ABERTURA DO CIBERCOLÓQUIO

Organizado por dois escritores, um deles dominicano, o colóquio "Discursos e Práticas Alquímicas", agora em quinta edição, primeira virtual, dificilmente seria um colóquio de Alquimia, tomada esta em sentido estrito: em primeiro lugar, porque a regra do segredo e do anonimato a que obedecem os alquimistas não é compatível com a sua comparência em reuniões mundanas, por muito estudiosas e despojadas de vaidade e interesses materiais; em segundo lugar, porque o nosso conhecimento da Arte é paralelo, decorre sobretudo do contacto com a poesia, quer como críticos, quer como poetas. Conhecemos, evidentemente, alguns textos alquimistas, entre eles dois livros fundamentais sobre a igreja como obra de mestres construtores, "As mansões filosofais" e "O mistério das catedrais". Fulcanelli é justamente um ponto de referência para Richard Khaitzine, um dos participantes do colóquio, especialista da língua das aves, discurso cifrado que não é específico da Alquimia, podendo encontrar-se em textos de natureza vária em todos os tempos, incluídos alguns nossos. Khaitzine mostra o contacto que os artistas parisienses, em particular surrealistas, estabeleceram com Fulcanelli. Ora a conferência inaugural do colóquio deste ano compete a um surrealista, Claudio Willer, e terá por tema a relação da poesia com a magia, forte e directa no movimento desencadeado por André Breton nos anos 20.

Segundo se lê em certos esoteristas, o último grande mestre construtor foi Gaudi, facto que dá resposta à estranheza de alguns arquitectos profanos perante essa mansão filosofal tão revolucionária nas formas, mas tão exclusivamente tradicional nos materiais de construção, como é a catedral da Sagrada Família, em Barcelona. Se esses construtores acham em Gaudi um ponto final, outro ramo da construção, especulativo e não operativo, surgiu de há muito e sobrevive, detendo o conhecimento da Tradição, a dos construtores do Templo - referimo-nos às ordens maçónicas, congregadoras de pedreiros-livres, os maçons. Neste campo temos contado com a participação constante de José Manuel Anes, Grão-Mestre da Maçonaria Legal Portuguesa, e de outros maçons.

Tradicionalmente, Igreja e Maçonaria, apesar de faces de uma só moeda, têm mantido relações de mútua hostilidade. De resto, a hostilidade aos maçons manifestou-se também por parte de regimes políticos e governos, embora tenha havido regimes e governos abertamente maçónicos, como sucedeu nos primeiros anos da República Portuguesa. Os tempos entretanto mudaram, e mudaram o suficiente para que o qualificativo da Loja presidida por José Manuel Anes seja Legal; e também mudaram o suficiente para que, sem preconceitos nem agressões, neste colóquio haja um salutar convívio e troca de conhecimentos entre membros de ordens religiosas católicas, em especial os Dominicanos, preste-se-lhes a justiça do seu desassombro e coração generoso, espagiristas, gnósticos, artistas plásticos, poetas, historiadores das ciências, e outros. Este ano contamos com a presença de um militar, historiador também, o Major Francisco Miguel Garcia. Dele esperamos contributo valioso para o esclarecimento da estratégia do agente duplo, habitual nos serviços de espionagem, por a questão da dupla identidade ser também uma das características do iniciado. É ela que gera mistérios como o de Fulcanelli, para voltar ao alquimista para quem as catedrais são livros declamados na língua dos pássaros - Fulcanelli é pseudo-nome, fundado sobre o signo do fogo/vulcão; acerca da pessoa que o usou, durante muito tempo nada se soube, e hoje o que há são hipóteses de identificação.

Gnósticos, maçons e rosacruzes têm sido os principais herdeiros e transmissores do testemunho alquímico, e os poetas também, claro. É grata por isso a presença habitual de António de Macedo no colóquio. Este ano a sua conferência versa "O eterno feminino na nova religiosidade", o que se perspectiva decerto do seu ponto de vista rosacruciano.

Quanto às ciências, bem sabemos que se têm oposto à religião, à qual colam o rótulo de obscurantista. Por paradoxo, debaixo de vários tipos de iluminação se pode dizer que obscurantista é a ciência, ao eleger o homem unidimensional, como diria Umberto Eco. Retenhamos agora o seu obscurantismo só naquele sentido em que, ao contrário do alquimista, a ciência não sabe que a luz vem das trevas; a investigação em História da História Natural é um dos mais fortes dinamizadores do colóquio, pela necessidade que sentimos de procurar na língua das aves a explicação para o duplo na linguagem da ciência, duplo que se exprime pelo erro colossal, impróprio da ciência. Divorciadas da Tradição, as ciências não compreendem que a objectividade do discurso científico possa ser sabotada pela informação secreta. "La lettre R était le monogramme de l’hérésie au Moyen Âge", escreve Richard Khaitzine na sua comunicação deste ano, acerca da errância, o erro, as gralhas voluntárias. É num registo de heresia científica que esses textos se situam, e não recuam à Idade Média, são nossos coevos. Porque amputou a linguagem, e com ela o conhecimento, na zona de penumbra entre noite e dia, a ciência, apesar de ter luz própria, à sua própria luz perdeu a capacidade de leitura.

Hoje, dia 13, é um dia mágico para nós, por ser virtual. As vantagens do virtual sobre o presencial são muitas, deixemos nota de apenas duas: jamais o Colóquio Internacional "Discursos e Práticas Alquímicas" poderia ser amplamente internacional, se continuássemos a reunir meia dúzia de amigos numa sala, como até agora aconteceu. Pela primeira vez, temos participação estrangeira variada e proporcional à portuguesa, e na sala não há só meia dúzia de colegas a ouvir-nos: neste momento, o TriploV está com uma média de mil e cem visitas (PCs), seis mil acessos e duas mil visualizações de página por dia. Não caiu do céu uma audiência tão infinitamente superior à do colóquio presencial - ela deve-se em grande parte ao facto de as comunicações aos colóquios anteriores estarem em linha, o que demonstra grande avidez do público pelo esoterismo e pelos temas religiosos.

Cabe-nos por isso agradecer aos participantes, com comunicações e sem elas; entre os que não se inscreveram no colóquio foi agradável receber mensagens antes mesmo do início, uma delas dos gnósticos, que ofereceram a todos dois e-books, "La Piedra Filosofal" e "Tratado de Alquimia Sexual", de Samael Aun Weor. Outro agradecimento vai para a Hugin Editores, que tem publicado em livro as comunicações, apesar da crise no sector, crónica de há anos em Portugal.

E é isto enfim o colóquio "Discursos e Práticas Alquímicas" : um espaço de convivialidade além-fronteiras, de permuta de conhecimentos oriundos de disciplinas diversas, um esforço de concórdia entre os que até há bem pouco foram inimigos mortais, a criação de uma plataforma de entendimento que permita olhar para trás, na História, e para os lados, onde vivem os nossos contemporâneos, de modo a gerarmos um futuro em que caibamos todos, e não apenas alguns tenham direito à fala.

Sede benvindos ao cibercolóquio, passamos agora a palavra ao escritor Claudio Willer, Presidente da UBE, que profere a conferência inaugural, "O mago, metáfora do poeta"

Maria Estela Guedes (TriploV) & José Augusto Mourão (ISTA)
Lisboa, 13 de Maio de 2003