MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

2.2.2. Rebeca (Génesis 24-28)

Embora Isaac seja o herdeiro das grandes promessas de Deus a Abraão e à sua posteridade (17,1-21), a sua história é breve e parca de acontecimentos significativos. Podemos, pois, considerá-lo como “figura de transição” a quem pertence a responsabilidade de transmitir a Promessa.

Uma leitura apressada da brevíssima descrição a seu respeito pode levar a pensar que se trata de uma personalidade passiva, em que os outros foram sempre a fonte de decisão em seu redor, no que lhe dizia respeito (sacrifício, pedido de casamento, engano na transmissão da bênção...). Esta conclusão é, também, facilitada pela personalidade enérgica da sua mulher, Rebeca.

No entanto, Isaac, longe de ser um homem apático, pode ser apresentado como o Patriarca piedoso, que guarda a bênção recebida com uma fidelidade serena e reconhecida: és um abençoado de Iavé (26, 29).

De facto, Rebeca é a actriz principal desde o primeiro momento. Mesmo antes de ser conhecida, na preparação do plano de casamento de Isaac, é-lhe atribuído o poder de decisão de abandonar ou não a casa de seu pai (24, 5-8. 39-41), enquanto ele é esquecido completamente: ninguém se preocupa em saber o que pensa ou o que pretende.

Depois de ser reconhecida como a “indicada” por Deus (24, 11-21. 42-48), toma a iniciativa de providenciar pousada em sua casa, sem saber de quem se trata (24, 23-27).

Perante o motivo que trouxera aquele estranho, o “chefe de família”, irmão de Rebeca, aceita o pedido de casamento, mas reclama um tempo de espera. Face à urgência do regresso e, consequentemente, à recusa desse tempo de espera, remetem para ela a decisão final. Rebeca não hesita em partir imediatamente e ninguém interfere (24, 56-61).

Para além da capacidade de iniciativa, de acção, Rebeca tinha mais duas marcas que a tornam muito semelhante a Sara: era muito bonita e estéril.

A beleza levou-a a sentir na pele a mesma experiência de Sara: passou por irmã de seu marido, pelas mesmas razões, que também assumiu pessoalmente, e com as mesmas consequências (26, 7-13).

Na esterilidade não teve de recorrer às escravas porque Isaac implorou por ela a Iavé e foi ouvido. Rebeca ficou grávida (25, 21).

Porém, a sua gravidez não foi normal. Sentia algo estranho dentro dela que, num primeiro momento, a levou a desejar a morte (25, 22a). Mas depressa ultrapassa a angústia e vira-se para Iavé, consultando-o (25, 22b). Uma vez mais Iavé atendeu e mostrou-lhe o que estava a acontecer. Revelou-lhe os seus insondáveis desígnios, o que ela assumiu sem reservas: Isaac preferia Isaú [o primeiro dos filhos]... mas Rebeca preferia Jacob (25, 23-28).

Ao sentir a morte a aproximar-se, Isaac chamou Isaú, seu filho mais velho, e pediu-lhe uma boa refeição com o produto da caça para, em seguida, o abençoar. Rebeca sempre atenta, sempre no lugar certo e na hora oportuna, ouviu as intenções de seu marido (27, 1-5).

As “revelações” que recebera durante a gravidez nunca tinham caído no esquecimento e, agora, ganhavam sentido. Chegara o momento de perceber que o seu cumprimento passava por ela. Não perde tempo. Chama, imediatamente, Jacob, conta-lhe as intenções do pai e traça um plano de acção para que este se antecipe ao seu irmão a fim de receber a bênção que lhe estava destinada (27, 6-10).

Perante os receios de Jacob, a mãe assume, pessoalmente, todas as maldições, no caso de existirem, e executam o plano traçado (27,11-71).

Tudo correu como o previsto e Isaac, apesar da emoção forte, não mostrou grande pesar ao constatar o engano: o que fiz está feito, não posso voltar a trás (27, 30-40).

Não aconteceu o mesmo com o irmão que procurou vingar-se. Ao saber disto, Rebeca toma de novo o comando da situação, planeando a fuga com o estratagema do casamento (27, 41ss).

Isaac não descobre os verdadeiros receios de sua mulher e aceita, plenamente, a sua versão, dando ordens a Jacob nessa mesma linha, tal como Rebeca esperava, isto é, a mãe transforma a fuga de Jacob em cumprimento da ordem de seu pai (28, 1-5).

Rebeca termina, assim, as suas funções de matriarca, obtendo a bênção para o seu preferido e salvando-lhe a vida, garantindo que a Promessa feita a Abraão se perpetuasse.