p) A revolução exige elevadas temperaturas

 

325. Sou então uma terra arada. Nas minhas costas aterrou um pássaro cujo nome é multinacional. 

A chuva insistente que desde manhãzita esticou sobre a cIdade uma toalha cinza de neblina!

 

326. Morrer aqui ou ali, disto ou daquilo, só importa enquanto vivo. 

Tenho de respirar fora desta obcecante matéria de raciocínio. 

 

327. Este coração que eu tenho! Este douto coração doudo! Que é de ouro fino. Meu coração em fogo, agente cruel de mutações.

E a que temperatura devia estar a língua para mudar teu curso, discurso latino?

Angor. Angorá. Angina pectoris, angústia, aperto mitral.

Um gato orgulhoso dá um salto mortal no órgão central do aparelho circulatório.

Tigre.tigre!

Ouvi contar que só dentro das estrelas o fogo é alto como o mar vazio. Nesses doutos corações tudo se cria.

Meu fogo benfazejo, minha agonia.

 

328. Fogo e cetins, damasco nas camas. Pedrarias exóticas sobre elas, plumas e incenso. Perfumes que alucinam. E vagas, vagas alterosas organdis violeta pelas salas. Diademas faiscantes, essências tão doces que nauseiam. Tonturas de lilás, virgens de brocado. Riqueza, luxo, escândalo barroco e suspiros de indecência.

Os graves problemas da morte são ocultados com insignificâncias elevadas à
de espectáculo.

 

329. Por isso os agentes da repressão se precupam tanto com o meu penteado. Ou com a autópsia da Regina.

 

330. O país está ameaçado de desertificação.

O país não tem um chavo. Poucos, além de ainda têm alguma educação.

 

331. O escândalo do cetim e do brocado! As pedrarias em pulseiras, o menino de brinco só um lado, ou mesmo nos dois, a maricagem.

Que já César era maricas, e Sócrates, e Platão, para não citar os que nem se lembraram de mandar à posteridade esse recado.

Ah, a grande revolução sexual da nossa idade!

 

332. O país não tem um chavo. O planeta esgota os recursos naturaIs.

O grande potlatch em louvor do Futuro.

 

333. Fiz uma sementeira de canários índicos na varanda. Para me lembrar dos que não comem nada.

 

334. A revolução!

A evolução, a involução, as volutas do cigarro, a revelação.

Do ar e do fogo, da revolução!

A revolução que se fez com a descoberta do fogo!

A revolução das viagens marítimas e das descobertas pelo ar! As novas terras conquistadas, o lume aceso!

Falta efectivamente a grande idade do quinto elemento.

Éter, rádio, outro incêndio.

 

335. Um presidente andrógino, vestido de cetins e adamascados. Um corpo de ministros com colares de marfim. De cigana na orelha, cintilando. E vagas, vagas majestosas de veludo entornadas pelo chão.

 

336. Não encontrei batatas nem salsa no mercado. Um dia não haverá pão. Que tantos sempre houve que não comem nada!

 

337. És o lindíssimo cachecol da Via Láctea ao meu pescoço!

 

338. O reginicídio vem até mim radiodifundido. Fundido no tempo da missa do galo e com anúncios de chá de limão.

 

339. A posição de  sentido exige de mim ovulação perpétua.

Exige de mim tesão constante.

 

340. Nunca os letristas de canções populares falaram tanto de comida.

Eu, também não.

 

341. Não consigo livrar-me da criatura.

Estou pelos cabelos!

 

342. Vai-se embora o lume, a quilha, e o mastro marcial. Mas fica o sonho de ter tido o areal.

Vai-se embora o leme e a vela nacional. Mas fica a lembrança de ter criado este areal.

Com o eco nos rochedos, obsidiante: gal... gal... gal...

Onde me encontro contigo dá-se uma catástrofe, uma invasão. Preciso de investir em ti novas realidades.

 

343. A revolução eclode entre dois pontos suicidas.

 

344. Mas nenhum deles pereceu.

 

345. Uma barca me singra, um cinto me fere e um arado traça-me um sulco, a mim, areias do lagoal.

Vai-se embora o lugre, sob a vaga Lua. Vai-se embora a vela principal.

Que temperatura exiges para te mudar?

Arderei muito, muito tempo? E o eco da luz a crepitar...

 

346. E ela, emudeci da há tanto, Eco do vento: gal... gal... gal... gal... gal...

 

347. Afastei-me da terra quando passei à adolescência. Redundante menina me levaram do meu país.

Parto ora em direcção à Via Láctea. Lá está o teu lugar.

Devolve sintacticamente a pátria à espiral.

 

348. Quem pergunta o meu nome?

Quem ignora ainda a minha condição crepuscular?

Quem mora dentro da sua grande ignorância de tudo que me não entende o ecoar? Rebate na minh ' alma o sino vindouro,  Eco tomou atrás o seu olhar: or... or... or...

Dor de ficar.

Nascem em mim as labaredas do Altíssimo. Quem ignora ainda o nome que me vai dar? A mim, que sou imperial e abrupto como as esmeraldas? A mim, que sou regina da brisa e lugre fantasmático do ar?

A mim, que estou além do princípio e do fim do mundo?

Meu amor, diz-te que sou o luar!