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Maria Estela Guedes
Foto de Aline Daka

Poemas para Federico García Lorca

O alfarrabista

Entrar pela estreita porta e quase

Invisível

No aparato capitalista da Broadway Avenue.

Avançar por entre pilhas de saber

No desfiladeiro do escuro corredor,

Lá como cá de soalho de tacos

Mais rudes que tejolos

Mas sentirmo-nos ainda assim

Na caverna de Platão,

Ávidos da realidade que no papel transpira.

As paredes revestidas por duas e três camadas de volumes,

A capa brilhante, plastificada, outros

Cerrados na clausura de profundas encadernações

De couro gravadas a lume.

E os dedos que ousam, como tentáculos,

Tocar ao vivo a Poesia.

Põe os óculos e busca algo como

«Poeta en Nueva York», do desgraçado Lorca,

A quem a selvajaria do Poder

Assassinou do modo mais atroz.

Porém, os dedos, em vez dele, acham por si sós

E logo à primeira tentativa de saque

Outra cena tão diferente...

 

Um velho, as brancas barbas, entalado entre

Jovem alfarrabista que ao computador escreve

E a barragem inexpugnável de livros,

Num banquinho rente ao chão sentado

O olhar azul-beatnik ergue para a intrusa,

Interpelando-a, sem recato:

- Porque é que Elisabeth Barret Browning

Deu a esse livro o título

de Sonnets from the Portuguese?

- Não sei -, responde a estrangeira,

Grata pelo contacto verbal que lhe soube a camoniano

- Mas levo comigo os sonetos porque sou portuguesa.

Poemas para Federico García Lorca - Index

Britiande, Fevereiro de 2010

Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo; A Poesia na óptica da Óptica; Chão de Papel; Geisers. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008).