horror! Oh horror! Sinto outra vez
Essa frieza precursora n'alma
Da suprema intuição. Ah, não poder
Fora do ser e do sentir esconder-me!
Ah não poder gritar, pedir, deixar-me,
Oh, qualquer coisa mais do que uma luz
Vou sentindo que vai breve raiar...

Morte! Treva! a mim! a mim!

>>>>>>>XIX
 
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