A BELEZA DE UMA
NOVA IGREJA EM LISBOA

 

 

BENTO DOMINGUES, O.P. ........................Público, Lisboa, Outubro de 2005

1.Terminou em Roma, sem novidades, o Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia. Começa, hoje, em Lisboa, o Congresso sobre a Nova Evangelização. D. José Policarpo presidiu, no domingo passado, à dedicação da simplicíssima e majestosa igreja do Convento de S. Domingos, situada perto da estação do metro do Alto dos Moinhos. Espera-se que este templo de impressionante beleza, destinado à redescoberta do silêncio, ao acolhimento da Palavra que liberta e à celebração da Páscoa do mundo, seja um foco de irradiação do Evangelho da paz, numa zona ameaçada pelo crescimento do barulho e da fealdade.

Já foi denunciado o divórcio da Igreja com a arte. Vale a pena sublinhar alguns reencontros. António Gaudí (1852-1926), ao conceber a Igreja da Sagrada Família de Barcelona para o culto divino, procurou que ela fosse um monumento a Deus. H. R. Hitchcock classificou-o, em 1968, como o mais importante dos últimos cem anos. Sob o impulso do movimento litúrgico e teológico do século XX - que tinha no mosteiro beneditino de Maria Laach (Alemanha) o seu lugar de irradiação mais importante - surgiu o diálogo entre arquitectos e teólogos, desenhando os princípios orientadores da nova arquitectura sacra.

Este movimento teve expressões importantes especialmente na Alemanha, na Áustria e na Suíça. Depois da devastação da Segunda Guerra Mundial, a Comissão Episcopal Alemã, em 1947, formulou directrizes para a construção de igrejas. À luz deste documento foram levantadas milhares de igrejas novas na Europa central. Só na diocese de Colónia, entre 1945 e 1955, foram construídos ou submetidos a substancial reparação 367 templos. O mesmo renascimento da arquitectura religiosa também se exprimiu no seio do protestantismo. Só a Igreja Evangélica levantou, entre 1945 e 1960, mais centros de culto do que tinha construído desde a Reforma até à Segunda Guerra Mundial (1).

Os critérios que orientaram a construção das igrejas podem ser formulados da seguinte maneira: racionalidade e sinceridade no emprego dos novos materiais e das novas técnicas, preferíveis por razões económicas; assunção de uma nova sensibilidade aberta a novos valores estéticos, como a simplicidade, a pureza, a sobriedade e a economia de meios. Estes critérios estavam ao serviço da renovação teológica e litúrgica que adquiriram expressão oficial na encíclica Mediator Dei (1947) e foram revistos no Concílio Vaticano II (1962-1965).

2. A França, apesar de ter dado o primeiro exemplo de uma construção segundo os critérios de racionalidade, economia e funcionalidade em Notre-Dame du Raincy - classificada como a primeira igreja moderna (1921-1924) -, levou muito tempo a aceitar a nova arquitectura religiosa. Foi longa a luta da revista L"Art Sacré, criada em 1935 e dirigida pelos dominicanos de fina sensibilidade e cultura artística Pierre Marie-Alain Couturier (1897-1954) e Pie-Raymond Régamey (1900-1996). Ambos tinham como lema apostar no génio, modo de dizer um rotundo não à mediocridade. Contaram com amigos no mundo das artes que se tornaram colaboradores, assinando as obras mais marcantes da criação de arquitectura e pintura sacras do século XX. Basta lembrar os nomes de Le Corbusier, Rouault, Manessier, Braque, Chagai, Matisse, etc. (2).

3. A Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, com os vitrais de Almada Negreiros (1938), tornou-se um símbolo da atenção à problemática da modernidade. Um abaixo-assinado contra o projecto da futura Igreja de S. João de Brito (1951-1955) ajudou a constituir, no Outono de 1952, o Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR). A nova arquitectura proposta procurará, segundo Nuno Teotónio Pereira, um estilo original enraizado na Terra, ligado ao povo e compassado à época. A igreja paroquial de Águas (Penamacor, 1949-1957), a de Santo António de Moscavide (Lisboa, 1957) e a capela do Picote (Trás-os-Montes, 1958), com a colaboração de arquitectos e artistas plásticos, formaram o tríptico que começou a concretizar e anunciar a renovação da arte religiosa em Portugal. Esta conseguiu, na igreja do arquitecto Álvaro Siza, em Marco de Canaveses, e na Igreja do Convento de S. Domingos (Alto dos Moinhos, Lisboa), dos arquitectos Paulo Providência e José Fernando Gonçalves, as duas últimas e notáveis expressões (3).

Os dominicanos já deram à diocese de Lisboa uma das suas maiores igrejas, a de S. Domingos, na Baixa (de 1241), e a de Nossa Senhora do Rosário, igreja do Convento de S. Domingos de Benfica (de 1632). Paradoxalmente, era em Lisboa que a Ordem dos Pregadores se encontrava, desde há muito tempo, sem espaço para anunciar e celebrar o inabarcável mistério de Deus revelado em Jesus Cristo.

Os textos bíblicos, proclamados na liturgia da dedicação da igreja de S. Domingos, atacaram, de forma implacável, as tentações de idolatria ligadas aos lugares sagrados. É no coração humano que Deus, o inominável, quer fazer a Sua morada (Jo 14, 23). Mas seria uma imbecilidade antropológica pensar que os cristãos perdem a condição de animais simbólicos. Sem lugares, tempos e celebrações que exprimam essa condição não podem ter acesso à experiência do sagrado e perdem-se de si, perdem-se dos outros, perdem-se de Deus. Há formas de pensar a Incarnação - a proximidade radical de Deus - que destroem a Sua absoluta diferença.

Não basta, no entanto, uma bela arquitectura para garantir a qualidade humana de uma liturgia cristã.

 
(1) Juan Plazaola, História y sentido del Arte Cristiano, Madrid, BAC, 1996.
(2) Françoise Caussé, La revue L"Art Sacré des pères Couturier e Régamey, in Mémoire Dominicaine, n° 14 (1999), pp. 169-197. Todo o número é dedicado à arquitectura dominicana no século XX.
(3) Cf. Carlos Moreira Azevedo (dir.), História Religiosa de Portugal, vol. 3,
Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, pp. 220-225.