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MARIA ESTELA GUEDES


«Chão de Papel»

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As linguanas

Viam-se dentro das redes dos quintais
Meio domesticadas, grandes e ágeis
Apesar de pesadas.
Escuros ramos de árvore
Projetando fugas, ou alapadas, as linguanas
Pelas horas de maior calor
Sob o refúgio da sua própria sombra.
O Rui tinha uma, linda, ali no Ku Pelon
Onde nós também morámos
Ao pé dos Bombeiros,
Quando começaram a chegar os soldados
E os jipes corriam à desfilada pela
Estrada de Bissalanca
Para cá e para lá para lá e para cá
Entre a Praça e o aeroporto
Com paragem no Hospital Militar.

Eram muitas fardas, muitos soldados
Mudaram toda a vida da cidade
E já não se podia ir sozinho para o mato
Nem sequer ao pé da porta,
Andar de bicicleta pela carreira de tiro
E depois desaparecer na folhagem
Da Fonte de Vaz Teixeira.
Tanta coisa proibida!
Antes deles, os homens organizaram
A defesa civil, mas isso foi muito antes
De chegar a tropa
Isso foi logo a seguir ao Pidjiguiti
Quando morríamos de medo
E o Governo até distribuiu umas armas
Para sossego das famílias que viviam no mato. 


Calhou-me a mim uma velha carabina
Que talvez nem disparasse
Devia ter pertencido aos soldados
De Teixeira Pinto
Ou estar exposta no Museu
Desde o tempo do governador preto,
Honório Barreto.
Mais ninguém em casa lhe deu atenção
Ou se sentiu seguro com ela.
Era uma peça pesada, só apoiada
Ao muro da varanda conseguia segurá-la
Para apontar pela mira.
Ficou a meu cargo a bisarma e regular
Manutenção: oleá-la por dentro,
Limpar bem a baioneta
Polir a madeira da coronha
Para entontecer de beleza
E não emperrarem as douradas balas
Quando fechasse a culatra.

Foi muito depois destes acidentes
Que começou a chegar a tropa
E não havia canto na ilha de Bissau
Que dos soldados ficasse a recato.
Vinham recomendados da metrópole
E nem pertenciam à família
Mas juntavam-se nas pontas a jogar à bola
Com os conterrâneos,
Iam connosco ao domingo fazer piqueniques
À Granja
E aproveitavam para estudar, acabar
A primária, o liceu.
E muitos arranjavam namoro e casavam.

Foi assim que veio ter contigo um rapaz
Que depois encontraste em Lisboa e era
Já inspetor-chefe da Judiciária.
Deste-lhe aulas de Francês e Português
Ele levava-te às vezes um presente
Escrevia-te coisas ternas no caderno
Mas toda a gente na Praça sabia,
E ele, mais do que ninguém,
Que o teu pensamento
Se concentrava noutro
Como a jibóia a fitar um pêndulo.


Era o Rui que tinha a linguana
Em casa, ao pé dos Bombeiros.
Usava uns calções largos de caqui
Sem cuecas por baixo
Viam-se-lhe, no escuro, dançar uns badalos.
Atrás da casa havia uma tabanca
E ele passava a vida numa das palhotas.


Varanus exanthematicus – o monitor savanícola
Nomes reptilianos
Para o que se diz serem os animais
Que conservam o antepassado
Do nosso cérebro.



 



LISBOA, APENAS LIVROS EDITORA


Chão de Papel
LISBOA, 2009
Autor: Maria Estela Guedes
ISBN: 978-989-618-233-5
Edição: 48 páginas

Estado: disponível
Preço: 3,80 € Poesia

http://apenas-livros.com/pagina/apenas_de_cordel/7?id=337

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Géisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira. 

E-mail: estela@triplov.com

Curriculum vitae

Curriculo abreviado