As duas culturas: o cruzamento dos saberes (in)sustentáveis
                                                      José Augusto Mourão (UNL-DCC)

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A literatura, e não só a ficção científica, têm contribuído para colocar as questões mais espinhosas com que o conhecimento científico se defronta. O homem sem qualidades, de R. Musil, por exemplo, que M. Caccìari analisou, ou R. Powers, o escritor americano que Latour traz à colação para discutir o poder dos fac-símiles. E como se houvesse dois mundos e duas culturas em que o Um­dualidade entra em cena. Musil falará das duas árvores da vida para nomear dois tipos de sensação (II De Ias páginas póstumas, LCIII, pp. 602 ss.). A discussão entre literatura e ciência reflecte ainda a onda de influência gerada pela noção de "duas culturas" (1). Pamela Gossin lembra que os poetas românticos ingleses costumavam brindar contra a ciência enquanto estudavam a astronomia, a química e a fisiologia dos investigadores naturais ainda não "contadores". A religião permeava tudo. Ao tempo de António Cirurgião não era nem pensável nem possível a cisão entre imanência e transcendência. Ora, é a ciência que provoca o “desencantamento do mundo”.  E a nubulosa, nítida ou radical entre imanência e transcendência. R. Rorty resume assim a questão que opõe a religião e a ciência: "a batalha entre religião e ciência que teve lugar nos séculos XVIII e XIX foi uma confrontação entre instituições que pretendiam a supremacia cultural. Foi bom para ambas, religião e ciência, que fosse a ciência quem ganhasse a batalha" (2). O maior desafio com que teve de se confrontar a Igreja foi a pretensão da Ciência a reinar como única fonte de verdade. A Igreja acabou, afinal, por adoptar a pretensão de objectividade, desenvolvendo "toda uma doctrina dos praeambula fidei em relação cada vez mais estreita com uma metafísica de tipo objectivista" (3). Para G. Vattimo esta relação reflecte a pretensão autoritária para predicar leis e princípios de carácter natural, válidos para todos, e não só para os crentes. Como se a mensagem evangélica assentasse em pretensões de objectividade. “O pensador crítico colocará na lista de objectos-encantados tudo aquilo em que ele naão acredita mais – a religião, é claro, mas também a cultura popular,  amoda, as superstições, a mídia, a ideologia, etc. – e, na lista dos objectos-causa, tudo aquilo em que acredita convictamente -  a economia, a sociologia, a linguística, a genética, a geografia, as neurociências, a mecânica, etc.” (4). O neohegelianismo de Robert Brandom, (uma síntese do pragmatismo e do idealismo) implica que não há nada que consista em captar o mundo ou o ser correctamente. O que conta está presente nos jogos de linguagem (da astronomia à biologia). O que mais importa é a coerência entre as crenças, e não a correspondência destas com um objecto. O pecado da Igreja foi ter convertido a ciência natural no paradigma da racionalìdade e da verdade que são assuntos de cooperação social e de dialogismo.
 

(1) C. P. Show, "The Two Cultures and the Scientific Revolution", Encounter, 12, n° 6 (195), 17-24 e 13, n° 1 (1959).

(2) El futuro de la religión, Santiago Zabala (compilador),  Barcelona, Paidós, 2006, p. 61.

(3) Ibidem, p. 72.

(4) Bruno Latour, Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches, Local?, EDUSC, 2002, p. 35.

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Última Actualização:
18-Sep-2006