ANTÓNIO DE MACEDO
"OS REINOS MÁGICOS ESTÃO AQUI MESMO"

Alquimístico, homem do Novo Cinema Português,
da televisão, da FC, ele está aqui mesmo, no TriploV


ESTELA - O António de Macedo é uma figura bem conhecida, como cineasta. E também como autor de romances de ficção científica, como um dos fundadores da SIMETRIA (http://simetria.esoterica.pt/), e organizador dos Encontros de Ficção Científica & Fantástico de Cascais, etc.. Tem tido intervenções na rádio e na televisão, e além disso é professor. Porém os nossos leitores, na maioria americanos ou residentes nas duas Américas, no TriploV só o conhecem pelas suas comunicações ao Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas, em linha nas Alquimias, e do texto do Paulo Brito e Abreu sobre um dos seus livros esotéricos, *Laboratório Mágico*. Por isso, gostava que nos falasse ao menos de algumas das suas longas metragens, marcos importantes no cinema português.

ANTÓNIO DE MACEDO - Nem sei por onde começar - talvez pelo fim! Como consequência de um sistema corrupto de apoios financeiros do Estado ao cinema português, vulgo "subsídios",

com uma legislação armadilhada para favorecer o "clube dos favoritos" do qual estou obviamente e saudavelmente excluído, há quase dez anos que sou sistematicamente ostracizado e impedido de filmar... O meu último filme de longa-metragem, *Chá Forte Com Limão*, de 1992-1993, é dedicado a Karen Blixen, autora dos extraordinários *Sete Contos Góticos*, e na aparência é uma "ghost story" victoriana (passa-se em 1870). No fundo é muito mais do que isso, claro, o macabro e os espectros são só "cenário", o filme vai descrevendo sucessivas etapas de geração-degeneração-regeneração, são etapas iniciáticas de quem foi "ao lado de lá" e ao voltar a este mundo descobre que este mundo é só esquecimento, e que a verdadeira memória é a memória da Casa do Pai, cuja luz ofusca todas as inúteis frivolidades dos grandes-pequenos dramas terráqueos. Antes desse tinha eu feito *A Maldição de Marialva* (1990), cuja acção decorre pouco antes do ano 1000 na Idade Média pré-portuguesa, no burgo de Marialva, na Beira Alta. A Dama Maria Alva apropria-se diabolicamente dum burgo conquistado aos mouros pelo conde Gunefredo, a quem ela consegue fazer matar, e dá o seu próprio nome à vila. Maria Alva veste de branco, e encarna o poder das trevas. Mas não conta com a chegada dum alquimista que vem de longes terras, chamado Hélio e que traja sempre de negro - e encarna o poder da luz... Será que o inferno um dia acabará, por não ter base divina em que se sustente, não podendo portanto ser eterno? A aposta do alquimista Hélio, mais do que apenas vencer o mal, é conduzi-lo à redenção e à "reintegração do ser". O filme *Os Emissários de Khalôm* (1987) tem uma história curiosa. Em 1984 escrevi um conto, *A Noiva Vestida de Nuvens* (que mais tarde seria publicado na colectânea *O Limite de Rudzky*), onde trabalhei a ideia duma mítica cidade, Khalôm, a "sétima cidade de refúgio", que desce das galáxias como a Nova Jerusalém do Apocalipse e que provoca transcendentais transformações. Esse tema pareceu-me promissor e voltei a trabalhá-lo neste filme, *Os Emissários de Khalôm*, descobrindo-lhe novos desenvolvimentos e novas surpresas; não contente com isso, voltei a aprofundar o tema numa peça de teatro, *O Osso de Mafoma*, onde a mítica cidade de Khalôm se materializa num deserto da Palestina do século X, antes dum terrível combate entre um exército cristão e um exército muçulmano, combate fatal onde morrem todos e só um guerreiro cristão sobrevive. Mais tarde voltei a explorar a ideia dessa prodigiosa cidade com 240 mil anos que tanto surge no passado como no futuro, umas vezes na Terra e outras vezes em impensáveis regiões do Universo, e escrevi um romance de ficção científica, *Sulphira & Lucyphur*, uma espécie de "space opera" onde o tema dos "emissários de Khalôm" ressurge e se revê em novas facetas... Quem são os misteriosos Emissários de Khalôm? Que pretendem? Por que - uma vez mais - um deles vem vestido de branco e outro de negro? E... serão só dois? Bom, para não me alongar, passo por alto *Os Abismos da Meia-Noite* (1983) onde exploro um tema que depois reelaborei num romance, *Erotosofia*, ou *O Príncipe com Orelhas de Burro* (1979), inspirado num romance místico-mágico de José Régio, ou *As Horas de Maria* (1976), que provocou um dos maiores escândalos em Portugal que envolveu seriamente a Igreja católica quando foi estreado em Lisboa em 1979, ou *A Promessa* (1972), selecção oficial à competição do Festival de Cannes de 73, ou ainda o *Domingo à Tarde* (1965), um dos inauguradores do "Novo Cinema Português" dos anos 60 e que recebeu o Diploma de Mérito do Festival de Veneza desse mesmo ano de 65, para concluir no que eu consideraria talvez o meu filme mais significativo, *O Princípio da Sabedoria* (1975). Este filme - talvez mais inciático do que os outros! - é tão caleidoscópico que escapa a qualquer forma de descrição e muito menos de classificação; eu diria apenas que nele perpassam dezenas de personagens num jogo de perda-busca-encontro-perda-reencontro, num espaço fantasmagórico constituído por um palacete enigmático rodeado de um enorme e labiríntico jardim mais enigmático ainda. No final todas as vivências se entrecruzam e tudo quanto passou é um perpétuo refazer: o lema do filme é: "a verdade é uma mentira"...

