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Maria Estela Guedes

 3 notas carbonárias

1. A primeira nota diz respeito aos rumores de que está activa a Carbonária Portuguesa. Tudo o que sei é o que os leitores podem também ficar a saber, se procurarem no Google notícia de um blog com esse nome. O texto da fachada do site, em aparência só fachada, site vazio, é paradoxal, negando o que afirma. Notícias mais concretas e pessoais trouxeram até mim a nota de que essa carbonária não admite mulheres. Mais uma informação paradoxal, pois só tenho conhecimento de carbonárias com presença feminina. Chamo a atenção para o artigo agora publicado por Joana Ruas no TriploV, sobre dois amores de Stendhal: uma das duas mulheres, Matilde Dembowski, era carbonária (1).

A situação das lojas maçónicas só para homens é lamentável, pois nega tudo o que a maçonaria trouxe à cena no século XVIII, época em que foi uma vanguarda, com o lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas sobretudo é lamentável por fazer girar os ideais de uma instituição em torno da pila... - pila, pénis, sim, é isso mesmo - o que levanta logo o problema dos pretos, transgéneros, drag kings, drag queens, homossexuais, enfim. Enfim, se o impedimento é a tradição e se a tradição está contida nas constituições de Anderson, reunidas no século XVIII, que dizem elas da admissão ou não admissão destas classes de pessoas? Há homossexuais nas lojas, já os lá vi, não me venham com conversas parolas. Ora se os homossexuais lá estão, pergunto o que significam os termos "homem", "mulher", "macho" e "fêmea" para as maçonarias em que existe discriminação sexual. E como se fazem os testes à masculinidade? Manualmente?

Tudo isto é tão ridículo e retrógrado como negar a um preto o direito de se sentar ao lado de um branco num banco do autocarro, e note-se: há lojas só para pretos, o actual presidente dos Estados Unidos, Barhak Obama, que é presidente de todos os americanos dos States e não apenas dos americanos mulatos de branco e preto, não tem assento nas lojas de brancos (2).

Tenho vergonha de falar destes assuntos, sinto-os muito abaixo das minhas capacidades de escrita, é mais útil e civilizado tentar entrevistar as vacas que pastam neste momento na Praça de Espanha (3), mas não me despeço dele sem dizer às mulheres:

- Não, queridas, o problema não é o de vocês não poderem pertencer às lojas maçónicas, pois pertencer não vos faz falta nenhuma, não é importante; porém, a insistirdes, sabei que só as lojas retrógradas não vos aceitam. O problema que me ofende é o da discriminação da mulher. Imaginar que a instituição que mais combateu pela promoção da mulher, pela sua instrução, pela abertura das escolas às raparigas, etc., imaginar que essa mesma instituição lhes fecha as portas das lojas, isso é que uma vergonha.

2. Carbonárias há muitas, e instituições chamadas Carbonária Portuguesa, também há várias, umas a merecerem crédito, e outras, nenhum. Há meses escrevi um artigo a propósito de um ritual da Carbonária Portuguesa (4), ritual que de resto está em linha no TriploV (5). Ora um dos meus cavalos de batalha em tudo o que tenho escrito sobre a Carbonária, com o meu nome civil ou simbólico (Stella Carbono), tem sido o de mostrar que as balizas cronológicas habituais para circunscrever a actuação da Carbonária em Portugal estão erradas. Em geral, os historiadores tomam como balizas o Ultimato e as cercanias da implantação da República, o que dá alguns vinte anos. Eu tenho escrito que a a maçonaria levada para o Brasil no século XVIII era a Carbonária, e tenho deixado em suspenso a sua extinção, que não é crível, o que alarga consideravelmente a sua presença no nosso país.

Nesse artigo sobre a simbólica não reparei na data do ritual: 1852. Então a Carbonária Portuguesa que o publicou e o seguia, no Templo, não é a Carbonária Portuguesa a que se atribui a responsabilidade do regicídio, fundada imediatamente a seguir ao Ultimatum, por Luz de Almeida. Esse ritual é quarenta e tal anos anterior.

3. Uma informação feliz: o próximo Grão-Mestrado da Maçonaria Florestal Carbonária do Brasil vai ser representado por uma mulher. Anita Garibaldi, de seu nome simbólico, é tão bela e corajosa como a heroína homónima, cujo nome de casada é italiano, mas cuja origem é portuguesa. A candidatura de Angela Battu foi aprovada por unanimidade, entre carvoeiros em que há mais Bons Primos do que Boas Primas. Não se trata então de eleger a Mãe-Mestra de uma comunidade de mulheres, sim de uma comunidade mista com maioria de homens eleger uma mulher para a guiar e representar.

Felizmente, há ordens maçónicas civilizadas.

Odivelas, 25 de Janeiro de 2009

(1) Joana Ruas: "Matilde Dembowski, a carbonária":Em:
http://triplov.com/letras/Joana-Ruas/2009/Stendhal/Matilde-Dembowski.html

(2) Ver artigo de Rodrigo Sanches, em:
http://triplov.com/Venda_das_Raparigas/2008/Sanches/index.htm

(3) Vacas do Açores manifestam-se em Lisboa. Em:
http://triplov.com/estela_guedes/2009/Vacas/index.html

(4) Simbólica da Maçonaria Florestal num ritual da Carbonária Portuguesa: http://triplov.com/estela_guedes/2008/Galeria-Matos-Ferreira.htm

(5) Ritual da Carbonária Portuguesa:http://triplov.com/Venda_das_Raparigas/RR_Carb_port/index.htm

 

Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008).