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ERNESTO DE SOUSA
33 Folhas: A Deus

a Almada Negreiros
a Lumumba
a Che Guevara
a Amílcar Cabral
























Fotografias do multivídeo "Ernesto", de Rui Castello Lopes, 1987. Autocolante com rosto de Almada Negreiros, com a sua frase: "vós, ó portugueses da minha geração, que como eu não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses, insultai o perigo", usado nas acções de ES sobre Almada Negreiros.

entro no altar de um deus
antigo ou qualquer
ou inventado
mas um deus suficiente e vigilante e tudo
o que a esse deus compete
estende-me os seios o leite
a vida a juventude
para cumprir ritos antigos

............................................................sabemos pouco
............................................................e o diabo tece-as
............................................................e depois não custa nada
............................................................é uma leve corporal
............................................................genuflexão

ergo o corpo o teu corpo
o meu corpo
e a mão também
investidura

sei que vais morrer ou partir ou mudar
que mais podemos fazer
um abraço
duas mãos apertadas
enquanto um actor morre
morre ainda morre de novo
nas areias
no vento
nas dunas

adeus dizia alguém o barco partiu
a deus ajoelhado

o seu corpo é o teu corpo
é o meu corpo
 
inventaste um dia claro
não sabes o sussurro
da tua voz
a sombra da tua rugosa
superfície
o meu amor
 
não sabes os dias claros......................................agora
não sabes a revolução
................... ......................quanto
o ranger da raiva
..................................................lúcida
não sabes tantas coisas
.......................................actualidade

que não morre
 
só tu morreste quando ainda não era tempo
a esperança latejava
faltava pouco
a eternidade sempre à espera
na máquina
no concerto
na montagem

mas o teu corpo ficou
no meu corpo
e o novo rito
..............................o tambor dissipado
as trevas

volto-me para ela o seu corpo
é o meu corpo
como num desenho antigo a fotografia
o toque
a força erecta
a rocha aberta
o verão
a terra revolvida
o esquecimento
o heroísmo quotidiano

meu amigo
só te censuro teres partido assim
um pouco antes
da voz para ti confidente
e ritual
assim sem saberes
que ficavas
sem metafísica no meu corpo

vigilante e tudo e suficiente
como um deus qualquer
adeus

Janas, 1972

Desdobrável de "A Tradição como aventura", 1978. Por cima, postal com o retrato de Ernesto de Sousa, por Fernando Namora