ESTELA - O António de Macedo também é um homem da televisão. Nota muita diferença na televisão para a qual realizou programas e na que se faz agora?

ANTÓNIO DE MACEDO - Uma diferença abissal! Televisão, agora, não faço: só vejo, e pouco; quando comecei a fazer filmes e programas para TV foi nos anos 60 do século XX, ainda era a preto-&-branco e a TV era um mar sem ondas quando comparada com os alucino-psico-frenesins dos dias de hoje. Nos anos 60 limitei-me a executar uma encomenda de dois telefilmes de 12 minutos cada, um sobre o poeta Afonso Lopes Vieira e outro sobre Fernão Mendes Pinto, além de mais uma série de 12 pequenos filmes semi-ficcionados sobre a prevenção dos acidentes no trabalho. A partir de 1974, com a liberalização democrática e a abolição da censura, fiz dezenas e dezenas de telefilmes documentais sobre o que se convencionou chamar, na altura, "filmes de intervenção": documentos com uma duração que variava entre os 25, os 40 e os 50 minutos, abordando tudo o que de escaldante se estava a passar por esse país fora, por exemplo: ocupações de terras e de fábricas pelos trabalhadores, manifestações sócio-políticas, expressões espontâneas de teatro popular em aldeias longínquas, a independência das ex-colónias, velhas profissões em vias de extinção, cooperativas de tudo, inclusive de ópera, aparecimentos de OVNIs em Portugal, séries sobre a protecção à criança, recuperação de deficientes, colecções de bonecas, informação científica, programas sobre teatro profissional, etc. etc. - A partir dos anos 80 as encomendas da RTP foram rareando e fixei-me mais nos filmes de longa-metragem. Quanto à TV de hoje... realmente, não tem nada a ver com a desses saudosos e agitados tempos. Hoje privilegiam-se os "reality shows" e os "big Brothers" numa curiosa inversão do "sentido" do espectáculo: os principais intérpretes e intervenientes já não são actores (excepto em intermináveis telenovelas que estão sempre a serrar o mesmo presunto), mas os próprios espectadores que saltam alegremente para o "lado de dentro" do pequeno ecrã e vão expor as suas mazelas domésticas ou exibir reais ou supostos dotes histriónicos. Perdeu-se e perverteu-se o lado "sacro" do mistério da "arte do espectáculo" para ficar apenas a vulgaridade e o super-efémero. Ou seja, em vez do "fogo" criativo", que dá calor e luz, só ficou a fumaça, que engasga e cega...

