f) O sentido que a elipse tem!

 

103. Eu nunca andei de elipse! Sou uma pessoa decente!

 

104. Sinto exageradamente. Estou sempre em sentido. O orgulho no sentido pode exigir de mim uma tesoura.

E ganha-se uma tremenda dependência amorosa da máquina... Ia a dizer: lírica... E depois, alma minha, que mal tem? Uma citaçãozita... Está sempre com umas ideias, umas maminhas...

Ganha-se uma tremenda dependência da máquina escriturária, como ia narrando. Esta Tippa rebelde e duríssima, este corcel alado! Tippa te chamas, e até chamas queres que pinte, e só em papel selado!

 

105. Só presto juramento de fidelidade à mudança. Enquanto o mundo dorme, eu mudo: ponho-me e levanto-me.

 

106. O sentido faz-se igualmente por exploração das partes:

a) Por um sininho de prata...

b) Por um saínho de chamalote...

 

107. O que dá maior gozo não é a criação. Escreverás o mais velozmente possível, para depressa te livrares dela. O que apaixona é seguir depois os sentidos que cria a criatura. Tudo bate certo com a precisão de máquina electrónica.

O que dá gozo é dispor de psicografemas que conduzam ao conhecimento do ser.

Sempre uma fuga de mim.

Eu sempre à minha procura.

 

108. Então posso dizer que experimento a resistência dos materiais cósmicos, a começar por aqueles de que sou feita: C.

 

109. Sinto cada vez mais por abreviaturas. 

 

110. Meu amôr, de onde viemos?

Não sei em que ponte vou. Das linhas tecidas, dos pontos de cruz, das fronteiras tracejadas de mim para ti, de nós para todos, ressalta um pente, pentagonal: meu amôr, onde é que estamos?

 

111. Dizer um nome de lugar neste momento pode custar-lhe um dente.

Ou um espinhaço de cão.

 

112. Falava contigo e usei o seu nome. 

Com ela falava e o teu nome usei.

Esta minha cabeça que tudo troca e muda!

De que troca falavas? De que vão consumo?

Morto o objecto, o sujeito não aguenta a colisão!

 

113. Os gritos que ouço!

Os gritos: "Que osso!"

Se calhar era um ossótico.

Ressalta um ponto: meu amôr, de onde viemos? De que pêndulos longínquos do mar?

Meu amôr, em que porta vamos?

 

114. De longe cheguei e perdido te encontraste. A Lua era um cervo que as águas volvia. A luz era um servo.

Teu amor era o arco.

De longe volvias e não te adulei. Eu era uma seta, rápida, profunda. Eu era uma radiação mortal.

E tu não sabias.

 

115. De longe chegavas e não te adorei. Onde moras, que não te devo obediência? Onde demoras, que já te ultrapassei?

Em que outra face da laguna nos mirávamos?

 

116. Serás só miragem? Um olhar fito em mim? Serei eu apenas olhar? Será tudo falso?

Então quem vê por mim? Onde estão os meus olhos que te contemplavam, belo hibisco reclinado para as águas dormentes? Ver-me-ás tu a mim? De quem é o olhar que atrai o meu olhar como se pudéramos ser... ser um reflexo de água no deserto... oásis além das montanhas do firmamento?

Eu vejo de facto?

Nunca a realidade me pareceu menos evidente.

 

117. Será Deus um oculista? Um vidraceiro? Terá Deus um prisma de cristal?

Terá Deus um nome verdadeiro?

 

118. Gostava de resolver estes problemas antes da ceia. Com esta chûva, antes da chêia.

 

119. E navegar assim a todo o plano, numa esquadrilha de gralhas invisíveis, com a certeza de poucos darem por elas!

 

120. Sento-me principalmente.

Para observar a realidade.

A realidade parece-me evidente.

Julgo que a evidência é uma realidade dos fatos.

Se posso ver, vejo: o que vejo é a realidade dos fatos.

Que não é cousa de monta?!...

Mas vejo, caramba! Vejo, independentemente da cor ou padrão dos factos!

Nunca a realidade se me antolhou mais evidente.

 

121. Minh'alma declara-se parvula.

 

122. Se o corpo age em nós de forma pouco habitual, o mundo parece abalar-se. Esse é o medo a que se está sujeito: abrir as portas de casa e dar de caras com um mundo novo.

O que se reprime não é a novidade, sim a mudança do sujeito.

 

123. Quando se lê muito devagar uma frase, e várias vezes, ele abre tantos sentidos que acaba por criar o vácuo.

"Reprime-se a mudança do sujeito" é um exemplo.

 

124. Excesso de liberdade=cativeiro.

 

125. Só na língua portuguesa ouvi Eco. Quando Narciso se disfarça de hibisco para se manter secreto. Só na língua materna tagarela a voz do vento.

 

126. Aporia é uma dificuldade lógica sem saída.

 

127. Já nem o dicionário me conforta.

 

128. Não sei já de nada, e verdade se diga que nunca soube bastante. Sabia mesmo muito pouco.

Não sei já de nada. Excepto do dia. A luz era um servo que as águas volvia. Um cervo que não agarrei. Ou reflexo intangível sobre a água turva. Não no agarrei.

Não sei já de nada.

 

129. Não sei já de nada, Narciso não me encontrou. Tinha de olhar para o fundo do poço, não olhou. Nas águas mais fundas vivia um clarão azul. Ficou pelo espelho, não mergulhou. Um olhar bastava e não me viu. Que olhar bastava.

 

130. Se Deus foi um criador como eu, não admira que tenha criado criaturas tão... tão... tão...

 

131. Faltam 30 segundos para as últimas notícias deste fim do mundo.

 

132. Se o planeta é reboludo, todos os seus lugares são fins do mundo. Donde se conclui não sobrar espaço para o princípio.

Mas se o planeta é reboludo, todos os seus lugares são o começo do mundo. Donde se conclui não sobrar espaço para o fim do mundo.

Donde nada se conclui de pertinaz, nem conspícuo ou elegante.

 

133. O corpo escoiceia. É um cavalo novo, ainda indómito, que precisa de ser sofisticado.

Alma ensina-o a lavar a loiça, a preparar a ceia, e a pôr a cama de lavado.

 

134. Vivemos na treva. Quotidianamente. Às vezes a luz acende-se num instantâneo fotográfico. Porém, só ao atravessar a última porta o instantâneo se terá tornado luz contínua.

Admitindo que a última porta abre para a luz perfeita, que farei do meu contentamento? Se tudo tenho, que mais posso desejar?

Se de tudo careço, que mais me pode faltar?

 

LUGLUGLUGLUGLUGLUGLU