NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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Sobre espécies endémicas
e outras introduzidas nos Açores (fim)
LUÍS M. ARRUDA
Introdução de espécies botânicas e alteração da paisagem

Trelease (1897) refere o papel desempenhado pelo povoamento humano e pelas embarcações que, regularmente ou não, haviam escalado as ilhas na introdução de espécies e a alteração provocada na paisagem, anotando: « owing to the close utilization of the land, trees and shrubs, which are much needed for the firewood that they furnish, have been planted to such an extent in all available nooks and corners, whence they spread to a greater or less extent, that to-day, with few exceptions, it is almost impossible, on encountering a woody plant in the agricultural zone, to say whether it is spontaneous or introduced. [ ... ] In some of the islands, even the high-lying pasture lands are being restocked with forage plants from the European and American continents, in the belief that they are more valuable than those native to the islands; but, as a rule, such changes as are taking place above the zone of cultivation are fought out on the lines of the survival of the fittest. Near the sea level, however, where every square foot of tillable ground is utilized for the cultivation of food crops, the greater number of species met with are cosmopolitan weeds, evidently of comparatively recent introduction, which here, as elsewhere, exist and spread because of their ability to live in crannies or by the roadside, and flower and seed precociously and abundantly. Next the sea, and on the omnipresent stone walls and in the most recent volcanic debris, species found elsewhere in similar situations are thoroughly at home, scarcely being interfered with by cultivated plants or the usual field and roadside weeds».

Pelo menos nalgumas ilhas do arquipélago açoriano, ainda é possível identificar, em altitude, pelo menos três estratos de vegetação: o mais inferior, da comunidade costeira, até cerca de 100 m, o intermédio, até cerca de 500 m, e o mais superior, da floresta arbustiva densa de louro e cedro, que na terminologia científica é conhecida como da floresta de "laurissilva", ou de louro. Actualmente, a comunidade vegetal ao longo da costa, em particular nas falésias rochosas, é esparsa e caracterizada por um ritmo de sucessão lenta apenas alterado pela erosão marítima ou pelas erupções vulcânicas com correntes de lava ou depósitos de piroclastos. Aí domina, geralmente, a gramínea conhecida, vulgarmente, por bracel-da-rocha (Festuca petrea), mas também ocorre o trovisco (Euphorbia azorica), ambas endémicas.

Mas, a diversidade vegetal acumulada durante milhares de anos, até ao povoamento, no estrato intermédio, que incluía espécies endémicas como Carex hochstetterana, Scabiosa nitens e Picconia azorica (pau-branco), foi, nos últimos 500 anos de acção do homem, substituída por espécies cultiváveis.

As madeiras foram, desde cedo, aproveitadas para exportação e para as construções, civil e naval. As queimadas e os arroteamentos começaram desde logo a propiciar novos espaços destinados à cultura do trigo, a primeira que foi praticada de modo extensivo. Quando esta cultura começou a declinar foram introduzidos, sucessivamente, o inhame, a batata-doce e frutos vários, com predomínio dos citrinos, no século XVI, o milho, no século XVII e a batata comum ou inglesa, no século XVIII. No século seguinte aconteceu um aumento significativo da área de pastagens relacionado com o aparecimento de novas raças de bovinos e, no século XX, a pecuária tornou-se um dos principais recursos económicos dos Açores.

Acima dos 500 m de altitude a vegetação natural, a floresta arbustiva densa de louro (Laurus azorica), endemismo macaronésico, e cedro (Juniperus brevifolia), incluía esta espécie e a urze (Erica azorica), endémicas dos Açores.

Os ecossistemas destas florestas da denominada zona de nevoeiro, beneficiando de precipitação e humidade do ar elevadas desenvolvem-se com sucesso, tornando-se ricos em diversas espécies de musgos que atapetam todos os tipos de substratos. Os troncos das árvores estão geralmente revestidos por esses musgos, espessos, frequentemente colonizados por fetos. As plantas vasculares crescem geralmente formando comunidades densas, tipo mosaico, de acordo com a topografia do terreno gerada pelos vários edifícios vulcânicos e pelos vales de erosão.