ESTELA - Nos seus livros, quer de ficção científica quer iniciáticos, reparei que por vezes aparece um fantástico fora dos quadros da imaginação. Eu costumo dizer que não vale a pena ao artista entrar em competição com a realidade, porque esta nos brinda com situações muito mais fantásticas do que as dos romances... Será o caso?

ANTÓNIO DE MACEDO - Gosto dessa, uma imaginação fora da imaginação! Tanto nos meus filmes como nos meus romances, perambulo bastante entre a "ficção especulativa" e o "fantástico" - seja o que for que se entenda por isso... desde que se espessurize em obra-acção, como dizem os anglo-americanos: "imagination is image-in-action"! E não só nas minhas obras mais recentes: na verdade sempre naveguei nessas ondas, duma forma ou doutra, desde o princípio: por exemplo no meu filme *Domingo à Tarde* (1965), que citei há pouco, não resisti à provocatória tentação de incluir um pequeno "filme dentro do filme" que se opõe, pelo seu expressionismo visionário e fantástico, à crua nudez da história hospitalar contada no filme propriamente dito - conferindo uma "quinta dimensão" a essa história e iluminando-a com uma outra forma de sabedoria. Concordando com o que a Estela sugere, também costumo dizer que o fantástico - pelo menos na forma de arte que pratico - é um real mais real do que o real, porque aprofunda as invisíveis frinchas desse mesmo real onde os sonhos e a vida se cruzam, se fundem e se indistinguem, ou como explico a páginas tantas dum livro meu (*Instruções Iniciáticas*): "os reinos mágicos estão aqui mesmo, diante dos nossos olhos, umas vezes solidamente, no vasto Império da Imaginação, outras sorrateiramente, por entre os interstícios do chamado mundo real".

ESTELA - A ficção científica esforça-se por ter base científica mesmo. Um romance em que figurasse uma dupla clone/clonado com a mesma idade, por exemplo, corria o risco de ser logo excluído, caso se apresentasse a um concurso... Isto quer dizer que os ficcionistas ou têm formação científica ou andam muito bem informados sobre as novidades da Astrofísica ou da Biologia. E isso leva a desenvolvimentos para a utopia ou contra-utopia. Há algum Homem Novo que a ficção científica nos esteja a propor?

ANTÓNIO DE MACEDO - Bom, o tal Homem Novo que a FC propõe é uma obsessão que já vem da FC clássica dos anos 50 do século XX. Um dos mais conhecidos é o romance *Childhood's End* (1953) de Arthur C. Clarke, onde uma geração inteira de crianças terrestres sofre uma espécie de apoteose metamórfica que faz com que os seus cérebros se fundam com a "mente cósmica". Outros encaram o futuro da humanidade como uma forma de fusão

colectiva numa gigantesca e espantosa "colmeia mental" humana, como por exemplo no livro *Half Past Human* (1971) de T. J. Bass. Aliás as últimas especulações (e realizações...) da engenharia genética para aí apontam, ou seja, a criação dum ser humano, quer do ponto de vista biológico, quer do ponto de vista mental, capaz de responder eficazmente aos mais arrojados desafios da imaginação, tanto nos espaços siderais como no fundo dos oceanos, António de Macedo, fazendo a sua refeição vegetariana no Convento dos Cardaes, no último colóquio "Discursos e Práticas Alquímicas". Lisboa, Setembro de 2002
para não falar na sua simbiose com componentes ciberorgânicos, acoplação a computadores ou, inversamente, a utilização em computadores de ADN humano.Ou ainda a acoplação a animais - por exemplo dotando cães amestrados com mãos humanas, o que lhes permitiria executar determinadas tarefas, libertando o humano dum certo tipo de empregos chatos. Um dos autores de FC que mais tem explorado as infinitas potencialidades de seres humanos mutados por engenharia genética - e não só - é Brian Stableford (além de escritor é cientista e geneticista), do qual recomendo vivamente dois dos seus livros mais fascinantes sobre este inesgotável assunto: *The Third Millenium* (1985) e *Sexual Chemistry: Sardonic Tales of the Genetic Revolution* (1991).

ESTELA - O António de Macedo deve pertencer mais ou menos à geração do Ernesto de Sousa. Eu detesto entrevistas em que ao entrevistado só se pergunta o que não lhe diz respeito, fugindo sempre à pessoa que está na nossa frente, como se afinal estivesse ali só para dar chancela à opinião que o entrevistador formula sobre terceiras... Acontece no entanto que o TriploV é dedicado ao Ernesto e o António de Macedo tem decerto algum testemunho importante sobre ele...

