n) A matéria compõe-se essencialmente de cousa nenhua

 

282. Não sei ainda como refazer o mundo, ouvi contar que o átomo é uma estrutura vazia. Não sei que uso dê ao socialismo. Não sei que faça da democracia. Tão-pouco de Ia révoIution des cIavecins.

O mundo perde sentido e a matéria reduz-se a cousa nenhuma.


283. Não sei que cousa faça do materialismo. Eu sei hoje mais do que Deus sabia quando veio à Terra antigamente. Sou uma enciclopédia ambulacrária.

Um dia explodirei à roda de poeiras luminosas. Antecipo a minha morte como quem dança num palco smaragdíneo.

Deixo cair a pedra nas tuas mãos escuras.

 

284. Vai-se embora a maré-viva. Do outro lado tudo é negativo como poema passado a ferro nas costas de papel químico.

Declaro a insurreição armada do sentido!

 

285. Deante de quem havia eu de me pôr sem sentidos? Deante de que marechal analfabeto havia eu de baixar a cabça respeitosamente? Deante de que cavaleiro? 

Que sentido tem passar revista às provas? Não estão suficientemente bem arreadas? A extremada beldade é o defeito que se apontava ao mais perfeito de todos os cavaleiros, aquele cuja formosura, de tão celestial, mais lembrava uma donzela.

Nós seremos bárbaros pela terra adentro, hunos, coléricos, mal cheirosos, arrogantes e malcriados.

 

286. Nenhum ódio move os meus exércitos contra as vossas legiões. Apenas uma intolerável cólera.

 

287. Não mereceis o Paraíso e por isso não vos emprestarei a chave do meu apartamento.

Ínsula para Tritão e Isola.

 

288. Enrolo palavras em papel de arroz. Líricas fumadas.

 

289. Declaro que travo as minhas guerras mesmo à beira do juízo.

Finalmente, nada mais tenho a declarar.

Excepto que já me caiu o dente do siso.


290. Um asteróide rebentou-me nas costas. O seu brilho propaga-se rapidamente até ao interior. Anuncia-se a passagem do raio fulminador. 

Só uma intratável cólera contra o senhor fatalmente imerso no fulgor das águas, e que nem os estampidos acordam do seu torpor. Flor narcótica! A monstruosa pedra que dará flor!

E frutos múltiplos, venenosos, até. Uma extenuante plantação de cogumelos.

 

291. Feriu-me um planetóide. O seu bramido ecoou nas minhas terras do interior. Sou uma cidade lavrada. Nas minhas costas aterrou um pássaro cujo leme é pluridimensional.

Ou a multinacionalidade dos meus nomes todos! Tantos que são!

Planetário sem limites disperso nas noites de Verão.

 

292. Eu sou a Grande Arca dos sons originais. Eu sou a capela de todos os santos e a pousada dos sete generais. Sou o nome de todos os tigres, a morada das donzelas. Eu sou áspera como os rochedos mais brutos e tímida como as gazelas.

Eu sou o jovem gladiador, eu sou o animal nocturno. Eu sou o conjunto dos gladíolos todos.

Tantos que são! Os meus nomes, areias de um areal que os dedos nunca contarão!

Vêm movidos por alucinada mãe genética. Vêm de arma ao ombro e faca na liga. Trazem missangas na cabeleira.

Ei-los, que vêm vindo, os meus homens todos. Anunciados pelo eco dos seus próprios passos : gal... gal... gal...


293. Seja qual for o número dos meus homens em que esteja a pensar, saiba que ainda é superior.

Infinitos amantes amei infinitamente.

Por muito amor que imagine, saiba que ainda foi superior.

 

294. Por muito vazio que seja o átomo, por muito que a matéria se componha essencialmente de cousa nenhuma, a vida continua.

A vida continua.

Como antes.

A de ante ano.

Dies irae. Ab initio, no momento do big bang.

 

295. Quem terá feito mal ao Criador para explodir numa cólera assim tão construtiva?