Religião de Maio
e milagres de Fátima

1. Em Lisboa, a religião de Maio de 2007 começou, no dia 3, na Faculdade de Letras de Lisboa, com a apresentação de duas obras budistas, em preparação da vinda, a Portugal, no próximo mês de Setembro, de Sua Santidade o Dalai Lama.

BENTO DOMINGUES, O.P. .......................Público, Lisboa, Maio de 2007
No dia 5, o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, através da sua associação profana "Grémio Lusitano”, realizou o 1º Encontro Internacional de Lisboa, subordinado ao tema: Religiões, Violência e Razão. Nesse Encontro, intervieram cristãos (católicos e protestantes), muçulmanos (sunitas e xiitas), judeus e Bahá’ís, para além de ateus e agnósticos, num clima de tolerância e promoção da paz e do progresso.

No mesmo dia, o Movimento Internacional “Nós Somos Igreja - Portugal” efectuou, no Convento dos Dominicanos, no Alto dos Moinhos, um Seminário dedicado ao “Povo de Deus num mundo em mudança”, com a participação, entre outras personalidades, do polémico Bispo Jacques Gaillot. No dia 8, começaram as “Conferências de Maio”, promovidas pelo Centro de Reflexão Cristã, no auditório do Centro de Estudos da Ordem do Carmo, subordinadas ao desdobramento da pergunta: “O que nos faz correr?”. Neste mesmo mês, continuaram, na Sé de Lisboa, as Conferências sobre a Verdade o Bem e o Belo, para celebrar o aniversário da publicação da “Populorum Progressio” de Paulo VI. A Comissão Nacional Justiça e Paz promoveu, no Colégio de S. João de Brito, a 25 e 26, a importante Conferência Nacional “Por um desenvolvimento global e solidário – um compromisso de cidadania”.

2. Se as peregrinações do espírito têm de ter os pés no chão, as religiões de pés no chão não podem dispensar os movimentos da razão.

Encontrei, em Kingston, os portugueses que têm Nossa Senhora de Fátima como padroeira da sua paróquia. Além da reflexão teológica, fizeram-na sair à rua ao som da Banda, da reza do terço e dos cânticos da Cova da Iria. Talvez não seja por acaso que as aparições de Marmora (Ontário – Canadá) tenham uma grande componente deste imaginário, a começar pelo grito espontâneo da Lúcia, a 13 de Outubro de 1917, “olhem para o sol”, que dançou vertiginosamente num céu coberto de nuvens.

Para a sondagem encomendada pelo sol (cf. Tabu: 05/05/2007), Fátima é um milagre para 69 por cento dos portugueses; 53 por cento vão a Fátima uma vez por ano; 48 por cento já fizeram promessas à Virgem; 15 por cento já foram a Fátima a pé e o Santuário, em 2006, acolheu mais de 5 milhões de visitantes e crentes. Maio deste ano rondou o meio milhão de peregrinos. Fátima, embora seja muito portuguesa, pretende ser também muito ecuménica, a ponto de se considerar “altar do mundo”.

Tem recursos simbólicos muito fecundos. Não precisou de fechar o limbo e a sua oração não quer ninguém no inferno nem no purgatório. Proclama o triunfo do Coração, o verdadeiro céu católico. Mas Fátima foi configurada no tempo infernal de duas guerras mundiais e o século XXI continua cheio de lugares de puro horror.

A Cova da Iria atrai corpos reais, feridos pelo sofrimento, em processo de libertação de prisões interiores e exteriores. É um verdadeiro cais de chegada e partida dos aflitos ou agradecidos. A “procissão das velas” é luz para as noites da vida e a nostálgica “procissão do adeus” nunca foi uma despedida.

A simbólica de Fátima tem sido sempre atraiçoada pela infindável reprodução comercial de sinais do mau gosto. A evocação do sagrado e a beleza da fé foram sistematicamente traídas pela extrema banalidade e fealdade de quase tudo. A ausência da reflexão crítica impediu muitos cristãos de se poderem reconhecer nas devoções, nas pregações e propostas de Fátima.

3. A celebração dos 90 anos das Aparições vem, felizmente, confirmar algumas novas orientações na pastoral do Santuário.

Em Outubro, será inaugurada a Basílica da Santíssima Trindade, obra de um arquitecto grego que congregou artistas de vários países. As marcas de Siza Vieira e de Pedro Calapez também estarão ligadas a essa obra monumental. Dir-se-á que estes sinais não bastam para reconciliar as expressões da religiosidade de Fátima com a linguagem da beleza. Existem, todavia, indicações de que algo está a mudar.

A evocação trinitária é oração de Anjo em boca de crianças. Um Congresso Internacional sobre a “Santíssima Trindade”, de 9 a 12 de Maio, tentou provocar a reflexão teológica adulta acerca do mais sugestivo dos mistérios. A música sacra estará presente, nas comemorações, através de uma Oratória do P. António Cartageno sobre as memórias de Lúcia. O conselho científico, responsável pela publicação da Documentação Crítica de Fátima, é também o responsável pela Enciclopédia de Fátima, editada e integrada na celebração dos 90 anos. Será uma referência obrigatória para a inteligência de um fenómeno complexo ainda mal estudado.

Quando for possível alimentar, na Cova da Iria, tensões fecundas entre meditação, oração, arquitectura, música, pintura, história, teologia de qualidade e responsabilidade social, Fátima poderá ser o milagre dos milagres no catolicismo português.