ANTÓNIO DE MACEDO - Sim, fui contemporâneo do José Ernesto de Sousa apesar de ele ser 10 anos mais velho do que eu, e tornámo-nos amigos na passagem dos anos 50 para os anos 60, devido a uma curiosa conjunção de factores: em 1958 fundei com dois colegas (o escultor Carlos Gama e o escritor Manuel de Seabra) uma pequena firma editora, que ostentava o pomposo nome de "Clube Bibliográfico Editex Lda." Instalámos o escritório, com uma empregadita mal paga, na Travessa do Fala-Só, em Lisboa, num 1º andar do número 15, do lado direito. O José Ernesto morava no mesmo andar, mas do lado esquerdo! Fomos portanto vizinhos durante cerca de três anos, que foi o tempo que a Editex durou antes de falir ingloriamente... como é costume nestes luso-juvenis empreendimentos em que o sonho se sobrepõe à realidade. Durante esses três anos a Editex publicou várias coisas, entre as quais uma enxundiosa obra minha, em fascículos mensais, intitulada *A Evolução Estética do Cinema*. A saída de cada fascículo era acompanhada por uma sessão cinematográfica, tipo cineclube (com muitas cautelas, em academias privadas, porque a Censura e a Pide não perdoavam a Cristo quanto mais à cultura...), sessão essa que constava de um filme clássico que tivesse sido abordado no respectivo fascículo, com apresentação e orientação dos debates por uma personalidade dessa época ligada ao cinema ou ao cineclubismo, como por exemplo Vasco Granja, Manuel Ruas, Baptista Bastos, Manuel de Azevedo, Henrique Espirito Santo e... indispensavelmente, Ernesto de Sousa, que animou de maneira magistral - como só ele sabia, era um fabuloso comunicador - uma ou duas dessas sessões. O nosso convívio cimentou-se no cineclubismo e também durante umas tumultuosas reuniões semanais que fazíamos em casa da Maria Teresa Horta com os jovens inconformistas desse tempo, onde o Ernesto de Sousa, mais velho que nós, pontificava, e onde se discutia política, cinema, política, arte, política, pintura, política, poesia... o que deu azo a que a Pide invadisse um dia a casa da Maria Teresa Horta e eu realizasse o meu primeiro filme profissional, a curta-metragem *Verão Coincidente* (1962-1963) inspirado num revolucionário poema dela que saíra publicado em 1961 com o mesmo título. Praticamente mantive mais ou menos contacto com ele quase até ao ao fim; lembro-me sobretudo do entusiasmo que nos empolgou, a nós jovens dessa época, a ideia que ele teve de realizar e produzir o filme *Dom Roberto* (1962) financiado com leilões de quadros que pintores amigos lhe punham à disposição (os leilões eram na Sociedade Nacional de Belas-Artes, e sempre muito concorridos e animados), e da criação duma espécie de cooperativa do espectador, em que cada cooperante teria direito a assistir às exibições do filme, a quando da estreia, consoante a sua participação nas acções da cooperativa! Enfim, tempos...

ESTELA - As *Alquimias* são um dos directórios mais frequentados do TriploV. Já perguntei isto ao José Augusto Mourão e agora pergunto-lhe a si: como interpreta este fenómeno de atracção?

ANTÓNIO DE MACEDO - A ideia da Alquimia sempre exerceu um grande fascínio - o fascínio de tudo quanto nos prometa desvendar, manipulatoriamente, os profundos arcanos da Natureza, sobretudo se no final, para além de se levantar o Véu de Isis, ainda se perfile, como bónus, a mirífica ilusão do ouro-sem-fim e da juventude eterna. De qualquer modo, penso que o interesse actual pela Alquimia é mais sério e mais espiritual (corresponde a uma real e cada vez mais intensa fome do espírito) do que o dos reis, imperadores e nobres da Idade Média e do Renascimento que contratavam alquimistas e astrólogos para lhes fabricarem ouro e predizerem as horas propícias às respectivas operações...

