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MARIA ESTELA GUEDES


«Chão de Papel»

INDEX

O cais do Pidjiguiti

 
Não quero partir sem voltar ao Ku Pelon
A ouvir as serenatas do meu amigo.
Em noites de lua enorme
A viola silenciava as bombas
E as manchas de sangue no cais do Pidjjguiti.

– O que foi? O que foi? – recorda.
Os gritos, o pavor, a bicicleta
A tremer como varas verdes
Pela carreira de tiro de Santa Luzia
Ao contrário das mulheres de mamas nuas
Manga delas, saídas das palhotas
Para a rua, que levavam as mãos à cabeça
Num grito só, um grito mudo dentro da memória — 
O que foi? O que foi que aconteceu?

— Não estamos na nossa terra — ousaste
Dizer depois
À mesa. O estalo na cara pronto.

Não pudeste ficar calada?

Dezenas de trabalhadores abatidos
No cais pela Polícia, um massacre,
O sangue a escorrer espantado para o Geba.
E as covas feitas não se sabe onde
Reza já o que mais soa a legenda
Para que se não soubesse.
A consciência do crime. Como se fosse
Possível ignorar.
Como se fosse possível esquecer.
Assim depois o crime repetido insaciavelmente
Por negros e brancos
E mulatos igualmente
Até ao dia de ontem
Em que também foi assassinado
Nino Vieira, o presidente.
Sem grandes diferenças, na morte
Todos iguais
Sem precisão de invocar raças
Nem a paleta das cores.


O tempo do Pidjiguiti vai tão longe — 3 de
Agosto de 1959, tinhas 12 anos —
Com esse dia começou a guerra
E nunca mais seríeis felizes como antes.


Não era nosso o Chão de Papel
Mas podia ter sido
Se em vez de chumbo, ódio, vinganças e cana
Tivéssemos semeado letras na terra.



 



LISBOA, APENAS LIVROS EDITORA


Chão de Papel
LISBOA, 2009
Autor: Maria Estela Guedes
ISBN: 978-989-618-233-5
Edição: 48 páginas

Estado: disponível
Preço: 3,80 € Poesia

http://apenas-livros.com/pagina/apenas_de_cordel/7?id=337

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Géisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira. 

E-mail: estela@triplov.com

Curriculum vitae

Curriculo abreviado