COLECCIONAR COM F. FRADE
Especialmente na Guiné-Bissau*
Maria Estela Guedes
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade
da Universidade de Lisboa (CICTSUL)

Vida e obra coligidas
Colecções de palavras
Colecções vivas
Por fim, a "língua das aves"
Bibliografia

Colecções de palavras

Número total de publicações, relativas à missão na Guiné, diz Fernando Frade que foram 60. É uma colecção de artigos de especialistas vários, sobretudo os que faziam parte da equipa, e nela há a salientar a sua mulher, Amélia Bacelar, especialista em aracnídeos. Os artigos foram publicados em diversas revistas, nacionais e estrangeiras, mas com prioridade na colecção criada de propósito para o efeito, no interior dos Anais da Junta de Investigações Coloniais , colecção que já existia. Cada colónia deu lugar a uma colecção, com título idêntico. Para a Guiné, temos assim os Trabalhos da Missão Zoológica na Guiné .

Outras colecções de palavras reunidas por Fernando Frade, patentes no interior dos Trabalhos , são os vocabulários zoológicos, em crioulo e em português; as listas e catálogos de espécies da fauna e flora; e a própria estrutura dessas listas e catálogos, em que se patenteia a ordem sistemática por que aparecem os grupos, do mais extenso ao menos extenso, sejam exemplo as Aves, termo amplíssimo, dentro dele os Psittacidae, nome da família a que pertencem periquitos e papagaios, e dentro desta Psitthacus erithacus , nome da espécie, menos extenso.

Saindo para fora das missões nas colónias, consideremos ainda as colecções de palavras que constituem os verbetes para enciclopédias, em especial a Verbo Juvenil, e nomes portugueses de aves europeias com que contribuiu para uma obra estrangeira, o "Glossarium Europae Avium".

Alguns catálogos resultam do estudo de colecções algo estranhas para nós, como acontece com as de animais e plantas que povoam as águas de abastecimento público. O levantamento das espécies que chegavam ou não às pias de lavar a loiça deram a Fernando Frade a oportunidade de descrever uma nova espécie para a ciência, Asellus ( Proasellus ) lusitanicus Frade, 1938 (Crustacea, Isopoda). Já que voltámos ao mundo das classificações e da sistemática, mencionemos outra colecção, a que permite incluir os taxa nesta ou naquela família, género ou espécie: a dos caracteres diagnosticantes, os traços da fisionomia ou anatomia das plantas e animais que levam os taxonomistas a considerar os morcegos semelhantes aos esquilos e diferentes das águias.

Após a morte de Fernando Frade, a família entregou os seus livros à biblioteca do Museu Bocage, no Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Eis outra colecção de palavras, na qual assume valor maior uma série de volumes do Grassé. Julgo que Fernando Frade foi até agora o único português a colaborar no monumental "Traité de Zoologie", na origem dirigido por P.-P. Grassé, colecção de muitos volumes que continuam a ser publicados. Isso aconteceu por Fernando Frade ter sido, no seu tempo, a máxima autoridade mundial em elefantes africanos. Apesar de os ter observado no terreno, sobretudo em Moçambique, o seu estudo foi feito mais directa e longamente a partir dos indivíduos que integravam as colecções vivas do Jardim Zoológico de Lisboa.

Outra importante colecção de palavras é o conjunto de decretos e leis conservacionistas, publicados na esfera da acção desenvolvida por Fernando Frade. Em meados do século XX, manifesta-se na ciência o interesse pela conservação, não só na Europa como nas colónias, com a correlata vontade de criar parques e reservas. Entre nós, o facto assume relevo político singular, ao contrariar a clausura do governo de Salazar, em que Portugal estava voltado de costas para o estrangeiro. A conservação das espécies ultrapassa as fronteiras políticas, exigindo trabalho conjunto por parte dos países que partilham uma mesma região biogeográfica. Neste domínio como noutros, a ciência cria meios privilegiados para troca de informações entre diversos países e instâncias de poder. Considerando a Guiné, os principais interlocutores eram a França e a Inglaterra, dada a proximidade com o Senegal, a Gâmbia e a Guiné Francesa. A legislação previa que Fernando Frade e sua equipa, na Guiné, escolhessem e delimitassem as fronteiras de um território onde pudesse criar-se o Parque Dr. Vieira Machado. Tal Parque, receio, não chegou a transitar da colecção das palavras para a colecção dos estabelecimentos reais, o que aliás retira ainda mais da sombra a circunstância de a ciência promover espaços de comunicação nos quais as colecções de palavras, ao cruzarem o nacional com o estrangeiro, podem assumir um estatuto supra-nacional.