Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 

1. Face à desesperante situação de crise actual, pergunta-se com frequência: que podem fazer as religiões, os cristãos, os católicos? Não se dispondo de nenhuma resposta pronta a servir, essa questão obriga-nos a renovar a ética da escuta multilateral. Além do clamor dos pobres e empobrecidos, existem, também, estudos e debates, pró e contra, sobre o papel da religião na esfera pública.  [i]

O pensamento liberal surgiu a fundamentar a resposta dada às cruentas guerras de religião que assolaram a Europa no século XVII. Ideias como tolerância, separação entre poder terreno e espiritual, liberdade de religião, foram cimentando um projecto teórico que fazia do respeito pelos direitos naturais e a consciência do indivíduo, a base da convivência social e o único modo de conseguir a paz.

BENTO DOMINGUES, op

Que fazer para vencer a crise?

Bento Domingues . Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor, escritor

 

 

Hoje, continua a polémica entre os defensores da tradição liberal, que tendem a situar a religião no âmbito da privacidade - restringindo, na medida do possível, a sua influência na esfera pública – e os autores que procuram reabilitar o papel da religião, nesse contexto. É impossível desenvolver aqui os argumentos e as teses principais que se defrontam. Prefiro a posição de Habermas: os grupos que constituem a sociedade civil, entre os quais se encontram as igrejas, têm como missão fazer chegar ao domínio institucional os problemas da sociedade, para que este lhes dê solução.

Não está encerrada a filosofia da história que pretendia que o progresso acabaria com a religião. Com o passar do tempo, foi revalorizada a importância das motivações e funções sociais da religião, que nenhuma ética racional pode substituir. No entanto, a religião tende a ocupar um lugar residual e periférico, provisório e constantemente ameaçado pela ciência e pelo pensamento filosófico, grandes instâncias da modernidade.

2. Segundo os textos do Novo Testamento, Jesus nunca pretendeu a confessionalidade do Estado. Ficou célebre, e é muito repetida, a sentença «dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César». Também seria difícil encontrar, na boca de Jesus, um programa de governo que se ocupasse, tecnicamente, da agricultura, das pescas, da indústria, do comércio, da saúde e da assistência, etc., ou que fornecesse indicações acerca da organização de um partido ou de um sindicato. No entanto, a sua intervenção foi pública e, sem desenhar alternativas em qualquer desses sectores da vida em sociedade, pôs tudo em causa a partir de um questionamento no campo da religião oficial: «O sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado» (Mc. 2, 27). Formulou, assim, uma religião humanista. O Deus com quem Jesus vive impele-o a servir os seres humanos. A rivalidade entre o humano e o divino foi destruída. O próprio Jesus é chamado o Emmanuel, o Deus connosco. Jesus deixa todo o espaço livre para a invenção e alteração das sociedades. Só há um absoluto: que tudo seja colocado ao serviço dos seres humanos e eles se coloquem ao serviço uns dos outros. Quais poderão ser as consequências para enfrentar agora a crise do País, da Europa, do Mundo?

A resposta não está pronta em nenhuma página dos Evangelhos. Os cristãos terão de encontrar, em cada época e em cada cultura, a resposta mais adequada, sem garantias divinas. Cada um andará com Deus por sua conta e risco.

3. Os católicos dispõem da chamada Doutrina Social da Igreja que recolhe o ensino dos Papas, desde Leão XIII até Bento XVI, passando pelo Vaticano II e por um conjunto de pensadores do social, como lhes chama e apresenta Yves Calvez.

Que fazer com esse conjunto doutrinal e com todas as experiências no mundo do trabalho e da investigação? Não seria desejável pensar em governos e partidos católicos, como governos e partidos confessionais. Não adianta imitar os países muçulmanos. Na Igreja Católica existe a liberdade de escolha política e democracia, pouco respeitada nas suas instituições, mas vivamente recomendada na sociedade. Os limites são de carácter ético em questões extremas.

Dir-se-á que os resultados práticos não são muito brilhantes. Cada pessoa e cada grupo tende a chamar para as suas opções o patrocínio dessa importante doutrina social. Parece que há textos para todos os gostos e cada um poderá fazer com eles o que bem entender. Bendita liberdade, mas talvez se possa conversar sobre isso. A partir do Vaticano II foi promovido o diálogo inter-religioso, foi intensificado o diálogo ecuménico e enquanto Igreja no mundo contemporâneo é constantemente impelida a fazer a leitura dos sinais dos tempos. Temos de nos regozijar com esses frutos do Vaticano II. Mas apetece-me perguntar: para quando o diálogo entre movimentos católicos,  paróquias e dioceses, a nível local e nacional, sobre formas concretas de vencer esta crise que torna o presente doloroso e não abre o futuro? Se todos nós somos igreja, se somos confrontados com os ensinamentos da sua doutrina social, é preciso testá-la, com o contributo de todos, perante os desafios desta conjuntura.

Há muita coisa a fazer para vencer a crise. Não esqueçamos esta.

 

 
 

Público, 22 de janeiro de 2012

 

   
   
 
   
   
 

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