ESTELA - Sabe que tive uma grande surpresa, com o Colóquio de Alquimia, ao descobrir que o último alquimista não foi Fulcanelli... Há muitos alquimistas no activo, e até em Portugal... O António de Macedo é alquimista?

ANTÓNIO DE MACEDO - Não, não sou no sentido convencional do termo. Prefiro auto-classificar-me, mais modestamente, como "alquimístico".

ANTÓNIO DE MACEDO - Bom, eu diria que há mais do que um esoterismo, há vários, ou, talvez melhor, há sucessivos graus de "desvelação" esotérica. Um haddith do profeta Muhammad diz que cada versículo do Alcorão tem um sentido esotérico, e esse sentido esotérico tem um outro, e assim sucessivamente até sete... Uma espécie de pensar o pensar do ultrapensar do ultrapensar! O que me limito a fazer nos meus livros (e nas minhas aulas) sobre esoterismo bíblico é apenas descascar (enfim, tentar descascar...) a primeira camada da cebola. Depois, quem vier a seguir que se esforce por descascar e esquadrinhar o resto, de acordo com a controversa e obscura etimologia da palavra, segundo alguns autores: seria uma confluência de dois termos gregos: "eisô" ou "esô", dentro de, e "têrô", observar, espiar; guardar, conservar. Logo, esô+têrô seria qualquer coisa como o resultado multiplicativo de duas ideias: esquadrinhar no mais dentro da "coisa" e guardar no interior de "si-mesmo". Acha que serve?

ESTELA - Por agora, vai servindo... Olhe, eu identifico o seu modo de estar espiritual como rosacruciano. Tenho lido autores que entendem a Fraternidade Rosa-Cruz como autónoma, outros que a ligam à maçonaria, alegando que um dos graus desta é o Cavaleiro Rosa-Cruz. Creio que é Max Heindel quem diz, num dos seus livros, que não era maçon filiado, mas que o era de coração ou pensamento... De que modo se ligam essas duas entidades?

ANTÓNIO DE MACEDO - Sim, de facto Max Heindel tem um estudo muito bem feito, intitulado *Maçonaria e Catolicismo* onde descreve as duas grandes linhagens humanas: - a dos descendentes de Caim, ou seja, os artífices, construtores, fabricantes, cientistas, homens de Estado, etc., em suma, a chamada "linhagem real", associada ao Fogo e ao planeta Marte, - e a linhagem dos descendentes de Seth (terceiro filho de Eva, para "substituir" o falecido Abel), ou seja, os devotos, os místicos, os elementos da Igreja, bispos, cardeais, em suma, a chamada "linhagem sacerdotal", associada à Água e à Lua. A primeira compreende a Ordem Maçónica, iniciática, a dos "construtores", e a segunda comprende a Igreja, a dos devotos, não-iniciática e sacramental. Fernando Pessoa tem razão ao distinguir cuidadosamente entre "Maçonaria" e "Ordem Maçónica". A Ordem Maçónica é ancestral (e não me refiro apenas à lenda de Salomão e de Hiram Abiff), ao passo que a Maçonaria especulativa assumiu a sua forma actual no século XVIII, embora o sistema da "Estrita Observância", por exemplo, se reclame duma origem Templária. Por sua vez a Ordem Rosacruz, de inspiração judaico-cristã, busca o seu ideal na Ordem de Melquisedec, a Ordem da Justiça e da Paz cujo sacrifício é não-sangrento e cujos símbolos são o trigo/pão e a uva/vinho. Cristo, como Sumo-Sacerdote Eterno da Ordem de Melquisedec, veio preparar a gloriosa fusão da linhagem real com a linhagem sacerdotal, da mente e do coração, da cruz e da rosa; no fundo é o ideal dos Reis Magos e da Estrela de Belém: Reis e Sacerdotes, numa humanidade final justa e santa, unida tanto pelo lado mental como pelo lado cordial. O facto de o 18º grau do Rito Escocês Antigo e Aceite da Maçonaria ter a designação de Cavaleiro Rosa-Cruz deve-se sobretudo a considerações historicistas e ritualistas, impregnadas de Alquimia, mais do que a uma necessidade iniciática. Este grau foi criado nos finais do século XVIII e o seu tema é a "palavra perdida".