NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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O NATURAL E O CULTURAL
ENTRE OS SABERES E OS FAZERES (1)

 

Maria Joana Christina Krom
Ana Luísa Janeira
Alexandra Soveral Dias
Mª Helena Novais
Mariana Valente

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O natural e o cultural
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Figura 1. Uma paisagem natural (?)..... Fotografia de José M. Rodrigues
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Numa aproximação ao natural poderia começar-se por perguntar 'o que é o cultural?', assim sugerindo, então, que esta pergunta é mais fácil de responder e também que '(a) cultura' pode ser vista como algo que se opõe à natureza. Mas será mesmo?

Observando a paisagem da figura 1 veremos provavelmente um ambiente natural: um riacho ladeado por vegetação, não tocado pela mão humana. Porém, olhando melhor, poderemos notar um pequeno letreiro vermelho e branco: indicação da eventual presença de caçadores. Afinal há intervenção humana na nossa paisagem aparentemente virginal. Aproximando-nos um pouco mais, poderíamos ver outras indicações da presença humana: uma ponte atravessando o riacho, formando parte dum aqueduto. Se tomássemos a perspectiva dum pássaro, sobrevoando a área, veríamos quintas, casas e outros sinais de actividade humana, muito perto da nossa paisagem 'natural'. Neste caso, como em muitos outros, 'o 'natural' e o 'cultural' estão intimamente interligados, mesmo que à primeira vista essa ligação não seja óbvia. No entanto, a própria palavra 'cultura' confronta-nos com o problema de se tratar dum conceito característico da civilização ocidental.

Denys Cuche, professor de antropologia na Sorbonne, afirma que muitos dos grupos sociais e comunidades chamadas 'orais' ou 'sem escrita', não têm na sua língua uma palavra para 'cultura' e nem conhecem o conceito de 'cultura'. Obviamente, isso não significa que não têm cultura (1). Tentando perceber a génese social da dicotomia entre natureza e cultura (no nosso contexto ocidental), teremos de regressar, sempre conforme Denys Cuche, à França do século dezoito, - o século das Luzes, - altura em que a palavra aparece pela primeira vez no seu sentido moderno. Inicialmente significando 'o cuidar da terra e do gado', a palavra 'cultura' (derivando do latim), aparece no final do século treze, designando 'um terreno cuidado, cultivado'.

A partir do século dezasseis o significado de 'cultura' começa a mudar: já não refere tanto um 'estado' (da coisa cultivada), mas antes uma 'acção', a da cultivação da terra. Em meados desse mesmo século, a palavra também começa a ser utilizada no sentido figurado; 'cultura' refere então o cultivar (formação) duma faculdade. No entanto, o sentido figurado só se impõe a partir do século dezoito e 'cultura' acaba, pouco a pouco, por designar sobretudo a 'formação' ou 'educação' da mente e do espírito, designando nomeadamente um 'ser estando', ou seja: um estado mental adquirido através da instrução, o estado espíritual do indivíduo que tem 'cultura'.

A Académie Française usa a palavra 'cultura' neste sentido na sua edição de 1789, contribuindo assim para a estigmatização do indivíduo não educado, inculto, como 'um espírito natural e sem cultura', e assim sublinhando a oposição conceptual entre 'natureza' e 'cultura'. Para os pensadores das Luzes, a noção de cultura aplica-se apenas ao que é humano e refere a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade (2). Deste modo, a cultura existe na medida em que o homem se transforma ao afastar-se do estado 'natural', sendo a cultura precisamente o que o dele o afasta.  

 
 
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Maria Johanna Christina Krom. Mestrado em Antropologia (Major: Social Anthropology; Minors: Art History & Drama and Theater Sciences), Universiteit van Amsterdam, Países Baixos. Investigadora na área da Cultura Popular. Sócia da MARCA-Associação de Desenvolvimento Local. Investigadora do projecto Os Brinquedos Populares de Montemor-o-Novo. Tel/fax. 351.266744054; 351.932695258. marjokekrom@clix.pt

Ana Luísa Janeira. Professora Associada com Agregação em Filosofia das Ciências do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Rua Ernesto de Vasconcelos, 1700 Lisboa, Tel. 351.217573141, Fax 351.217500088. Investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL). Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral. Calçada Bento da Rocha Cabral, 14, 1250-047 Lisboa. janeira@fc.ul.pt e analuisajaneira@clix.pt

Alexandra Soveral Dias. Professora Auxiliar do Departamento de Biologia da Universidade de Évora. Investigadora da Unidade de Ecologia Química, Centro de Ecologia e Ambiente da Universidade de Évora. Tel. 351.266760881, fax 351.2667111231. alxandra@uevora.pt

Mª Helena Novais. Licenciada em Biologia pela Universidade de Évora. Laboratório da Água da Universidade de Évora. Morada: R: General Humberto Delgado, nº57 3ºDTO - 7000, Évora E-mail: Tel: 965537480
helena_novais@yahoo.com.

Mariana Valente. Professora Auxiliar do Departamento de Física da Universidade de Évora. Tel. 266 700338. Investigadora do Centro de Estudos de História e Filosofia das Ciências da Universidade de Évora. mjv@uevora.pt