Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 

1. No livro “O Grande Desígnio”, Stephan W. Hawking e L. Mlodinow apresentaram a única candidata viável a uma completa “teoria de tudo”. A conclusão destes físicos famosos é eufórica, mesmo faltando ainda provar o modelo de um universo que se cria a si próprio: “ a Teoria M é a teoria unificada que Einstein esperava encontrar. O facto de nós, seres humanos, que somos nós próprios colecções de partículas fundamentais da Natureza, termos sido capazes de nos aproximarmos tanto de uma compreensão das leis que nos regem e que regem o nosso universo constitui um grande triunfo. Porém, talvez o verdadeiro milagre seja que considerações de lógica abstracta possam conduzir a uma teoria única que prevê e descreve um vasto universo repleto da espantosa diversidade que observamos. Se for confirmada pela observação, a teoria será a feliz conclusão de uma busca que dura há mais de 3000 anos e nós teremos descoberto o grande desígnio.”

   

BENTO DOMINGUES, op

Sem teoria de tudo

Bento Domingues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

S. Hawking, nomeado por João Paulo II, em 1986, membro da Pontifícia Academia das Ciências, no livro “Breve Historia do Tempo”, ainda não tinha dispensado o Criador do universo, embora já estivesse convencido que "se nós descobrirmos uma teoria completa... então nós conheceríamos a mente de Deus". Agora, com a Teoria M, Deus é dispensado da obra da Criação e do recurso embaraçoso aos Milagres. Espero que Deus lhe agradeça este alívio e que certos  teólogos não se aborreçam de ficarem desempregados. Ficam com mais tempo para a “desconstrução” de conceitos idolatrados.

Por mim, gosto que Deus tenha sido desatado das provas ou vias que nunca se sabia onde iam dar e passe a ser invocado e louvado como mistério da pura gratuidade do Amor, tão celebrado por S. João. Aleluia!

2. Não me importa nada que na Física se procure “a teoria de tudo”, mas não gostaria que o modelo transitasse para outros campos e, sobretudo, para as práticas sociais, éticas, políticas e religiosas. As vítimas de certezas absolutas e de previsões pseudocientíficas de progresso infinito já foram tantas, que talvez seja aconselhável alguma modéstia. A Sabedoria não é inimiga da ousadia, mas cultiva o sentido da boa medida. A boa medida não é o abandono à mediocridade. Todos os impérios foram e são filhos da loucura que tudo sacrificam por amanhãs que cantam. Ser grande, tornando os outros pequenos, é preparar a própria ruína. No entanto, ainda vai levar tempo a compreender que dominação não é poder. O verdadeiro poder é uma especial capacidade de servir, de tornar as pessoas mais pessoas e não as reduzir a números ou mercadorias. Os seres humanos não podem ser usados como meios. Não têm preço, têm dignidade a respeitar e a promover. Reduzi-los a mercadoria é praticar, de forma clara ou encapotada, a escravatura e rasgar a célebre Declaração dos Direitos Humanos.

É duvidoso que hoje, na conjuntura em que nos encontramos, fosse possível obter o mesmo consenso que teve a seguir à II Guerra Mundial. Quando, porém, se vê o que está a acontecer em diversos países, é difícil falar de primavera árabe. Assistir ao que se está a passar na Grécia – com consequências em toda a Europa- é legítimo perguntar se foi escolhido o bom caminho para enfrentar uma crise de várias dimensões. A sabedoria política foi trocada por ajustes financeiros completamente desajustados às características de cada país e aos interesses do conjunto da Europa. Transformar as medidas financeiras em “teoria de tudo” é arriscar-se a dar cabo de tudo. 

Depois de tantos tratados para realizar a UE, em vários países já se discute se poderemos viver juntos. Havia alguma predisposição para dizer que sim. A imigração dos anos 60 e 70 do século passado, em condições lastimáveis, misturou, apesar de tudo, os europeus e não só. No entanto, o que foi feito para que todos sentissem que a Europa também era sua e tarefa de todos, a nova pátria comum? Sem pluralismo vivido em diálogo de cidadãos, de povos e culturas diferentes, crescem os guetos e os movimentos nacionalistas.

3. O desígnio da Igreja é universal, mas passaram-se décadas a sublinhar as raízes cristãs da Europa. Com razão. É verdade que as Igrejas, depois da separação no século XVI, não deram bons exemplos de respeito mútuo e de colaboração. Até à guerra recorreram. Cada uma pensava que tinha a “teoria de tudo” acerca de Deus, da verdadeira Igreja e do mundo.

Já não estamos aí, mas o movimento ecuménico continua muito anémico e incapaz de desenhar um programa comum para a proclamada Nova Evangelização.

50 anos depois do Vaticano II, muita gente se queixa de que a união da Igreja Católica não é procurada nem promovida pelo respeito do pluralismo e do diálogo, mas pelo centralismo e pela exclusão das vozes e dos movimentos discordantes. Em vez de uma Igreja de todos e para todos, desenvolvem-se esquemas, preceitos e medidas que levam à pergunta: E nós, deixamos de ser Igreja?

Os movimentos cristãos dispõem de uma energia espiritual, de uma experiência junto dos mais pobres, dos doentes e dos excluídos, que devem contagiar aqueles que têm a “teoria de tudo”, mas não sujam as mãos na acção concreta.

   
 

Público, 13 de maio de 2012

 

   
   
 

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