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Maria Estela Guedes

A mulher e a ciência

Curso de Verão de Teologia. Instituto S. Tomás de Aquino
Fátima, 25-29 de Agosto de 2008

INDEX

1. Das ciências à ciência

2. Herpetologia - ciência com objeto diabolizado

3. Da teoria e das práticas

Bibliografia

2. Herpetologia - ciência com objecto diabolizado

Se noutros tempos eram poucas as mulheres que se dedicavam à ciência, hoje, pelo menos na área que melhor conheço, a das Ciências Naturais, elas são mais do que os homens. Aliás, hoje as mulheres dominam em número os efectivos da população mundial, certamente por já termos conquistado o direito básico de nos alimentarmos satisfatoriamente. Nem sempre isso aconteceu. No livro “O que é Teatro?”, Eugénia Vasques refere que na Grécia Antiga as peças eram representadas só por homens porque havia poucas mulheres. Incidia sobre elas uma alta mortalidade, por receberem menos de metade do alimento concedido ao homem.

Queria falar-vos de três portuguesas que se dedicaram e dedicam à herpetologia: Sara Manaças, Rolanda Albuquerque e Margarida Pinheiro. Antes porém de as chamar à ribalta, é preciso dizer o que é a herpetologia. O objeto de estudo desta ciência ultrapassa o nível da physis, ou do natural, para entrar no reino sobrenatural. Esta deslocação da vida entre mundos tão contrastados não só causa obstáculos ao desenvolvimento científico como perturba quem trabalha. A herpetologia é uma especialização da zoologia que estuda dois grandes grupos animais, os Amphibia e os Reptilia. Em Portugal, dentro dos anfíbios contam-se as rãs, as relas, os sapos, as salamandras e os tritões. No grupo dos répteis temos tartarugas, cobras, lagartos, lagartixas, osgas e camaleões.

Eu dedico-me a observar a natureza; privilegio a herpetologia, porque me familiarizei mais com ela do que com outras ciências, no curso da carreira profissional. Um dos meus pontos favoritos de observação são as poças e tanques de rega abandonados, porque na água que lhes resta costuma haver girinos, rãs, sapos e tritões. Os tritões pertencem à família das salamandras. Num tanque abandonado perto de minha casa vivia uma rã verde (Rana perezi) nascida sem metade de uma pata posterior, que eu vigiava há três anos. E tritões verdes listrados de negro (Triturus marmoratus), cheguei a contar mais de uma dezena. Para minha decepção, um destes dias passei por lá e o tanque tinha sido esvaziado. Certamente os donos sentiram-se envergonhados por eu me deter a observar aqueles bichos nojentos que viviam no seu tanque. Agora imaginem o que pensariam de mim, ao ver-me fotografar os diabólicos animais! Karl Popper tem razão ao garantir que os maiores obstáculos ao desenvolvimento da ciência são a ideologia e a religião, com os seus preconceitos, as suas superstições e a sua ignorância. Eu acrescento: e a arrogância de quem dá gritinhos de pavor, julgando-se na posse de algum conhecimento misterioso.

Por motivos que não vou agora dissecar, estes animais foram diabolizados, de maneira que, para muitas pessoas, em vez de animais, são pesadelos, criaturas que é preciso exterminar. Um dos princípios da teoria de Gaia sugere que todas as espécies existentes na Terra têm iguais direitos à vida e são igualmente componentes dos seus ecossistemas. Em Portugal, o ataque aos répteis e aos anfíbios é tal, que quase todas as espécies estão ameaçadas, por isso todas elas estão neste momento protegidas por lei. Vale a pena ficar informado: é crime matar, e até somente capturar e transportar serpentes, lagartos, tartarugas, rãs, sapos e salamandras, sem a devida autorização.

Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008).