A esta altitude a actividade humana foi feita sentir, principalmente durante o século XX, consequência da procura de madeira, para combustível e para construção, e das arroteias para instalação de novas pastagens e florestas de exóticas, destinadas à produção intensiva de madeira, reduzindo, consideravelmente, a área da vegetação natural. As florestas nativas foram ainda segmentadas em resultado da abertura de vias de comunicação.

A paisagem agro-silvo-pastoril resultante ficou então organizada em função da altitude. Passaram a existir, em traços gerais, um andar de culturas até às cotas de 350 a 450 metros, outro silvo-pastoril até 800 m e, a cotas superiores, os matos espontâneos remanescentes.

Muitas das espécies de plantas introduzidas para cultivo, após terem escapado das culturas, tornaram-se pelo menos subespontâneas e deste modo presentes nas ilhas no seguimento de uma introdução não intencional. Mais, as espécies botânicas introduzidas nos jardins nem sempre se limitaram a esses espaços nem aos fins para que haviam sido escolhidas. Muitas delas também escaparam à cultura e propagaram-se de tal modo, em número e em extensão, que passaram a dominar algumas comunidades vegetais naturais, tornando-se uma ameaça pelo menos para a floresta de louro e cedro e para as populações de faia. Servem de exemplos os casos: ( a ) da hortênsia (Hidrangea macrophyla), uma espécie originária da China, introduzida em meados do século XIX, cuja flor tem dado beleza e cor às sebes vulgarizadas pelas propriedades rústicas e bermas das estradas, tornando-se um elemento marcante da paisagem de algumas ilhas e que ao Faial tem justificado que lhe seja dado o adjectivo azul; ( b ) da roca-de-velha ou conteira (Hedychium gardnerianum), proveniente dos Himalaia, introduzida também em meados do século XIX, de sementes facilmente disseminadas pelos pássaros, que passou a controlar, por completo, o seu novo habitat, tornando-se uma ameaça maior para a floresta de louro e cedro; e ( c ) do incenso (Pittosporum undulatum), oriundo do sudoeste da Austrália, introduzido há muitos anos para ser usado em sebes de protecção aos pomares de laranjeiras, que, devido à sua disseminação espontânea e ao crescimento folhoso maior do que o de muitas árvores indígenas, levou à transformação do património paisagístico açoriano. Os terrenos abandonados são rapidamente invadidos por estas espécies.

Juntamente com as ornamentais, outras espécies têm sido introduzidas com fins comerciais, especialmente para a produção de madeira. A mais importante foi a criptoméria (Cryptomeria japonica), introduzida há cerca de cem anos, que tem a sua origem na China e no Japão. Usada inicialmente para sombra e para cortinas de abrigo, adaptou-se, facilmente, ao clima e o seu crescimento rápido indicou-a como uma solução para a reflorestação, particularmente acima dos 300 m de altitude, alterando profundamente a paisagem. Muito abundante nas ilhas, ocorrendo de modo subespontâneo, tornou-se uma ameaça para o património vegetal endémico porque apenas algumas poucas espécies da floresta de louro e cedro conseguem sobreviver debaixo do forte ensombramento dos seus povoamentos adultos.

Nos Açores ainda se encontram áreas, relativamente extensas, dessas comunidades botânicas nativas únicas, relíquias daquelas que desde há muito desapareceram dos continentes de onde provieram, mas que nestas ilhas foram poupadas às glaciações graças ao efeito moderador do oceano. Razões genéticas, éticas e estéticas cuja importância ultrapassa as fronteiras regionais, têm justificado a sua classificação.

O Jardim Botânico do Faial, a cerca de 2 Km do mar, em linha recta, à altitude média de 105 m, na transição entre a vegetação costeira e a vegetação de altitude média, com aproximadamente 2000 m² de superfície, foi criado com a finalidade, entre outras, de manter colecções didácticas, atraentes para os visitantes, e úteis para fins científicos.

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