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Estela Guedes:

Diário de Lilith

 

 

 

SEGUNDO DIA - Jardins suspensos

Respira, Lilith. Respira fora do colete-de-forças
dos obsessivos pensamentos.
Essa ira que vai e volta, essas palavras mastigadas,
engolidas, regurgitadas e de novo nos dentes,
como raciocínios de bovino.
Olha os peixes, de boca aberta.
Essas tainhas, se te apanhassem na água, chamavam-te um figo.
Distrai-te, fixa a mente em qualquer ponto inócuo,
os peixes? Pronto, seja, medita nos peixes.
Os mais comuns no rio, outrora, eram as bogas, os escalos,
os muges e as enguias. Constituíam parte substancial da dieta
das populações ribeirinhas.
Ouviste a rã? Lilith, na noite acenderam-se as estrelas e o ar escalda.
Ouve-se um fragor ao longe, vamos ter tempestade..................
Outras espécies subiam o Douro para fazerem a desova,
caso do sável e da lampreia. Não tentes pôr as mãos na água!
Esses peixes de boca aberta estão mortos por te ferrar uma dentada!
O ar avinha e baixa, esse tecto de uva mourisca.
Um rasgão no negrume anuncia o raio,
baixa a cabeça, Lilith, baixa a cabeça,
ele dirige-se para aqui e estala já o trovão
como se estivesses em África no vórtice de um tornado.
O esturjão também aparecia no rio. Com as ovas confecciona-se
o caviar. Hoje o rio é pasto de tainhas e de turistas.
Dos dois lados, pendem, como jardins suspensos,
bardos sobre bardos sobre bardos de malvasia fina.
 
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